Capítulo 34 - De volta a casa

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− Eu nem acredito que isto está acontecendo – declarou Big Ben, tentando ao máximo conter as lágrimas.

− Menos drama! – cortou o amigo. Os papéis pareciam se ter invertido e quem estava no controlo de suas emoções era estranhamente Lumière. – Ainda vais chamar a atenção dos vizinhos.

Liberty olhou para os dois lados da rua e ficou feliz por não ver ninguém. Era hora de expediente, os adultos estariam certamente no trabalho e as crianças nas aulas. Os únicos que não estavam nem numa, nem noutra situação, eram as pessoas que se haviam amontoado junto ao portão da mansão da família real.

Elroy tinha acertado em cheio quando referiu que o povo não dificultaria a saída do carro negro assim que soubesse que era a selecionada que estava lá dentro. Gritos de euforia substituíram a palavra de revolta emitida inúmeras vezes ao longo das últimas horas, que coincidia com o nome da moça.

− Nós a viemos buscar, pensando que seria para sempre integrante da mansão, e agora, novamente, somos nós que a voltamos a entregar – refletiu o mordomo, com o nariz a fungar. Ele tinha se afeiçoado à jovem.

− Mas isto não tem que ser uma despedida – informou Liberty, afagando o ombro curvado de Big Ben com a mão livre. Com a outra mão, ela segurava na pequena bolsa com os seus pertences. – Podem me vir visitar sempre que quiserem.

Os dois criados expiraram desanimados. Eles, tal como todos os outros criados, raramente saiam da mansão. Eram prisioneiros tal como o príncipe. A selecionada se recordou da despedida emocionante na cozinha com o restante da criadagem. Tinha-lhe sido especialmente difícil o abraço forte com Madame Potts, que ainda que em pouco tempo de convivência, fizera-a sentir que recebia um amor que se assemelhava ao materno, algo que sempre lhe faltou desde a morte da mãe. Ao pegar em Jesper ao colo, de seguida, as lágrimas só multiplicaram. Nunca que ela poderia ter adivinhado que criaria tantos laços e tão fortes em menos de um mês e ainda debaixo do teto da família real.

− Para nós, você será sempre a futura princesa – garantiu Lumière com um sorriso nostálgico pregado no rosto delgado. – Venha a garota que vier, não existirá nenhuma que chegue sequer aos pés da mademoiselle.

Liberty olhou no fundo dos olhos cavados do criado, que não havia conseguido pregar olho naquela noite atribulada. Ela se sentia honrada por a terem em tão alta consideração, mas também ainda não havia parado para pensar que ia ser substituída. Que uma outra mulher seria levada para a mansão com o intuito de casar com o homem que fazia o coração de Liberty bater mais forte.

O mordomo balançou energicamente a cabeça do lado de Lumière. Mas não para discordar. Ele não poderia estar mais de acordo, algo que seria certamente uma raridade. Parecia que a jovem era especialista em fazer pequenos milagres.

− O mestre mudou. – O criado continuou o raciocínio. − Ele se tornou num homem melhor graças a você.

− Eu não fiz nada demais. Acho que talvez tenha apenas ajudado a afastar as nuvens cinzentas e escuras que tapavam o seu luminoso e calejado coração.

Os dois homens anuíram. Aquela parecia uma excelente representação do efeito da selecionada na vida do príncipe.

Num longo abraço, os três se despediram e sussurraram um "até um dia" pouco confiante. O carro seguiu lentamente, quase parado, resistente em se afastar daquela rua, onde era deixada para trás a mulher que poderia fazer o príncipe verdadeiramente feliz.

Se as despedidas deixaram um calor no coração da jovem, por ver que poderia, sim, ser amada, a receção que teve quando entrou em casa deixou bastante a desejar. Na verdade, ela julgava que, por aquela altura, a casa estaria vazia, mas não poderia estar mais errada.

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