Cheiro de papel

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Já faz um tempo que tento ler em mídias digitais, como celular, tablet e computador, mas confesso que ainda prefiro o papel.

A leitura em suportes impressos tem um ritual. Entre eles, alisar as páginas com os polegares para sentir sua suavidade e, principalmente, sentir o cheiro de papel.

As pessoas que me veem lendo em locais públicos devem me achar mais doido do que realmente sou, ao me flagrarem cheirando um livro. Sou viciado, fazer o quê?

Cada editora tem um cheiro diferente, assim como cada revista e jornal têm seus aromas particulares. Livro novo tem o cheiro agradável de toda boa novidade.

Mas o cheiro dos livros antigos, especialmente dos já amarelados, me faz pensar nas estantes onde eles estiveram e por quantas mãos passaram.

O cheiro de papel me traz a alegria da infância; de quando eu entrava de mãos dadas com minha mãe em uma banca de revista para comprar gibis. Sempre que vou a uma banca e sinto o mesmo cheiro fico numa nostalgia danada.

Acho que o cheiro de papel foi um dos fatores decisivos na hora de escolher a faculdade de jornalismo. Ao me recordar do falecido Jornal de Birigui, onde fiz meu primeiro estágio na área, logo me recordo do cheiro forte da tinta sobre o papel, vindo de uma pilha de jornais sobre a mesa.

Assim como muitas pessoas, minha esposa não gosta de cheiro de jornal. Por isso, nada de leitura de jornais na mesa do café-da-manhã, como eu sonhava em fazer quando era garotinho. Conheço gente que também reclama da dificuldade de manusear os jornais impressos e da tinta que costuma sair e manchar seus dedos. Acho que sou um dos poucos da minha geração que ainda tem o costume (e o prazer) de andar com um exemplar debaixo do braço aos sábados e domingos.

Percebo que as versões digitais de livros, jornais e revistas ainda procuram imitar o papel, da mesma forma que Gutenberg manteve nos primeiros livros impressos da humanidade características de livros manuscritos por monges copistas, como as margens em branco das páginas, para anotações marginais. Algumas mídias eletrônicas até reproduzem o barulho das páginas sendo viradas, o que me agrada bastante.

Porém, para ajudar a completar o ritual da leitura, ainda precisam criar um dispositivo com cheiro de papel.  


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