Capítulo 36 - Um sonho é só um sonho

1.2K 258 96
                                    

Liberty andava de um lado para o outro na casa. Ela não entendia como poderia ter perdido o tablet. Ponderara ter sido Éliane a tirar o objeto da bolsa. Mas com que intuito? Ela nem sabia para que servia.

O mais certo é tê-lo deixado cair dentro do carro, concluiu, olhando mais uma vez para dentro da bolsa. Porém, o objeto não apareceu por magia.

Ela pegou no globo e o levou com ela, fechando a porta do quarto atrás de si, onde dormia a sua pequena família. A exaustão emocional era tremenda e isso explicava estarem dormindo tão cedo. Na verdade, desde que a jovem regressara a casa, no início da tarde, que o pai e a irmã mais nova se mantinham a dormir. A noite anterior tinha sido agitada pelo conhecimento de que Liberty tinha sido presa. E, até então, os dois se mantinham perdidos no obscuro desconhecimento de que a primogénita voltara.

Sentada no sofá, a garota se limitou a olhar para o pássaro de asas abertas, mas tudo o que conseguiu ver era ELE. Os seus olhos cinzas, os cabelos negros, as mãos grandes e gentis. Aquele homem tinha conseguido marcá-la de uma forma que ela nunca imaginara sequer ser possível. Tudo o que ela sempre quisera era ganhar asas e voar para longe dali, conhecer o mundo para lá da redoma. Por muito impossível que fosse, esse era o seu sonho. E com esse sonho irreal ela conseguia lidar muito bem. Agora com os sentimentos quase palpáveis que tentavam ascender à superfície a cada nova oportunidade, por mais inusitada que fosse, ela não sabia lidar.

Se sentia sozinha no silêncio incômodo da casa que já não via como sua. Talvez nunca tivesse sido sua. Ela se limitara a sobreviver ali dentro, a cuidar dos outros, sempre dos outros, sem nunca olhar para dentro de si mesma. Libby preferia olhar para o horizonte ou para o céu, para um local qualquer distante dali. Se antes tal, para ela, era um desafio, uma busca por crescimento, depois da morte da mãe se tornou apenas em uma forma de escape da realidade.

Batidas sucessivas na porta a sobressaltaram. A pequena redoma escorregou-lhe das mãos e caiu aos seus pés, se estilhaçando em mil pedaços. A pomba branca finalmente liberta, mas nem por isso voou para longe. Se deixou ficar ali, inerte e deitada no chão. O coração doeu-lhe no peito. Se aquilo fosse um presságio, não seria certamente dos bons. Estava mais para uma tragédia do que para um milagre.

Novos baques surdos na porta a acordaram do transe em que se encontrava. Quem quer que fosse que estivesse lá fora, não parecia tentado a desistir.

Liberty abriu a porta, um pouco temerosa por uma visita inesperada durante aquelas horas da noite, e Emmanuelle se apressou a entrar na casa da vizinha como se fosse um furacão. Sem qualquer espaço para cumprimentos, a intrusa foi logo direta ao ponto, antes que tudo só piorasse.

− O príncipe e a família estão em perigo, só você os pode salvar.

Alarmada, Libby fechou a porta, pensando na eventualidade de a vizinha estar a ser perseguida, tal era seu estado afogueado.

− Explica isso melhor.

− Gaston é republicano! – bramou em resposta. Liberty arregalou os olhos com aquela informação repentina. − E ele está determinado em acabar com a monarquia. Ele e outros homens estilhaçaram as cadeiras do bar e saíram com longos pedaços de metal como armas. Vão passar por todas as aldeias e outros se juntarão a eles, tenho a certeza, depois do discurso inflamado que Gaston fez na televisão.

− Na televisão? – questionou atordoada. No meio de tudo o que a garçonete tinha dito, aquele não era propriamente o ponto mais relevante. Mas a garota não estava a conseguir processar aquela história mirabolante. Era mais fácil seguir pelo caminho do ceticismo, acreditar que a vizinha estava a inventar tudo aquilo com algum propósito torto que ela desconhecia.

A Bela RedomaOnde histórias criam vida. Descubra agora