Era noite avançada. Estava deitado na cama, lendo um livro, alguns contos de Edgar Allan Poe mais precisamente, e de repente, veio da rua um assobio que interrompeu a minha concentração.
O rapaz (poderia ser uma moça também, mas duvido) assobiava cinco notas e batia duas palmas em seguida: fiu, fiu, fiu, fiu, fiu, pá, pá. Ou seja, o rapaz ao mesmo tempo que utilizava um instrumento de sopro também tocava uma percussão.
Como o som pareceu ir diminuindo de volume, eu imagino que o assobiador estava em uma bicicleta. Não havia som de motor o acompanhando. Fiquei impressionado, pois, para bater as palmas, o rapaz precisava soltar as duas mãos do guidão rapidamente ou guiar a bicicleta sem elas.
Uma grande façanha. Eu mesmo nunca consegui andar de bicicleta sem as duas mãos. De moto, então, nem penso em me arriscar. Mas, às vezes, quando era adolescente, eu conduzia a minha bike só com a mão direita, para tirar uma onda de que era despojado. Se tentasse só com a esquerda, era tombo na certa.
Assobiar também não é tarefa fácil. Eu penei muito para aprender e, ainda assim, não aprendi assobiar com os dedos. Tinha um amigo na infância que era o mestre no assobio com os dedos, o que irritava toda a vizinhança.
Mas voltando ao presente (ou seria passado?), saí de casa para ver quem era o assobiador noturno, porém, a rua já estava totalmente deserta quando cheguei à calçada.
Por qual motivo o rapaz assobiava? Será que ele não sabe que assobiar à noite traz mal agouro e atrai assombrações, Saci-Pererê e Lobisomem?
Suponho que estava feliz. Por qual motivo não sei dizer. Pode ter ganhado algum prêmio na Lotofácil, recebido o salário ou estar sob efeito de algum alucinógeno.
De qualquer forma, vai lá para onde quiser ir, meu amigo assobiador noturno, e fique bem, que eu cá preciso saber quem cometeu os assassinatos na Rua Morgue.
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Crônicas
RandomCrônicas do escritor e jornalista Ronaldo Ruiz Galdino sobre as coisas do cotidiano, que parecem ser banais à primeira vista, mas que guardam grandes tesouros quando buscamos observá-las com mais cuidado. Toda semana uma crônica nova.