− Entre – proferiu a voz de Elroy, denunciado o seu súbito mau-humor.
Lumière ponderou se, de fato, deveria entrar no quarto com o seu mestre naquele estado. Inspirou profundamente pelo nariz pontiagudo e libertou o ar lentamente pela boca, antes de abrir a porta.
O príncipe virava página atrás de página, sem se deter em nenhuma por mais do que um segundo, inclinado sobre a sua secretária. Mesmo quando a porta embateu com força atrás do criado, ele manteve-se firme naquela tarefa questionavelmente produtiva.
− Porque não foi receber a princesa? – questionou o servo balançando os braços para o teto, nada satisfeito com a atitude negligente de Elroy.
− Boa tarde, Lumière. – Arreganhou os dentes para o criado encostado à porta de seu quarto. O homem delgado encolheu-se no lugar.
− Peço desculpa pela indelicadeza, mestre. – Curvou-se numa vénia pomposa. O príncipe revirou os olhos e entregou-se aos papéis, que já começavam a transformar a sua cabeça em água. Lumière decidiu tentar mais uma vez, – Mas o senhor tem que a ver. Ela é ainda mais bela ao vivo.
− Quem disse que eu ainda não a vi – grunhiu ao amolgar uma das folhas entre as suas enormes mãos. Ele lançava o branco da página de mão em mão, formando uma bola disforme.
− Viu?! – O criado encarou-o boquiaberto, seguindo a forma irregular que passava de um lado para o outro. – Então suponho que tenha ficado impressionado pela beleza da moça.
− Fiquei impressionado com o tamanho da boca da moça, isso sim – gritou ao espalmar a bola entre as mãos. Lumière imaginou a sua cabeça no lugar daquela inocente página branca e engoliu em seco.
− Não me diga que o relacionamento já avançou assim tanto – comentou intrigado. O seu mestre estava furioso por causa de um beijo?, o pensamento mais óbvio aflorou-lhe à mente, Talvez a moça fosse mais atiradiça do que aparentava. Suspirou ao recordar-se da sua doce Babette. Tinha sido ela a ter a iniciativa do primeiro beijo dos dois pombinhos.
− O quê? – O futuro monarca rodou 180º na cadeira giratória.
Lumière dava beijos no ar de olhos fechados e com as mãos entrelaçadas junto ao rosto. Os olhos de Elroy afunilaram-se com a piada de mau gosto. A bola de papel, já bem condensada, foi arremetida contra o criado.
− Ei! – reclamou ao sentir o embate no seu corpo delgado. A testa franzida de seu mestre apanhou-o desprevenido ao abrir os olhos. Os braços caíram inertes ao lado do corpo. – Então o que foi que aconteceu? – questionou sentindo-se a criatura menos astuta a viver debaixo da redoma.
− Digamos que ela não é propriamente minha fã.
− Oh, isso.
− Como assim, isso? − A cadeira andou uns centímetros para a frente, quando o homem debruçou o corpo musculado na direção do criado. − Ela falou sobre mim, Lumière?
− Ela vai acostumar-se à ideia, mestre – referiu em resposta, não querendo magoar ainda mais o ego inchado do seu patrão. − Vocês vão entender-se.
− Eu duvido – anunciou ao cruzar os braços fortes sobre o peito. – Ela não é nada daquilo que eu imaginei que seria!
− Só porque a mademoiselle tem opinião própria e não tem medo de a partilhar?
− Não. Bom... Sim. Isso é mais do que suficiente.
− E que tal levá-la a jantar? – sugeriu Lumière ao acercar-se de Elroy. Os seus passos pareciam ter a força hipnótica de acalmar o seu mestre. – Nenhuma jovem resiste a um bom jantar à luz das velas.
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A Bela Redoma
Ciencia Ficción🏆 Obra vencedora do prêmio Wattys 2020 🏆 Cem anos depois da última grande guerra, que tornou a vida na Terra insustentável, uma redoma foi construída numa província de França para proteger a humanidade restante dos perigos da atmosfera contaminada...