Capítulo 31 - A cela

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− Me tirem daqui! – gritou Liberty, tentando, inutilmente, agitar as firmes grades à sua frente. Não eram de prata. Ali, nas profundezas da mansão, não havia vestígio desse material que impregnava todo o resto da casa. – Por favor – acrescentou num tom de voz mais controlado. Os dois guardas, ao fundo do corredor, continuaram a tagarelar entre si.

A expressão da selecionada, emoldurada por duas barras metálicas, era de absoluto pânico. O frio do metal apenas a relembrava da ausência do calor do sol na sua pele. Aquele era o pior castigo possível para ela. Poderiam tirar-lhe as mãos, os pés, a língua, mas nada a deitaria tão abaixo como a privação de sua liberdade. Talvez o rei já a conhecesse melhor do que ela pensava. A jogada do monarca tinha sido, aparentemente, genial. Mas não seria certamente checkmate. Não ainda.

− Me tirem daqui! – voltou a repetir pela enésima vez, com a voz já a indicar sinais de desgaste.

− Não vale a pena – sussurrou Charlotte, que se encontrava sentada no fundo da cela. – Eles estão a cumprir ordens. Não vão sequer aproximar-se de nós, muito provavelmente.

Libby olhou para trás, por fim, atenta à sua companheira de quarto. Se é que aquele espaço desprovido de móveis, assim se poderia designar. Não era certamente muito acolhedor. A pouca luz existente permitiu-lhe ver os contornos da moça e pouco mais. No entanto, a selecionada lembrava-se bem do rosto de Charlotte. Uma face bastante familiar que a fazia recordar-se de casa. Em criança, antes da mãe de Liberty morrer, elas tinham sido amigas. Sendo Gérard Beaumont e Claude Dubois amigos, em tempos, era natural que a filha de um e sobrinha da outra também o fossem. Mas a vida encarregara-se de as separar, e, uns meses depois, Emmanuelle acabou por preencher o espaço vazio deixado por Libby.

− É por minha culpa que estamos as duas aqui – comentou Liberty cabisbaixa. As mãos caíram-lhe e balançaram impotentes no ar. – Eu deveria ter ficado calada.

− Se alguém aqui tem alguma culpa, sou eu. – Charlotte começou a fazer um desenho arbitrário com o dedo no vestido enrugado e todo amassado. O padrão sem sentido fazia-a sentir-se relaxada. Desviava-a dos pensamentos tortuosos que ameaçavam a sua saúde mental. – Gosto de desenhar – falou depois de um longo minuto de silêncio. – Sem mãos, não o poderia voltar a fazer. Obrigada.

− Você arriscou muito ao tentar roubar. – A prometida do príncipe avançou lentamente, como se estivesse a tentar não afugentar a presa. O vestido arrastava-se em torno da garota e já não detinha o brilho de outrora. – Era verdade que você apenas queria agradar teus irmãos?

Charlotte abriu a boca, mas a voz esmoreceu mesmo antes de vibrar no ar. Os seus olhos estavam fixados no antebraço de Liberty. Ela sabia muito bem, ao contrário da selecionada, que aquela conversa estava a ser monitorada por Taupe e, talvez até, por Gaston e Lefou, naquele mesmo momento. Ela tinha de ter cuidado com o que dizia.

− Sim, eles são muito importantes para mim – mentiu, voltando a concentrar-se no desenho invisível inacabado.

A causa era uma filosofia de vida, uma parte de quem ela era. Ser republicana era uma forma de se sentir preenchida, já que os seus desenhos a ninguém interessavam. Para isso, ela teria de continuar aquele jogo na esperança de Gaston ter um outro plano qualquer para salvar as duas. Quer dizer, para salvar Liberty, Charlotte apenas seria salva por arrasto. Mas com o Cavalo de Troia preso, como é que Gaston nos vai conseguir tirar daqui?, alarmou-se Charlotte. A mão dela começou a friccionar velozmente traços desconexos.

− Tenho saudades da minha irmã mais nova – admitiu Liberty, absorta nos movimentos agora mais visíveis da mão da outra. Ela desejou poder ter uma mania qualquer que fosse capaz de sugar toda a sua atenção, como desenhar parecia ter esse efeito em Charlotte. – Agora, nunca mais a vou voltar a ver.

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