Nossa Macondo

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Há muito, muito tempo, a região de Araçatuba era povoada por seres mágicos, testemunhava eventos fantásticos e milagres. Não devia nada para Macondo, a cidade criada pelo escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez no romance Cem Anos de Solidão, uma obra-prima do realismo mágico latino-americano. Mas a luz elétrica chegou por estas bandas e espantou o lobisomem, a mula sem cabeça e as assombrações. Os celulares, computadores, aparelhos de televisão, acabaram por extingui-los de vez.

As histórias desses eventos sobrenaturais ainda resistem pelos relatos de pessoas mais velhas, que se recordam de épocas em que a região era tomada pelo mato, com poucas estradas de terra e algumas casinhas que ficavam longe uma das outras. Meus pais, tios e conhecidos me relataram vários causos desses tempos, que sempre me deixaram em êxtase.

Acho que foi minha mãe que contou o primeiro acontecimento mágico que ouvi. Quando minha bisavó morreu, dizia ela, todos escutaram o som de trombetas vindas do céu. Eu devia ter uns seis ou sete anos, não me lembro muito bem, mas a história foi tão impressionante que nunca me esqueci.

Outro relato fantástico foi contado pelo meu pai em alguma discussão besta que tive com ele sobre religião. Ele falou sobre uma moça solteira, muito respeitável, que morava no mesmo bairro rural que ele. Um dia ela apareceu grávida, algo que intrigou todo mundo que vivia por ali, pois ela não era casada e nunca tinha sido vista na companhia de outros homens.

A mãe da jovem explicou que a gravidez era algo natural na mulher e que algum dia, mais cedo ou mais tarde, todas ficavam grávidas, sem necessitar de um homem para isso. O esclarecimento foi suficiente para convencer a todos naquela terra isolada do resto do mundo. Por conta disso, ninguém acusou a moça de ser mãe solteira — algo mais terrível, na época, do que a aparição de um chupa-cabra.

No mesmo bairro rural, no dia de um santo, cujo nome me escapa da memória, os trabalhadores de uma fazenda se recusaram a trabalhar em respeito à data. Porém, o dono da propriedade ficou furioso ao saber disso e foi até onde eles estavam para obrigá-los a pegar no pesado. Um dos funcionários, então, subiu no trator (única geringonça moderna ali, trazida da "cidade grande" pelo patrão) e tentou ligá-lo, uma, duas, vinte vezes, sem sucesso.

O fazendeiro irritado expulsou o homem do veículo e tentou, ele mesmo, colocá-lo para funcionar. Após inúmeras tentativas, ele também não conseguiu. O tanque estava cheio e nenhuma peça estava quebrada.

— Estou falando para o senhor, é a vontade do santo - disse um dos lavradores.

Resignado, o fazendeiro dispensou todo mundo. Já no dia seguinte, o trator funcionou de primeira. A produção da fazenda foi recorde naquele ano e o proprietário daquelas terras mandou erguer uma capela para o santo, que foi elevado a padroeiro do lugar. Todos os anos, dali em diante, na data do santo, além de ser feriado para os funcionários da propriedade, era realizada uma quermesse em seu louvor.

Lembro-me de várias outras histórias, como a vez em que o Diabo em pessoa apareceu em um baile realizado na Sexta-feira Santa e da Caipora que assustou meu avô paterno e os amigos dele que estavam caçando tatus, mas fica para outra crônica, porque esta já está bem grande. 


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