Caminhando de um lado para o outro no quarto, Liberty não se conseguia decidir. Uma parte dela clamava para que fosse visitar o príncipe naquela manhã. Dizia para si mesma que não era pela companhia surpreendentemente agradável do futuro monarca, mas antes pela leitura do livro que havia ficado apenas a meio. E, além do mais, ela era uma pessoa zelosa, que ansiava pela rápida recuperação de Elroy. Porém, uma outra parte dela fincava-lhe os pés naquele quarto, alertando-a para a perigosidade do caráter instável do príncipe. Para além de que ela não queria, de modo algum, passar uma mensagem errada.
O desjejum daquele dia foi-lhe servido no quarto, tal como todas as suas últimas refeições desde aquele desconfortável almoço em família. Ela não estava com disposição para enfrentar novamente o rei, ainda para mais na ausência de Elroy, que fora o único capaz de a proteger quando o monarca a humilhara. E, por muito que lhe apetecesse ir à cozinha para tentar saber de alguma novidade sobre o estado de saúde do príncipe, ela achava que seria mais seguro permanecer no quarto, não correndo o risco de esbarrar com o temível Keandre Morfrant.
Alguém bateu à porta, enquanto Liberty continuava a ponderar incessantemente sobre o assunto. O coração acelerou-se-lhe no peito ao pensar na remota possibilidade de ser o rei.
− Entre – anunciou a jovem sem medo. De certo, é um dos criados, o rei nunca perderia o seu tempo e a sua dignidade procurando por mim, pensou convicta.
De imediato, a porta obedeceu ao seu comando e do outro lado surgiu o príncipe. As mãos atrás das costas agarravam-se uma à outra tentando incutir a coragem que lhe começava a fugir.
− O que está aqui a fazer? – questionou Liberty de olhos arregalados. − Não deveria de estar em repouso?
− Eu sinto-me melhor do que nunca – assegurou Elroy ao erguer os ombros, a sua postura recomposta numa força fingida. No seu rosto, um meio sorriso impôs-se ao perceber que a reação não foi aquela que receava receber. Ao invés da jovem se alarmar com a presença dele por não ser apropriado ou não desejar a sua companhia, ela parecia apenas preocupada com a sua saúde. – Vim fazer uma proposta.
− Uma proposta – repetiu Liberty cruzando os braços à frente do peito. – Que tipo de proposta?
− Do tipo irrecusável − comentou ao encostar descontraidamente o ombro sobre a parede que ladeava a abertura deixada pela porta totalmente aberta. − Quero levar você a conhecer o melhor espaço interior desta mansão.
− E o que o faz pensar que eu estaria interessada nessa proposta? – disparou fingindo-se indiferente.
O sorriso de Elroy alastrou-se de tal forma que lhe chegou aos olhos.
− Eu sei que você é curiosa. Além do mais, eu posso garantir que você não se irá arrepender.
Os olhos de Liberty pestanejaram assoberbados pelo cenário inacreditável que se estendia à sua frente. O espaço amplo em que se encontrava era um labirinto de estantes que unia o teto ao chão. A madeira maciça dos móveis era ladeada por detalhes curvilíneos em prata que se cruzavam num padrão abstrato. Escadotes largos igualmente de prata espalhavam-se pelas estantes para permitir aos usuários chegarem aos livros do topo. As janelas surgiam nos espaços em branco entre as estantes, do mesmo comprimento que elas, e deixavam entrar os feixes de luz que incidiam sobre as cores vibrantes das infindáveis lombadas. A luz natural do exterior competia com dois enormes focos de luz donde aparentava cair uma chuva de prata suspensa no ar, com os cristais a refletir a luz em todas as direções. Num dos cantos da sala, encontravam-se dois grandes cadeirões voltados para uma vista do descampado verdejante que rodeava as muralhas da mansão.
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A Bela Redoma
Ciencia Ficción🏆 Obra vencedora do prêmio Wattys 2020 🏆 Cem anos depois da última grande guerra, que tornou a vida na Terra insustentável, uma redoma foi construída numa província de França para proteger a humanidade restante dos perigos da atmosfera contaminada...