Capítulo 26 - Baile no horizonte

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O treinamento já durava há uma semana. Uma semana inteira extremamente cansativa e, de forma geral, enfadonha. Claro que as aulas com Big Ben e Lumière sempre davam espaço para uma risada ou outra, não que os professores o fizessem intencionalmente. Eles eram naturalmente engraçados, não forçavam nada, e, na maioria das vezes, nem se apercebiam das próprias piadas. E ela até já tinha a sua aula predileta. Por mais estranho que fosse, eram as lições de dança com Lumière. Já tinham tido três, até agora, e o professor reconhecera-lhe de imediato um talento inato para se mover com graciosidade em danças clássicas, especialmente na valsa vienense.

O seu desempenho não era tão exemplar assim nas restantes aulas, mas ela era esforçada e a sua facilidade para aprender coisas novas ajudava-a a adaptar-se mais rapidamente, apesar da intensa carga horária.

− Mais uma vez – instruiu Nicolette do alto da sua postura pomposa. − Do início.

Liberty revirou os olhos e voltou à posição inicial. Era a décima vez que repetia aquele estranho ritual. Respirou fundo, ergueu a cabeça e endireitou o mais possível a coluna. Os ombros graciosos expostos pelo vestido fresco de verão que trajava, nada adequado à ocasião social que ensaiavam há quase uma hora.

Pé ante pé, a moça avançou com uma suavidade invejável, ela parecia mais leve do que uma pena. A criada acenou satisfeita com as melhoras significativas. Na verdade, todos sabiam que a selecionada já trazia, em si, modos e gestos que relembravam, por vezes, os de uma verdadeira princesa, como se esta tivesse nascido para ocupar tal função. Talvez tivesse nascido mesmo para isso. No entanto, depois de algumas pequenas correções e conselhos de Nicolette Armoire, já não poderia haver quem olhasse para a jovem e duvidasse do seu lugar naquela mansão.

Parando em frente da criada, Libby olhou para o chão e curvou-se numa vénia demorada.

− Como tem passado, sua majestade? – O tom que usou foi seguro e doce, simultaneamente, e a criada sorriu impressionada. Liberty até pestanejava timidamente tal como fora instruída.

Se madame Armoire soubesse que a moça se roía por dentro por todos aqueles modos falsos que a obrigavam a aprender e que nada tinham a ver com ela, a criada talvez perdesse, de imediato, o entusiasmo por aquilo que pensava ser um milagre. Liberty sabia, como ninguém, fazer-se passar por alguém que não era, ela tinha usado essa sua faceta em todos os testes para a seleção. Em todos eles, ela contrariara os seus instintos e deixara de dar respostas óbvias que lhe assomavam à mente, passando a imagem de uma criança amedrontada e controlada por nervos, que não existiam realmente.

Poderia dizer-se que ela era dissimulada, talvez o fosse. Porém, era uma mera questão de sobrevivência. Uma capa que colocava sempre que tinha de se proteger da vida.

Fingir que era uma outra pessoa era o que mais a repudiava vivendo debaixo daquela redoma. A sua naturalidade e espontaneidade sufocadas, comprimidas em variadas ocasiões. Mas todos, naquela mansão, já tinham compreendido que pouco ou quase nada assustava verdadeiramente a jovem. E ela diria mesmo tudo o que pensava ou sentia, sem reservas, até conseguir enxergar um limite palpável que a travasse. Claro que ela faria um esforço para colocar em prática tudo aquilo que vinha a aprender, nos últimos dias, durante o baile real. Ela queria fazer boa figura e, quem sabe, impressionar um certo príncipe. Claro que, somente, para mostrar que era capaz.

Uma batida seca na porta travou o elogio que a professora estava prestes a dirigir à aluna.

Nicolette agitou a cabeça na direção da porta, incentivando Liberty a colocar em prática as lições de etiqueta.

− Pode entrar – falou numa voz muito bem colocada, depois de se endireitar para a porta. A criada sorriu mais uma vez com o desempenho irrepreensível.

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