Capítulo 24 - Confidências

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− Têm que admitir que é estranho – realçava Lumière sentado à cabeceira da mesa da cozinha, com Babette ao seu colo.

Big Ben, sentado ao lado do amigo, olhava para os dedos como se estivesse perdido nas contas complexas que executava mentalmente.

− Já se passaram 8 dias desde a seleção – falou Nicolette Armoire pensativamente.

O mordomo encarou-a de cara trancada ao perceber que a criada e modista da família real fizera as contas muito mais rápido que ele. No entanto, o sorriso que ela lhe lançou fê-lo sentir-se amolecer.

− Talvez estejam a dar-lhe tempo para se adaptar – concluiu Madame Potts, não dando importância ao problema levantado por Lumière. Ela remexia o tacho com afinco, preparando a sobremesa para o dia seguinte.

− Não me recordo de terem feito o mesmo com a rainha Florianne – comentou Big Ben fazendo uso da sua memória prodigiosa. Ele era apenas uma criança na altura, mas acompanhou de perto todo o processo da seleção. Para o empregado, uma aprendizagem como outra qualquer. Era importante que ele, como futuro mordomo, soubesse como agir numa próxima seleção.

− O caso de Liberty é diferente – declarou a cozinheira agitando a colher de pau na direção da mesa. Algumas gotas de geléia de groselha verteram no chão.

− O fato de ela ser difícil só deveria fazer com que o treino fosse um assunto ainda mais premente. – Os três criados à mesa balançaram a cabeça simultaneamente de forma afirmativa, incentivando Lumière a continuar o raciocínio. − A garota é teimosa, mas não me parece um caso perdido. Ela é bastante curiosa e educada, preenche os requisitos básicos necessários para obter sucesso no treinamento.

Todos os presentes à mesa voltaram a menear a cabeça em concordância, já Madame Potts virou-se de novo para o fogão, desistindo daquela discussão sem sentido. Os criados não deveriam de comentar a vida dos patrões, pensou mergulhando a colher de pau no tacho fundo.

− Pois, coitada... − Foi Babette quem interrompeu o silêncio que se havia instalado na cozinha. A sua pequena e sedutora mão afagava a perna do namorado que se remexia nervosamente debaixo de si. − Ela anda por aí a deambular de um lado para o outro. Coitada, − voltou a criada a repetir, − se não fosse a biblioteca, morreria de tédio. – A perna de Lumière imobilizou-se, por fim, e a namorada não sabia se tinham sido as suas palavras a surtir tal efeito, ou o seu toque relaxante.

− O baile aproxima-se. Será que ele quer que ela faça má figura?

− Ele quem? O príncipe? – questionou Big Ben sem conseguir acompanhar os pensamentos conspiratórios do amigo.

Madame Potts e Lumière suspiraram simultaneamente. A cozinheira por achar ridícula a insinuação de que o seu menino se queria ver livre da jovem encantadora. O criado a ponto de exasperação, por nunca ninguém entender o que ele falava. Primeiro Elroy, agora Big Ben!, pensou Lumière inspirando profundamente antes de explicitar o que para ele já era óbvio.

− O rei. – O criado fez um esforço tremendo para sussurrar a resposta. Ele temia que as paredes tivessem ouvidos, mais-valia jogar pelo seguro.

− Com que intuito? – Nicolette debruçara-se sobre a mesa empolgando-se com o rumo da conversa. A sua voz saíra no mesmo tom conspiratório usado por Lumière.

Aquela discussão começava a revelar-se mil vezes mais interessante do que os mexericos trocados com os guardas, os únicos que tinham permissão para se ausentar da mansão para as suas rondas diárias pelas aldeias. Não que fosse algo assim tão extraordinário, afinal de contas a melhor fofoca que tinha chegado aos ouvidos de Madame Armoire, até então, era a de um homem urinando nas próprias calças quando interpelado por um guarda que apenas queria saber as horas.

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