Invisível

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Invisível. Aquele homem era invisível. Em um lugar onde passavam várias pessoas, parecia que eu era o único a vê-lo.

Deitado no chão da rodoviária de Araçatuba, o homem invisível se protegia do frio da noite de inverno com uma coberta cinza com alguns detalhes vermelhos. Eu suponho que era um homem, já que não dava para afirmar isso com tanta certeza, pois o cobertor escondia seu rosto e deixava apenas seus pés de fora, negros e de solas gastas. Ao seu lado, havia uma mochila, onde, provavelmente, deveria estar todo seu patrimônio.

Várias pessoas iam e vinham, carregando malas, apressadas para não perder o ônibus, embarcando e desembarcando, passando por ele sem notá-lo.

Um homem, de mãos dadas com uma menininha, porém, pareceu enxergá-lo também. Deu uma olhada curiosa e continuou seu caminho. A garotinha parece ter ficado espantada. Olhou para trás várias vezes, como a se perguntar o que levaria uma pessoa a dormir no chão da rodoviária em uma noite tão fria.

Mas logo ela se esqueceu do invisível e começou a correr. Foi até o fim das plataformas de embarque  e voltou. Abraçou o homem que deveria ser seu pai. Ele pegou a menininha nos braços e a jogou várias vezes para cima.

Nesse momento, eu já havia embarcado. O homem invisível continuava no mesmo lugar e as pessoas ao redor continuavam a andar com pressa. Penso na minha cama quentinha na qual eu iria deitar mais tarde e fico revoltado em saber que vou dormir confortável e ele não. Não sei absolutamente nada sobre ele e não vou conjecturar milhares de possibilidades que o levaram a dormir protegido do sereno sob o teto da rodoviária. Só o fato de ele estar ali me deixa chateado e basta.

Também não farei nenhum juízo de valor sobre as pessoas que passam por ele sem vê-lo. Eu por acaso estava fazendo alguma coisa para ajudá-lo? Se eu fosse meu pai, teria acordado o homem invisível e dado nem que fosse uma moedinha de um real. A esmola para meu pai era um dever sagrado de todo cristão. Meu avô paterno, talvez, acolheria-o em sua casa.

Mas e eu? O que posso fazer? Esse sentimento de não poder fazer nada para ajudar é frustrante.

De repente, achei uma solução, não a ideal, mas ainda uma solução. Uma crônica é tudo o que posso oferecer a ele. Uma crônica que tire sua figura da invisibilidade e sirva como um grito de "eu estou aqui!", embora ele permaneça em silêncio, dormindo.  

***

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CrônicasWhere stories live. Discover now