capítulo um - 2018

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Os sons de meu despertador tocam logo após eu despertar. Desta vez, os papéis se inverteram; quem teve de lidar com ele foi eu, só para pausar aquele barulho infernal e voltar a paz interior que estava tendo minutos atrás — ou tentando.

Recupero os sentidos. O silêncio me domina. Olho novamente para a janela, os raios de sol surgindo pouco a pouco no horizonte bagunçado da cidade e seu centro. O pico mais alto qual pode-se enxergar fica a algumas quadras, sim, um prédio comercial cujo serve feito um hospital, rodeado de outras lojas e serviços comerciais. Alguns acham irritante morar próximo ao centro da cidade, eu, acho agradável.

Raramente costumo admirar a luz do sol. Frequentemente, ela me faz revidar por conta de minha pele. "Ninguém mandou quase nunca sair de casa, Jinyoung." Pois é, caro amigo, ninguém me mandou.

O relógio marca seis horas. Resolvo descer para preparar meu café, sem abrir minhas cortinas. Sinto que hoje será um dia especial, diferente dos outros. Doce ilusão que permito sentir, só até as queimaduras me alcançarem próximo ao fogão e o óleo da frigideira.

Aproveito de uma refeição solitária de ovos fritos com um café preto, manteiga e sabor. Bom sabor. O sabor caseiro, leve aroma que me recorda o passado. Afasto o pensamento. Aqui, tudo, menos o passado.

Alguém bate a porta, mas não ouso levantar. Se for quem eu espero que seja, não estou sentindo absolutamente nada para me rebelar diante das autoridades.

— Jinyoung? Você está aí? — "Ah, é só o Yugyeom." Penso, dando de ombros. Não foi dessa vez.

— A chave extra está escondida na planta, Yug.— Respondo.

Pelos sons que atravessam a porta, Yugyeom deve estar fazendo exatamente o que instruí. A porta se abre, revelando um rapaz jovem, bonito e cheio de carisma e charme à minha frente, carregando duas pesadas sacolas — obviamente, mantimentos — e com olheiras por baixo dos olhos castanhos.

— Você não tem medo de alguém descobrir que existe uma chave extra?

— Se você não descobriu, quem irá descobrir? — Rebati.

Yugyeom bufa, começando a organizar a comida em seu devido lugar. Apenas o observo. Aparenta ter sono, dores nas costas e indisposição. A que horas ele foi dormir ontem? Três da manhã? E que horas acordou? Cinco? Seria muito pouco tempo para alguém se recuperar de uma ressaca.

— Trouxe biscoitos dessa vez, aqueles sortidos, como você gosta.

— Pode deixar na mesa. Vou comer enquanto vejo televisão.

Yugyeom arqueou uma sobrancelha.

— Você quase nunca assiste tevê.

— Mas só dessa vez, é especial. Você nunca me traz biscoito.

Yugyeom não engoliu essa, e se senta na mesa comigo, fitando cada detalhe meu. Desde minha barba por fazer até os olhos cansados — muito mais cansados que os dele.

— Jinyoung, precisamos conversar.

— Não quero ouvir sermão hoje, por favor. — Implorei. — Acordei cedo, não quero me irritar de novo.

— De novo? Qual foi a última vez que teve sua crise?

— Ontem de noite. — Menti. Eu não tinha crises desde semana passada. Um milagre, digamos. — Foi terrível.

— Entendo. — "Não, você não entende." Retruquei mentalmente. "Porque não é você quem se culpa diariamente, quem carrega essa dor no peito, dor na alma. Quem olha para as pessoas e percebe que logo mais se tornará um fantasma." — Mas, desta vez, não tem escapatória.

Rapidamente pego meu pacote de biscoitos. Eu parecia uma criança teimosa e birrenta. Não vivia sem meus doces e detestava sermões. Depositei minhas esperanças naquele pacote, e tentei ouvir Yugyeom com todo o esforço possível. Ele respirou fundo, e notei outra característica presa em si hoje: ele não estava feliz.

Claro que Yugyeom não era a pessoa mais feliz do mundo se tratando de mim, de cuidar de um cara desleixado e perdido na vida, e sobre a vida dele. Mas ele se esforçava. O admirava por isso. Em ver o mundo de outra maneira. Mais alegre, mas despojado. Yugyeom era a porta da juventude que perdi, os sorrisos que eu tinha curiosidade em saber da onde surgiram, as memórias que o rapaz teria em sua mente. Memórias que, especificamente, não me envolvessem — eu era o lado negro da vida de Yugyeom, assim como todo mundo tem um lado negro.

— Jinyoung, estou preocupado com você. Não tem saído, come só porcarias, não tem feito nada, nem arrumado um emprego. Você tem crises — engoliu a seco — que te fazem... Mal. Cara, por favor, entenda. — Pisquei, parando de devorar os biscoitos. — Você não será essa tristeza para sempre...

"Serei sim," pisquei de novo. Sentia as lágrimas vindo. "Serei até o fim dessa dúvida, essa dúvida que me corrói..."

— ...  Algum dia, você vai ter que melhorar...

Yugyeom sorriu, e jurei por tudo que é sagrado, quase cai da cadeira por conta do susto. Aquilo não era um sorriso. Não o sorriso do meu Yug.

— ... E eu tenho uma amiga que pode te ajudar.

why? ☆ got7Onde histórias criam vida. Descubra agora