A queda

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Se não me contassem, eu nem saberia dizer como tudo aconteceu. De repente, senti que uma força muito grande puxava a minha moto e me desequilibrava.

Odeio perder o controle das coisas.

Meu corpo caiu e se arrastou no asfalto sem que eu pudesse fazer algo para evitar. "Então vai assim que vou morrer, é?". Senti a cabeça doer e, por alguns segundos, meus olhos ficaram abertos, viam, mas não enxergavam nada.

Só fui me dar conta do que tinha acontecido quando alguns sapatos se aproximaram de mim. O asfalto estava muito quente naquela tarde tipicamente biriguiense. Escutei alguém falando ao telefone, dizendo que um rapaz tinha sofrido um acidente na praça da prefeitura. Vi estacionarem minha moto na guia da sarjeta.

Que ironia! Tantas vezes escrevi matérias sobre acidentes de moto e agora havia me tornado vítima de um deles.

Precisava voltar ao trabalho, pensei.

Tentei me levantar, mas uma voz pediu para eu não me mexer. Obedeci. "Nossa, esse chão deve estar muito quente!", ouvi um homem falar. Assim como aquele que ajudou Jesus a carregar a cruz, ou aquela mulher que, na Via Crucis, enxugou seu rosto banhando de suor e sangue, alguns bons samaritanos colocaram pedaços de papelão embaixo das minhas mãos e braços. Senti um grande alívio.

Quando já estava no corredor da emergência do pronto-socorro, pensei que, talvez, ainda exista esperança na humanidade. Talvez, os bons sejam realmente a maioria. Pensei ainda em quanto são mesquinhas as diferenças que separam as pessoas. Não vi o rosto de nenhum daqueles que tentaram amenizar o meu sofrimento, mas serei eternamente grato a eles.

Um rapaz que disse ser pronto-socorrista se aproximou de mim e perguntou se eu estava consciente. Respondi que sim. Pediu para que eu tentasse mexer os dedos das mãos e os pés. Apesar de uma leve dor, tudo estava funcionando. Então, ele disse para eu ficar calmo porque o Resgate já estava chegando.

Fui colocado em uma maca e levado até o pronto-socorro. Além de muito profissionais, os bombeiros que me atenderam eram uns caras legais. Um deles foi contando piadas sobre seu trabalho durante todo o trajeto. As enfermeiras e o médico plantonista também foram bastante gentis. Felizmente, não precisei tomar soro, apenas uma injeção para dor, que nem doeu.

Enquanto aguardava o resultado dos exames de raio-X, pensei que, naquele momento, a minha esposa estava trabalhando e nem imaginava tudo o que estava acontecendo comigo. Na verdade, lembrei-me dela o tempo todo, desde que cai. Ela ia ficar desesperada quando soubesse. Tive que segurar as lágrimas.

Durante o tempo em que permaneci no pronto-socorro, um homem morreu na ala de emergência onde eu estava. Mas eu, poucas horas depois, saí andando do pronto-socorro. Estava todo ralado e dolorido, porém, vivo.

Se não fosse o capacete, que impediu que eu batesse a cabeça com força no asfalto, se eu não estivesse dirigindo devagar, se todas aquelas pessoas não tivessem tomado conta de mim, poderia ter morrido naquele dia também. Imaginei, então, que alguém queria que eu ainda não partisse dessa para melhor. Não sei dizer exatamente quem.

Posso afirmar somente que em 10 de setembro de 2019 senti que nasci de novo. 


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