Um dos meus temas preferidos na literatura é a luta do homem contra as forças da natureza. A luta entre o Capitão Ahab e o cachalote Moby Dick me fascina, por exemplo.
Desde que um de nossos ancestrais resolveu descer das árvores, vivemos em constante conflito com a natureza para sobreviver. Ela é muito mais forte do que nós e também imprevisível. Mas, no momento em que a natureza se insurge, a humanidade estufa o peito e a encara com o que tiver à mão. Dessa forma, nossa espécie já enfrentou furacões, terremotos, inundações e a lava de terríveis vulcões. E permanece viva.Outras pessoas, porém, como se fossem o Capitão Ahab, resolvem deixar a paz de suas vidas cotidianas para desafiar a insensibilidade da natureza. Umas se lançam ao mar, outras escalam montanhas. Acho que o prazer delas vai além da sensação de enfrentar a natureza. O gosto de encarar a morte deve ser ainda mais saboroso. Graças a seres humanos desse tipo, conseguimos deixar nossas pegadas na Lua.
Já no meu caso, eu prefiro a tranquilidade do meu lar. Entretanto, certa vez, fui obrigado a também encarar a natureza. Era noite e, apesar do céu estrelado, um forte vento levava tudo o que via pela frente em Araçatuba. Meu celular informava que a velocidade dele era de 40 quilômetros por hora.
Minha esposa e eu precisávamos voltar para casa, em Birigui, e já não havia mais nenhuma linha de transporte público para nos levar com segurança. Nosso único veículo era uma motoneta de 125 cilindradas. Ansiosos para ir embora, decidimos lutar contra o vento, que varria a rodovia Marechal Rondon.
Mal entrei na pista e as lufadas começaram a empurrar a motoneta para o centro da rodovia. Pilotando em "S", apertava firmemente as luvas do guidom, na ilusão de que estava mantendo a motoneta em pé, na margem da faixa direita. Chegamos a parar em um posto de combustíveis na metade do caminho. Porém, como a força do vento não diminuía, resolvemos continuar.
A cada sopro do vento, minha esposa apertava seus braços com mais força ao meu redor. De vez em quando, um caminhão passava pela gente, aumentando o desequilíbrio da motoneta. Tinha certeza de que iríamos morrer naquela noite.
Mas se estou escrevendo esta história é porque consegui chegar a salvo em Birigui. Minha esposa adora contá-la como se fosse uma aventura do Ulisses na Odisseia. Entretanto, eu costumo lembrar de que, naquela noite, ela não estava achando nada tão legal assim e entro na diversão de narrar o episódio também.
Desse dia em diante, só encarei a natureza outra vez. Com respeito. Em noites de ventania, prefiro sentar na poltrona de um ônibus coletivo e ler as histórias dos heróis da literatura que a encaram com coragem.
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Crônicas
RandomCrônicas do escritor e jornalista Ronaldo Ruiz Galdino sobre as coisas do cotidiano, que parecem ser banais à primeira vista, mas que guardam grandes tesouros quando buscamos observá-las com mais cuidado. Toda semana uma crônica nova.