Trabalhar

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Sempre que estou andando pela rua de casa, no horário do almoço, vejo homens e mulheres - mais mulheres do que homens - trabalhadores de indústrias de calçado de Birigui, descansando debaixo da sombra de marquises e árvores.

Eles conversam sobre vários assuntos e respondem mensagens no celular. Alguns aproveitam para comer, enquanto outros tentam recriar o conforto do lar, improvisando um pedaço de papelão como cama.

Uma trabalhadora se rende ao sono. Provavelmente, ela vem de alguma cidade da região e não tem o privilégio de ir para casa almoçar e, em seguida, tirar pelo menos uma soneca de quinze minutos.

Alguns amigos meu que moram em São Paulo me contam que a rotina deles é bem corrida, com pouco tempo para dormir, comer e fazer suas tarefas domésticas. Mas existe alguma diferença entre o cotidiano deles e o dos trabalhadores deitados naquela calçada, fugindo do sol ardente do meio-dia, esperando a hora de retornar ao batente?

Muitos deles levam pelo menos uma hora para ir e voltar em ônibus oferecidos pelas prefeituras de municípios que não têm muita oferta de emprego. Precisam acordar de madrugada para se arrumar a tempo de pegar a condução e chegam em casa quando o céu já está polvilhado de estrelas novamente.

Após um longo dia de trabalho, tudo o que querem é dormir o mais cedo possível. Logo, logo, o despertador do celular toca e tudo recomeça.

Os trabalhadores do mundo já estão unidos. Pelo menos nesse árduo ritual.

Porém, não vejo rostos abatidos, nem ouço reclamações. Desde que ficou definido que comeremos do suor de nossos rostos, precisamos ir ao trabalho aonde ele estiver. Questão de sobrevivência, como diz um amigo meu. Esses trabalhadores sabem que do lado de fora da fábrica existe uma multidão de 13 milhões de desempregados. É preciso ter paciência para ficar fora das estatísticas.

Certa vez, meus passos acordaram um rapaz, que cochilava sobre um papelão na calçada. Sem jeito, pedi desculpas ao moço.

— Tudo bem - disse o rapaz com uma voz sonolenta. Sabe que horas são?

— Quinze para uma - respondi.

— Ainda tenho uns minutinhos então. 

Tornou a dormir . E eu continuei o meu caminho, porque também precisava retornar ao trabalho. 


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