Capítulo 15: Eva Mohn

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Fiquei parada do lado de fora do vestiário feminino, com a palma das mãos suando e o pé batendo descontroladamente no chão. Por que eu tinha dito ao meu pai que voltaria à equipe de dança? 

Meu arquivo. Eu queria; não, precisava; não, estava totalmente obcecada para ver meu arquivo. Hoje, o Chris tinha passado por mim no corredor e me dado aquele sorriso malicioso, murmurando:

- Tudo certo.

Ele tinha conseguido mudar a consulta dele para o horário antes do meu. Agora, precisávamos programar nosso plano, que estava pela metade. De alguma forma, ele acreditava que, juntos, conseguiríamos distrair a Sra. Collins. O Chris exalava confiança. Eu? Não muito, mas definitivamente valia a pena tentar.

A porta do vestiário se abriu e Vilde saiu com outras duas garotas do último ano. As duas pararam de rir quando me viram e forçaram sorrisos. Vill, por outro lado, abriu o sorriso mais brilhante pra mim.

- Vai lá pra dentro e se troca, garota. Aquecimento em cinco minutos.

- Eu já estava entrando. – Mas entrando em um romance de Stephen King. Garota com cicatrizes trágicas tenta retomar sua vida normal e descobre que sua vida normal não a quer de volta. Entrei no vestiário, onde todas as meninas do primeiro ano fofocavam e riam.

- Oi - veio uma voz fraca do fundo do ambiente. Todas as garotas congelaram e olharam para mim como se fachos de laser fossem sair dos meus olhos, ou pior: como se eu fosse enrolar as mangas da blusa e mostrar a elas minhas cicatrizes do diabo.

- Oi - respondi.

Eu preferia ter assistido a reprises de séries ruins dos anos 70 a entrar naquele ambiente para me trocar, mas ficar parada ali como uma idiota também não parecia uma ótima opção. Por que eu não podia ter a confiança do Chris? Ele não se importava com o que as pessoas pensavam.

Eu não tinha confiança, mas podia fingir. Fiquei falando na minha mente: Finge que você é o Chris. Melhor ainda, a motoqueira Sana.
Mantive o nariz empinado e atravessei o vestiário lotado em direção ao reservado, onde eu pretendia me trocar. Com a confiança da motoqueira Sana ou não, de jeito nenhum eu ia me trocar na frente delas.

Sacudindo a tensão que a caminhada tinha criado, fechei a porta do reservado e me troquei. Se entrar num vestiário era parecido com a abertura de um romance do Stephen King, dançar seria mais ou menos como estrelar um filme de terror.

Felizmente, o vestiário tinha esvaziado quando corri para o aquecimento. No corredor, duas garotas do terceiro ano estavam rindo perto do bebedouro.

- Você acredita que a Eva Mohn está voltando para a equipe de dança? Que pesadelo.

- Como se o fato de o Luke estar dando em cima dela desse a ela uma desculpa para fingir que não é uma esquisita.

Voltei encolhida para o banheiro. Com o coração na barriga, o estômago na garganta e minha falsa confiança em farrapos.

Vestindo de novo o jeans, o top e a camiseta de algodão marrom, fiquei vagando pelos corredores. Eu tinha que matar uma hora cinco dias por semana até a formatura. Talvez só quatro. Eu podia mudar a sessão de monitoria com o Noah para logo depois das aulas às segundas.

Entrei num corredor e parte da minha alma inspirou fundo quando percebi os trabalhos de arte pendurados nas paredes. Segui a trilha de pinturas e desenhos até a sala que costumava ser a minha preferida, a de artes. Várias telas pousadas em cavaletes, esperando seus mestres voltarem. Uma tigela de frutas de plástico sobre uma mesa no meio do círculo de cavaletes.

Avaliei cada quadro. Admirei o jeito como o primeiro usava sombras. O segundo dava uma boa atenção aos detalhes. O terceiro?

- Que bom te ver, Eva. – Minha antiga professora de artes, Nancy, saiu da sala escura ao lado e cruzou os cavaletes e mesas na minha direção.

Ela insistia que os alunos a chamassem pelo primeiro nome. Ela desprezava regras e formalidades. O cabelo, descolorido e com mechas pretas, era uma prova da atitude dela.
Apontei para o terceiro quadro.

- Expressionismo abstrato?
A risada animada vibrou pela sala. Ela ajeitou os óculos pretos de armação de chifre.

- Aluna preguiçosa que achou que ia conseguir um dez fácil. Ela diz que é impressionista.

- Que ofensa.

- Eu sei. Perguntei se ela sabia o que era impressionismo e, quando ela sacudiu a cabeça, mostrei suas pinturas.

- Nancy encarava a bagunça diante dela como se tentasse achar alga que pudesse ser resgatado ali.

- Senti sua falta.

Uma culpa conhecida se insinuou dentro de mim.

- Sinto muito.
- Não sinta, criança. Não é sua culpa. Seu pai me informou que você não tinha mais permissão para fazer aula de artes. Achei que isso significava que eu nunca mais ia te ver.

Andei até o quarto quadro.

- Belas linhas.

- Você ainda pinta?

Esperando parecer que eu estava extremamente interessada na cor escolhida para a banana, inclinei a cabeça, mas eu não estava. O buraco negro na minha mente aumentou, interrompendo qualquer pensamento sobre pintura.

- Não, mas ainda desenho. Principalmente a lápis. Às vezes com carvão em casa.

- Eu adoraria ver.

Nancy agarrou o caderno de desenho que tirei da mochila. Ela se sentou na mesinha com as frutas e o abriu.

- Ah, Echo. É simplesmente maravilhoso.

Dei de ombros, mas ela nem viu, encantada demais com meu caderno de desenho.

- A gente ganhou.

Ela afastou os olhos dos esboços e me encarou em silêncio.
Continuei a me ocupar com o trabalho dos outros artistas. Depois de alguns segundos, ela voltou a estudar meu retrato da Ingrid.

- Não, você ganhou. Eu só estava me divertindo. - Ela fez uma pausa.
- Você se lembra?

- Não. - Certamente a Nancy ia ficar com pena de mim e ia preencher algumas lacunas. - Você estava lá?

- Hummm, menina. Você está doida para me complicar com o seu pai e a Sra. Collins. Seu pai eu encaro, mas a Sra. Collins? – Ela deu de ombros. – Cá entre nós, ela me assusta. Essas pessoas muito simpáticas é que te derrubam no final.

Abafei o riso, sentindo falta da honestidade da Nancy.

- Eu queria me lembrar. – O quinto quadro estava totalmente em branco. As tintas a óleo e os pincéis estavam sem uso. – Você se importa?

Em sua postura clássica de profunda pensadora, ela esfregou o queixo.

- Ele só disse que você não podia fazer aula de artes, não disse nada sobre você não poder pintar.

Peguei um pincel chato, mergulhei na tinta preta e fiz círculos na tela.

- É como se eu tivesse um enorme buraco negro no meu cérebro e ele sugasse a vida de mim. As respostas estão lá dentro, então eu fico sentada por horas olhando. Não importa por quanta tempo nem com que força eu olhe, só vejo escuridão.

Escolhi um pincel em formato de leque e misturei as tintas preta e branca para criar diferentes tons de cinza.

- Existem fronteiras ao redor do preto e de vez em quando um flash de cores surge no meio do cinza. Mas eu nunca consigo guardar os retalhos de memória que aparecem.

Agarrando o pincel, encarei a tela, que agora representava o meu cérebro.

- Eu queria que alguém simplesmente me contasse a verdade e acabasse com essa loucura.

Uma mão calorosa apertou com força o meu ombro e me fez piscar e sair do transe. Uau, cinco horas. Meu pai ia me matar se eu não chegasse logo em casa. Nancy mantinha a mão sobre o meu ombro e o olhar cravado na tela.

- Se isso é loucura, então a loucura é brilhante. Você vai terminar isso?

Pela primeira vez em dois anos, senti que podia respirar.

- Você se importa se eu ficar por aqui depois das aulas?

No limite da atração || Eva&Chris (Skam)Onde histórias criam vida. Descubra agora