A Filha Do Arcanjo

Estou em casa, mamãe

Durante as três longas horas na estrada permaneci em silêncio, na minha cabeça as imagens de Noah flutuavam, o toque dele quando estávamos na cama, em como ele me olhou e foi sincero ao dizer que não se importava com o que eu era, o sorriso doce. A forma como ele reagia a seres sobrenaturais. Cada detalhe fazia parte dele, e agora...ele está sabe lá onde, nas mãos de um monstro. 

- Catherine... - Mika me cutucou. Tirei os fones de ouvido. - No que está pensando? 

- Em tudo. 

- Sabe para onde estamos indo, não sabe? - Ela me olhou de relance. - Tem certeza que quer voltar lá?

- Tenho. 

- Por que? Por que agora?

Respirei fundo e olhei a estrada, estava quase deserta e uma neblina pairava por ali. 

- Tem uma coisa na casa. Uma coisa da minha mãe. 

- Qualquer coisa que estivesse lá deve ter queimado na explosão. 

- É foi o que eu pensei durante muitos anos, mas, agora que sei que tudo é real. Há uma chance. 

- E o que é? 

- Apenas...confie em mim, Mika. Pode fazer isso? 

Ela me olhou carinhosamente e ao mesmo tempo com uma preocupação contida. 

- Claro que confio querida. 

Seguimos por mais uma hora. E finalmente vimos a placa "Você está em Greenwich". Descemos a estrada e a cidade se ergueu, prédios de tamanho médio, com a maioria das casas ainda sendo em terra firme. Nada mudou. Pensei ao passarmos pelo centro. Viramos em mais três esquinas e seguimos por uma rua larga até o final. Quando estávamos mais próximas da minha antiga casa, uma surpresa me tomou. Não havia destroços, os restos de parede sustentados pelo tempo. No lugar, tinha uma casa branca e azul com flores nas janelas e três degraus para uma varanda pequena. Olhei para Mika que respondeu com um olhar tão perdido quanto o meu. Saímos do carro e fomos até a porta. 

- Não acho uma boa ideia. - Mika estava nervosa. - O que vai falar pra esses humanos? Oi eu sou a filha do Satã, preciso pegar uma coisa na sua casa pra salvar meu namorado que provavelmente está no inferno. 

Revirei os olhos. 

- Credo Mika, eu não sou tão tapada. 

Bati na porta três vezes. Ninguém atendeu. 

- Certo, não tem ninguém, vamos tentar outro plano. - Mika já estava descendo os degraus da varanda, quando a porta rangeu. 

Eu fiquei ali parada em puro estado de choque, a mulher que apareceu, ela era... 

- Emma? - Mika ficou pálida ao voltar para o meu lado. - É você mesmo. 

- Mika Hills, há quanto tempo minha amiga. - Os olhos de Mika marejaram, ela correu para abraçar a melhor amiga. 

- Mas, como? Onde esteve? O que aconteceu? 

- Entrem...eu vou explicar tudo. 

Minha garganta doía, as lembranças daquela noite me assombravam com tanta força, eu mal conseguia olhá-la nos olhos. Nós entramos. A casa era perfeita, com livros, mesa de jantar, tudo como eu me lembrava quando era criança. 

- Eu...não entendo...como conseguiu a casa de volta? - Mika estava sorridente e cega de felicidade. 

- Logo depois do incêndio eu consegui reaver a casa. Não foi tão difícil. - Emma deu de ombros. - Querem chá? 

Emma entrou para a cozinha, estava contente e não havia sombras de remorso nos olhos dela, ela mal tinha me notado. Cerrei os punhos, não é possível que ela seja tão dissimulada a esse ponto. 

- Se não foi tão difícil, por que não me procurou? - Disparei. 

Ela calmamente começou a colocar o chá na xícara. 

- Achei que estaria melhor sem mim querida. Depois de toda aquela confusão com seu pai, eu não tive coragem de olhá-la nos olhos. 

- Mas teve coragem para dar as costas para mim quando Lúcifer a visitou aquela noite? 

- Eu queria uma vida normal para você. Uma vida sem monstros. - Emma suspirou sentando-se no sofá, usava um vestido florido, com tulipas azuis. 

- Como pode fazer isso comigo! Como pôde me deixar em um sistema de adoção sendo motivo de chacota, eles me chamavam de aberração! Tudo pelo que? Pra brincar de festinha do chá? Qual o seu problema? - Eu gritava em meio aos soluços do meu choro. 

- Não grite comigo mocinha! Ainda é minha filha. 

- E você por acaso se importa? Nunca se importou!! 

- Ei Catherine, tenho certeza que tem uma boa explicação para o que Emma fez. 

Emma tomou mais um gole de chá, tinha um sorriso estranho no rosto. 

- Quer saber a explicação querida Catherine? Bem, eu não queria ter tido você, abominação, filha do diabo, eu tentei matá-la quando era um bebê fedorento. - Ela ainda mantinha o sorriso no rosto, desamarrotando o vestido e se colocando de pé. - Mas, seu pai é...bastante protetor. 

- Mika, tem alguma coisa errada. - As lágrimas não paravam de queimar meu rosto inchado e amargurado, mas eu soube naquele instante. Não era minha mãe. 

A bruxa se levantou e se colocou na minha frente, os olhos brilhando violeta. 

- Quem é você? 

- Sou a Emma, é claro...ou será que não. - Ela sorriu ainda mais, e seus olhos ficaram completamente pretos. Demônio. 

A casa tremeu como se um terremoto tivesse chegado, as paredes começaram a descascar, a ruir e se despedaçar. O chão rachou e o teto veio ao chão, eu e Mika corremos a tempo dos destroços não caírem nas nossas cabeças, tudo agora era fumaça, fogo e ruína. Parecia o novo apocalipse só que, apenas no meu mundo. A figura com o rosto da minha mãe se transmutou e quando vi o olhar sarcástico e assustador, eu soube. 

- Crowley. 

- Olá outra vez querida, acho que você foi bem mal educada da última vez.

- Cadê o Noah!!! 

- Ah, o humano? - Ele pareceu pensar de forma teatral. - Está, como posso dizer sem machucar seus sentimentos...na verdade eu não me importo. - Deu de ombros. - Neste exato momento, ele deve estar pendurado em alguma das prisões do inferno sendo torturado pessoalmente por Lúcifer. Sabe, ele é bem criativo quando se trata de tortura. 

- Maldito!!! - Meus olhos ficaram brilhantes, novamente podia sentir a vibração correr meu corpo, era o poder fervendo nas minhas veias. 

- Cath, é uma armadilha. - Mika segurou meu punho. - Não. - Sussurrou. 

Reconsiderei, ela estava certa. Contive a fúria que predominava e o olhei. 

- O que você quer? 

- Nada demais. Eu quero, suas habilidades. 

- Por que? 

- Para matar Lúcifer.