Enquanto esperava o ônibus para ir ao meu trabalho, lia o romance "Clara dos Anjos" do Lima Barreto, sentado na calçada da rodoviária. Foi então que a aparição de um pássaro roubou minha atenção.
Era um pequeno bem-te-vi. Ele estava com uma vespa no bico. Seu café da manhã. Rapidamente, o passarinho tragou o inseto para o estômago, enquanto as partículas de pó das asas da vespa se espalhavam pelo ar.Que espetáculo da natureza! Tudo aquilo que eu havia estudado sobre cadeia alimentar nas aulas de biologia na escola estava se desenrolando ali, bem na frente dos meus olhos. Como ninguém mais naquela velha rodoviária enxergava aquele fato maravilhoso?
Continuei a observar o bem-te-vi. Ele andava um pouco, parava e mexia a cabeça como se fosse uma animação em stop motion. Procurava mais alimento em meio as pedras portuguesas da calçada que simulava as calçadas de Copacabana, cuja beleza estava muito, muito distante dali.
De repente, o pássaro voou. Achei que ele havia partido para sempre, mas acabou voltando alguns minutos depois. Prosseguia na busca por uma refeição decente. Encontrou um pedaço de alguma coisa, parecida com uma calabresa, e mandou para o buxo amarelado. Será que aquele bem-te-vi teria comida com mais qualidade e abundância se estivesse em meio à natureza?
Outro bem-te-vi apareceu para lhe fazer companhia em sua peregrinação por alimento. Os dois caminhavam entre os pedestres sem receio. Nem ficavam assustados quando passava alguém mais apressado. Já devem estar acostumados.
Será que eles vão viver por muito tempo? Gosto de ouvi-los cantar no fim da tarde, quando o céu já está parecido com uma tela de pintura manchada com dourado, azul e púrpura.
Fico impressionado como o seu canto é parecido mesmo com alguém falando: "bem-te-vi, bem-te-vi, bem-te-vi". Mas quando eu era adolescente jurava que ele cantava "MTV, MTV, MTV". Acho que eu era levado a isso pelo vício no meu canal favorito na época, que ainda estava disponível na TV aberta. Tenho um amigo que acha esse pássaro muito indiscreto. "Ele fica toda hora falando: eu te vi, eu te vi, eu te vi", diz ele.
Penso que devido ao peso e ao barulho do veículo, diferente de meros seres humanos passantes, os dois bem-te-vis se assustaram com a chegada do meu ônibus e levantaram voo. Devem ter ido buscar alimento em outras freguesias para completar o café-da-manhã - a mais importante refeição do dia. Desejei-lhes boa sorte.
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Crônicas
RandomCrônicas do escritor e jornalista Ronaldo Ruiz Galdino sobre as coisas do cotidiano, que parecem ser banais à primeira vista, mas que guardam grandes tesouros quando buscamos observá-las com mais cuidado. Toda semana uma crônica nova.