Uma motivação cairia bem? Talvez não

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A sensação do ar voltando aos meus pulmões foi violenta, tossindo e apoiando as mãos no chão cuspia água e mais água, como se só houvesse isso no meu corpo. Quando finalmente consegui recobrar meus sentidos, sentei-me no chão de pedra. O lugar onde eu me encontrava era escuro, frio e úmido, as paredes eram irregulares e tinham um brilho transparente como prismas apagados. Olhei para trás e uma cortina de água me separava do mundo. Não fazia o menor sentido. Eu tinha despencado no mar aberto e estava em uma gruta atrás de uma cachoeira. Achei a saída, uma descida íngreme até as margens do rio onde a cachoeira desaguava.

Anael estava lá agora usando roupas apropriadas, calças cor grafite, uma camisa de gola alta sem mangas e botas estilo coturno.

- Qual é o seu problema? – Berrei enquanto me aproximava. – Você me atirou de mais de vinte metros!!

- Era preciso.

- Onde estamos?

- Estamos em lugar nenhum.

Abri a boca para questionar, mas Anael se colocou na minha frente.

- Este é o limbo. Não estamos entre vivos ou os mortos, entre a terra ou o céu. Estamos aqui e agora. Apenas.

Onde estávamos era tropical, havia muitas árvores, e trilhas, e a cachoeira. Tudo era muito familiar. Mas o ar parecia mais leve, tinha uma pureza naquele lugar, um silêncio absurdo.

- Por que estamos aqui?

- Você precisa aprender a controlar. Sua força é como uma pedra bruta. E nós vamos lapidá-la. Aqui, onde ninguém pode se ferir.

- Não tenho tempo para isso, Noah está no inferno e....

-Noah está vivo e seguro.

- Como é? – A ansiedade tomou meu corpo.

- Azazel conseguiu tirá-lo das torturas, agora ele está em uma jaula. Isso nos dá tempo.

- Não é uma boa noticia se é o que pensa. Mas pelo menos ele não morreu.. – Agradeci secretamente nas entrelinhas da afirmação.

Caminhamos por pelo menos uma hora até chegarmos a um campo aberto. Anael estava determinada e concentrada em sua tarefa de me transformar em uma máquina de matar arcanjos, enquanto tudo que eu desejava era voltar ao mundo real e salvar Noah da tormenta.

- Antes de qualquer coisa, preciso que você esqueça Lúcifer. Esqueça sobre ser filha dele, isso não é sobre ele. É sobre você.

- Tudo bem. – Concordei.

- Os poderes de um Nephilim podem variar de acordo com seus genes. Cada Nephilim desenvolve uma ou mais habilidades.

- Conheceu outros Nephilins?

- Muitos outros, alguns eram arrogantes devido a natureza humana, mas também houveram melhores. – Anael pareceu flutuar rapidamente no passado antes de voltar seu olhar cortante a mim. – No momento, você é a mais forte dentre todos. Mas ainda não sabe disso.

- Eu quase matei Crowley.

- Quase, não é suficiente. – Anael era uma mulher graciosa, mas não me deixei enganar pelo seu charme, todos a minha volta queria alguma coisa, mas desta vez eu que precisava de algo dela. Seus ensinamentos.

- Corra. O mais longe e o mais rápido que puder. – Ordenou.

Sem hesitar disparei floresta a dentro, o ar era leve, eu não sentia cansaço somente determinação, tudo ficou mais lento a minha volta, poderia reparar cada detalhe cada aroma e som da floresta, galhos se quebrando com os impulsos dos meus pés. Quando finalmente parei estava em um semi-circulo de árvores grossas e muito velhas, sentia que eram as anciãs do lugar.

- Parabéns. – A voz de Anael me assustou.

- Jesus!

- Não me compare a aquele bom samaritano falso. – Anael revirou os olhos.

- E agora?

- Percebe o quão rápida pode ser? Mas isso é só um detalhe, o que realmente deve entender é que o tempo é relativo a ações, e as emoções... – Anael tocou a árvore velha. – Sentimentos nos deixam fracos, nos deixam lentos para a ação pensamos demais no que fazer, ao invés de só fazer. Você pode ser rápida Catherine, mas para isso preciso que abandone sua parte humana.

- Isso é impossível!

- Acha mesmo?

No fundo Anael tinha razão, era mais possível do que há algum tempo eu poderia imaginar. Eu não tinha mais nada a perder, a não ser, Noah. E era nele em quem eu pensaria durante todo o treinamento.

- O seu poder vem de dentro de você, mas de um lugar muito sombrio, afinal você é filha do maior vilão de todos os tempos. Use isso a seu favor. Quero que feche os olhos e sinta cada átomo do seu corpo ferver, sinta o poder angelical adormecido em você despertar Catherine.

Enquanto Anael falava, eu procurava manter os olhos fechados e me concentrar em suas instruções, eu estava tentando com todas as minhas forças sentir o tal poder angelical, mas depois de um longo tempo nada aconteceu. Bufei abrindo os olhos.

- Esse seu mantra ou sei lá não está funcionando.

- Não está se concentrando o suficiente. Quero que corra mais e mais até sentir seus pés queimarem.

- Mas... – Sem mais Catherine, isso não é uma brincadeira, existem vidas em jogo.

- Sejamos sinceras, você não está nem aí pros humanos.

- É verdade, não estou. Mas, sem eles, sobre quem cairá a ira de Deus? – Anael cerrou os punhos e pode sentir as unhas rasgando-lhe a palma da mão. – Nós fomos sua primeira criação, não vocês. Nós que lutamos e morremos pelos seres humanos, nós travamos batalhas que eles são fracos demais para ganhar. Então é, eu não to nem aí, mas preciso que todos sobrevivam a esse maldito plano de Lúcifer. – Anael respirou fundo. – Corra.

- Esse lugar é um tédio. – Afirmei.

- Está bem. Vamos melhorar isso.

De repente um grunhido e um rosnado tomaram o lugar, foi tão alto que meu coração errou uma batida.

- O que foi isso?

- Isso é sua motivação. Agora Corra Catherine.

Pude sentir a criatura invocada por Anael se aproximar, sua sombra chacoalhava as árvores, não esperei para ver seu rosto. Corri o mais rápido que conseguia, mas a criatura era igualmente veloz. Não sabia quanto tempo ainda ia aguentar fugir da coisa assombrada que me perseguia. 

A Filha Do ArcanjoOnde histórias criam vida. Descubra agora