capítulo três - 2018

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Eram seis e meia da tarde — ou seria da noite? — quando finalmente cheguei em casa. Sem dar explicação alguma para Yugyeom, que também não me deu explicação alguma sobre ele estar me visitando de noite. Enfim, estávamos quites.

Na verdade, eu havia demorado de propósito. Depois que saí do consultório daquela mulher assustadoramente atraente e misteriosa, senti-me um completo zumbi. Sem vida, sem rumo, apenas sabendo que preciso comer cérebros e que se alguém me matar, eu morro. Mesmo estando morto.

Eu devia ter voltado às quatro horas da tarde. Voltei quase de noite. Fiquei passeando pela cidade, me presenteei com um delicioso milk-shake — porque eu merecia, depois de ter enfrentado o diabo em pessoa — e li um livro na biblioteca pública. Eu não lia há tempos, e me sinto orgulhoso em dizer que terminei o livro inteirinho só naquela tarde.

Era um livro de fantasia. A garotinha tinha seis anos, e havia fugido porque sua fazenda tinha pegado fogo. Quando percebeu onde estava, encontrou uma porta mágica no tronco de uma grossa árvore, e após ingressar ao outro lado, estava no corpo de uma adolescente trajando uma armadura de ferro, e que ela precisava matar um rei cruel e maldito, para salvar a terra encantada.

Poderia ter sido uma completa delícia de momento, se eu não parasse a qualquer momento de comparar a confusão da garota sobre sua verdadeira identidade, com a minha sanidade.

No livro, ela questionava-se se teria se tornado a brava guerreira por um breve instante, ou se tinha virado temporariamente a menininha fazendeira. A quebra de lembranças e pensamentos profundos fazia a mente da personagem principal enlouquecer, e se dependesse um pouco mais, ela talvez nunca conseguisse descobrir. Porque ela poderia ter morrido. O livro — e escritor — deram essa escolha à ela.

E eu, tinha essa escolha? Talvez.

Fiquei me questionando na volta para casa, ao mesmo tempo que via a paisagem urbana se fundir com o escuro noturno. O sol estava para se pôr. Ah, maravilhas da natureza.

Minha identidade me pertencia, eu sabia quem eu era. Eu sabia o que vivia, o que sentia, o que me levantava e o que me deixava para baixo. Pronto. Não tinha alternativas. Mas, e se eu escolhesse mudar alguma coisa? Ainda havia escolha. Dependia tudo de mim. E estranhamente eu não me sentia assustado, apenas mal acostumado. Porque eu sempre fui de deixar as coisas fluirem de acordo com o momento. Isso me assustava demais.

Depois de uma cabeça cheia de pensamentos sobre a existência, me deparo surpreendentemente com um Yugyeom atirado em minha poltrona na sala, e aparentemente, estava bêbado.

Ou aquele cheiro forte de álcool era imaginação minha.

Não falei nada nos primeiros minutos, indo para a cozinha no caso, e bebendo um copo de água. Fiquei fitando o ralo da pia, seu profundo e escuro caminho, o buraco negro inimaginável. Poderia ele ter fim? Ele tinha um começo. Já bastava.

— Como foi a consulta? — Yugyeom perguntou, grogue.

Definitivamente, bêbado.

Era um grande detalhe, e de verdade, um imenso problema. Yugyeom era viciado em beber. Talvez fosse comum sair para festas e dar umas beberras com os amigos às vezes, é bom curtir a vida. Mas Yugyeom fazia aquilo todos os dias e sem companhia nenhuma. O maior detalhe que ele trazia para casa eram garrafas de cervejas, não para mim, mas para quando ele fosse me visitar. Meu problema era com as crises de choro e vagabundagem. Uma combinação perfeita para acompanhar uma dupla de homens solitários aos domingos. Mas em um dia de semana? Era mórbido demais. E não importasse quanto eu reclamasse, Yugyeom traria o troco. "Você com suas crises e eu com a bebida, que tal essa, Jinyoung?" Melhor ficar calado.

Antes, considerei se valia a pena contá-lo todos os detalhes e repetir menos do que a metade quando o dia seguinte chegasse. Dei de ombros, me aproximando do beberrão, sentando no chão da sala.

— Aquela sua amiga, ela dá medo. — Confessei.

Yugyeom riu, balançando a cabeça.

— Foi mais ou menos como eu me senti quando conheci ela. Mas fique tranquilo, amigão, porque de assustadora, Jihyo não tem é nada. Ela é mais mansa que um filhote de cachorro. Deixa seu coração quentinho quando menos se espera.

Arqueei uma sobrancelha.

— Acredito que agindo como uma psicóloga profissional, ela prefira manter essa áurea de intimidadora comigo. Que pena. — Rimos. Encarei seu rosto, virando a cabeça depois. Eu não iria perguntar para ele o porquê de ter me visitado à noite, mas Yugyeom transparecia que precisava desabafar. Não iria negar um pedido de ajuda. — Vamos lá, despeja tudo em cima de mim.

Yugyeom suspirou, e fez exatamente no que eu falei.

Falou sobre o seu trabalho, que a firma não estava conseguindo se manter e havia um burburinho de que iriam começar a despedir logo mais. Falou da faculdade, que estava cada vez mais difícil estudar e manter um emprego para sustentar duas pessoas ao mesmo tempo e em duas casas diferentes, e comentou uma proposta que recebera de um dos professores sobre ir estudar no interior. Mais especificamente, nos Estados Unidos.

— Yug, isso é maravilhoso!

— Não, não é, Jinyoung.

E eu sabia porquê.

No final, depois de confessar-se para mim, Yugyeom levantou, pegou outra garrafa de cerveja, e voltou a conversar comigo. Mais precisamente, apenas mencionou quatro palavras:

— Sinto falta dela, sabe?

Porque ela era o motivo de Yugyeom, provavelmente, negar os estudos nos Estados Unidos, dele estar completamente quebrado e em desespero na bebida. Tudo por conta da morte de Mina, sua ex-namorada.

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