Cap. 54

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Logo que adormece; o espírito de Talita entra num estado lúcido de emancipação da alma, mas ela não consegue se desprender de seu corpo físico. Isso a deixa extremamente aflita, pois começa a escutar vozes. Alguém parece discutir seriamente com outra pessoa, com timbres irreconhecíveis. E ao invés de fisionomias, enxerga vultos negros, com pontos vermelhos no lugar dos olhos. Adriano surge no meio deles e é segurado pelos braços, sendo impedido de escapar. Uma energia ainda mais poderosa aparece e se materializa em uma fumaça preta, até se transformar numa sombra.

“ Eu não quero roubar sua Luz. Luz e Trevas necessitam coexistir. Para reconhecer a Luz, é preciso que haja Trevas. Das ruínas se dará o pó, e é reconstruindo que ressurgirá.” - a voz rouca, grossa e assexuada assegura e fica ecoando na mente de Talita. Mas como ser Luz e Trevas ao mesmo tempo? Como lidar com a Escuridão e a Iluminação e transformá-las numa só energia?! A vida se mostra uma perfeita harmonia; desde o verme invisível ao olho nu, a árvore mais frondosa, as estações, e a inteligência do ser humano. Então o equilíbrio depende unicamente disso? Para existir o bem, o mal é indispensável?

Talita acorda exasperada, levanta-se depressa e vai correndo para o banheiro.

Ane que está na cozinha preparando uma salada de frango, escuta a porta se batendo com força, para entre um cômodo e outro e grita:

- Amor? Você está bem?

Talita está de joelhos com a cabeça mergulhada no vaso sanitário, vomitando. Quando ela olha para os restos de alimentos, visualiza umas gotas de sangue, embora saiba que não estejam de fato ali, mas como um prenúncio.

- Amor? - Ane bate na porta diversas vezes, bastante preocupada, com a intuição alertando-a. - Você está bem?

- Unrum - a vaqueira murmura pendendo a cabeça na parede. - O vinho não me fez muito bem.

- Tem certeza? Você dormiu por cinco horas feito uma rocha!

- Cinco horas? - repete descrente com o tempo que tinha ficado fora, pois para si pareceu apenas alguns minutos.

- Sim. Amor abre a porta - Ane força a maçaneta.

- Já vou - avisa dando descarga, em seguida vai até a pia onde lava o rosto e a boca, e passa as mãos molhadas pelo cabelo. Abre a porta e a noiva se assusta com a palidez de sua pele morena, que é palpável em sua aura.

- O que houve? Você não come nada desde ontem - Ane alisa  seu rosto.

-É, acho que tinha algo acumulado no meu estômago -  ri sem a menor graça.

- Então não vai comer né?

Talita meneia a cabeça. Anda até o carpete, pega suas roupas e as veste.

- Come você para podermos ir. Já passamos tempo demais fora. O Edgar e a Marjorie estão sob minha responsabilidade.

- Ok, amor. Vou comer rapidinho - Ane vai para a cozinha, termina o preparo da refeição e se alimenta um pouco apressada, estranhamente ansiosa, sentindo como se seu desencarne estivesse mais próximo do que imagina. Quando termina, encontra Talita com os olhos presos na lareira. Percebendo que há algo de diferente no ar, toca em seu ombro e pergunta: - O que foi?

- Ah nada - Talita desconversa passando as mãos pelo cabelo e puxa os fios da nuca. - Só estou preocupada com o Ed e a Marjorie. Vamos?

- Sim. Só vou apagar o fogo.

- Ok.

Ela observa Ane apagar a lareira e a ajuda a fechar a casa. Não têm que se preocuparem com a limpeza porque a propriedade tem um caseiro exatamente para manter a conservação desta.

Minha Cowgirl na Cidade ( Sáfico) Onde histórias criam vida. Descubra agora