Estar vivo

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Não sei se foi o Otto Lara Resende ou Paulo Mendes Campos que escreveu que a rotina faz a gente olhar as coisas, mas não enxergá-las. Sabe aquele ditado que diz que as estátuas e museus só têm graça quando estão em outras cidades, principalmente, Paris, Roma, e etc? É bem por aí.

Alguns domingos atrás estava varrendo o jardim da frente de casa e fui surpreendido: estava vivo! Sentia o sol quente do início da tarde na cabeça e nas costas. Ao meu redor, havia muito verde, salpicado por algumas cores. Samambaias, dracenas, roseiras, palmeiras.

Na entrada do teto de um dos quartos, passarinhos fizeram morada e cantavam alegremente. Uns saíam e voltavam com pequenos gravetos nos bicos. A cantoria nunca parava. Acima da minha cabeça, além do sol, algumas nuvens vagavam no céu azul. Da cozinha, vinha o cheiro do macarrão sendo preparado.

E eu a varrer as folhas secas e a terra que havia caído dos vasos de plantas. Não tinha reparado ainda como as folhas amarronzadas eram de uma beleza melancólica. O barulho delas sendo arrastadas pela vassoura aumentava seu lirismo. Fiquei chateado por ter que colocá-las na pá e, em seguida, jogá-las no lixo. Elas não fazem parte do lixo, embora muita gente ache que sim, enquanto não percebe que o amontoado de peças do seu celular de última geração é lixo.
Tudo aquilo compunha a realidade e eu estava inserido nela, ativamente, não apenas, como fazia na minha época de Meursault, assistindo a tudo passar indiferente. Agora, sim, as coisas pareciam fazer sentido.

Naquele momento, não se passava nenhuma preocupação pela minha cabeça. Nem as contas, nem o cenário político da ocasião. Respirei fundo para sentir o oxigênio entrar nos meus pulmões. Pensei em mais tarde ler um livro. Lima Barreto me parecia uma boa escolha. Senti-me muito feliz ao planejar isso.

Como era bom estar vivo! Claro que estava vivo todos os outros dias da minha vida. Apenas não tinha percebido.

Uma vez eu falei a uma senhora como achava linda a Praça Rui Barbosa ao fim do dia. O pôr-do-sol colocava um dourado sobre as palmeiras, bancos e a fonte, o que me fazia sentir saudade de uma época que não vivi. A senhora riu e disse: "Ei, Ronaldo".

Ela deve ter achado graça por eu ter dado tanto significado para uma coisa tão trivial. Parece coisa de criança se maravilhar com isso - e é mesmo. Por isso elas são mais inteligentes e felizes do que nós adultos. É uma pena que perdemos esse espanto com o tempo.

São as coisas triviais que importam de verdade. O macro, arrogante com sua falsa imponência, é o que menos tem significado para mim. A verdadeira realidade é composta do que vemos todos os dias, mas não conseguimos enxergar. 


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