capítulo quatro

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Se era possível previr uma situação dessas em algum momento, a pessoa que deduziu seria um gênio. Em dado acontecimento, tratariam-na como louca, diriam que o caso estava no fim e não havia sequer chances de ser reativado. Isso até meu próprio ego acabar não segurando a barra, e eu me confessar pela primeira vez com alguém. Depois de um surto repentino, em que confiei e relatei cada detalhe árduo de minha vida para uma mulher cujo conhecia há pouco tempo, meu coração traçou um novo caminho e minha mente decidiu seguí-lo. Saindo das rédeas que tanto me controlavam. Se isso era impossível, no que devemos realmente acreditar?

Agora, sentado em uma poltrona de um ônibus de viagem, observando a paisagem do campo, me pego imaginando nessa grande ironia da vida, e as consequências que ela traria daqui a pouco, caso não tivesse já trazido. Eu ali, com o corpo relaxado e sereno, a mente borbulhando e o balanço do veículo causando um leve humor sonolento; mas do lado de fora, eu estava a caminho da escuridão, e o que deixara, também.

Enquanto arrumava minhas roupas na mala e juntava o dinheiro para emergências que Yugyeom economizara, comecei a planejar minha saída e para onde exatamente ela seria. Em qual seria o plano quando eu chegasse, e se funcionaria de acordo com a teoria.

Depois de ler no jornal, as fontes indicavam que as investigações voltaram a circular a partir da cidade natal do falecido — minha cidade. Não era tão dentro do interior, mas com certeza chamava a atenção. E com esse acontecimento do passado que nunca teve um caso final, agora com algumas suspeitas, os jornalistas retornavam os olhos para lá. Por isso acabou parando no jornal da capital, mesmo após tantos anos. Eles queria mídia, precisavam de voluntários para prosseguir nas novas investigações.

É exatamente aí que eu me encaixo.

Feita a negociação da estadia em uma pousada na minha velha cidade e escrito um bilhete à Yugyeom, me dirigi até a estação ferroviária da cidade, abandonando tudo o que me manteve escondido há tempos e fora meu maior refúgio. Foi difícil largar do esconderijo no apartamento para ingressar na cidade onde meus pesadelos começaram e meu medo se aflorou, mas era necessário. Como Jihyo disse, precisava largar o passado para conseguir ter um futuro. E largá-lo onde tinha começado, era o melhor jeito.

As plantações passam voando pela minha vista na janela, como uma mancha esverdeada e ligeira competindo velocidade com o ônibus. O céu está limpo, beirando o horário de uma tarde tranquila, mas estava sem horas para poder me informar. Havia poucas pessoas dentro do veículo; uma mãe com o filho de colo que não fazia tanto barulho — achava surpreendente vindo de uma criança da sua idade —, uma família de chilenos, um idoso, e um casal de mulheres na casa aproximada dos trinta e poucos anos. O motorista, um rapaz jovem e centrado, dirigia sem dificuldade, parecendo ter anos de experiência no volante.

Algo dentro de mim negava isso, e desejava que alguma coisa acontecesse ao ponto de me fazer desistir de voltar à minha cidade natal. Um pneu furado, estrada errada, que ele fosse novato e acabasse fazendo algo que cancelasse a viagem. Mas não foi isso o que aconteceu. Os meus desejos não estavam para serem ouvidos agora.

Na verdade, me sentia mal por desejar que algo ocorre desse tipo. Pensava nas famílias e pessoas acompanhadas, em qual seria seu verdadeiro motivo para querem viajar até uma cidadezinha perto do interior. Negócios? Visitas? Necessidades? Turismo? Ficariam decepcionadas se o pneu furasse? Atrasaria um compromisso? E por aí, até meu coração se encolher tão completamente quanto uma fruta murcha. Não desejava, intencionalmente, algo de mal. Apenas uma forma de afastar a ideia de que eu voltava para minha antiga cidade. E por bons motivos.

Desde pequeno, eu nunca tinha a considerado como meu lar. Mesmo nascido ali, crescido, desenvolvendo grande parte de minha vida, nunca houve este sentimento de pertencimento, de "meu lugar no mundo". Lá, eu me sentia repugnado. Queria distância de tudo e todos. O ar não me descia pelos pulmões, as pessoas pareciam cruéis só pelo olhar, e as lembranças que carregava, eram tão concentradas em situações ruins, que naturalmente trazia uma ideia de negatividade. Viver naquele lugar, onde eu tinha visto minha vida levantar e cair da maneira mais drástica possível, não acabou me tornando o melhor ser humano do mundo. Não mesmo.

Faltavam alguns minutos até chegarmos. Encarar o pessimismo e as péssimas memórias poderia ser doloroso demais para alguém que recentemente se acordava.

"Eu faço isso por mim... E por você." Penso nitidamente, me encostando na poltrona, e me entregando à atmosfera sonolenta.

─━⊱❉⊰━─

"Pousada Catnip" lia-se no letreiro rústico pendurado bem na frente da casa. Um lugar tranquilo, cômodo e — talvez — prazeiroso.

No balcão, um rapaz estava concentrado em um livro de grande espessura, desprendendo-se da leitura logo após minha chegada. Veio me atender com um sorriso caridoso, que recebi com muito bom grado — às vezes tudo o que precisamos é de um pouquinho de gentileza, e esse homem conseguiu acertar na mosca.

— Boa noite, o que o senhor desejaria?

— Sou Park Jinyoung — mostrei meus documentos na bancada para ele. — Eu fiz uma reserva aqui pela tarde, e gostaria de acessar meu quarto agora.

— Park... Jinyoung? — O homem procurou em um pequeno caderninho, e assentiu. — Ah, sim. Por aqui, senhor. Me acompanhe.

Seguimos por uma escadaria de madeira polida, firme e antiquada. Assim como toda a casa de três andares, tudo o que a compunha era clássico e sofisticado. Tinha um toque de caseiro que deixava mais leve, tirando o ar de exaltação, e tornava mais fácil de se entender o porquê considerava-se uma boa pousada. Uma família rica, que criara um lugar para acolher o próximo. Logo, o sorriso do rosto do atendente ficou mais nítido, e seu gesto simples, ainda mais bonito dentro da minha cabeça.

— É por aqui, número 32. — Abriu a porta, mostrando um quartinho simples, com cama de solteiro e uma cômoda. — O banheiro é logo no início do corredor. A água é desligada todo dia às dez e meia da noite. O café é às seis, o almoço ao meio-dia e a janta às sete. O senhor terá um prazo de três dias para fazer seu próximo pagamento. Alguma dúvida?

Adentrei ao meu mais novo cantinho no universo, observando cada detalhe do quartinho com um olhar muito mais cuidadoso — um olhar carinhoso. Fitei o atendente, e balancei a cabeça.

— Não, obrigada, já explicou o bastante.

— Meu nome é Jaeboum, para o caso se precisar de alguma coisa. Sua chave. — Deixou o pequeno objeto brilhante na cômoda, e fechou a porta. Seus passos foram ouvidos por bastante tempo, até evaporarem pelo vento.

"E será assim por algum tempo. Eu espero."

why? ☆ got7Onde histórias criam vida. Descubra agora