A mulher saiu de casa apressada para pegar o ônibus coletivo que a levava para o trabalho. Precisava chegar rápido ao terminal rodoviário, porque a linha que ia pegar, a que passava por uma das principais praças da cidade, onde ela descia, iria sair daqui a pouco, por volta das onze horas da noite. Era a penúltima linha do dia. Se perdesse o coletivo, o próximo só sairia quinze para meia-noite.
Mas a mulher conseguiu chegar a tempo. Já sentada em uma das poltronas do transporte público, ela começou a se maquiar. Passou um batom vermelho na boca, lápis nos olhos e blush no rosto. Precisava compensar na maquiagem, pois não dava para vestir nada atraente naquela noite fria de inverno. A mulher usava uma calça leg apertada, talvez a única peça sexy, e uma blusa de frio que cobria tudo.
Quando desceu do ônibus, o vento frio queimou seu rosto. Ela cruzou os braços como se quisesse se abraçar. Em seguida, caminhou até a esquina em que costumava esperar seus clientes, meio que escondida. Da outra esquina para lá o ponto pertencia a outras mulheres.
Planejou trabalhar até umas três horas da manhã e depois pediria um táxi ou Uber para voltar para casa.
Não era uma atividade fácil, mas ela estava resignada. Já tinha deixado currículos em tudo quanto é lugar e nada de lhe chamarem. Tinha duas crianças em casa que precisavam dela, por isso, não podia escolher muito. Embora os transeuntes que passavam por ali achassem que ela era prostituta por safadeza, a mulher não sentia nenhum prazer se entregando para homens, na maioria das vezes, sujos e fedorentos. Além deles, tinham os que gostavam de bater e os que não queriam usar camisinha. E os que eram tudo isso ao mesmo tempo.
Porém, ela dizia para si mesma que era preciso ter paciência, pois logo iria se livrar desse trabalho. Todos os meses guardava o que sobrava das despesas domésticas em uma poupança, para comprar uma máquina de fazer estampas, que viu em um anúncio na televisão. Iria ter um próprio negócio em breve, em nome do Senhor Jesus. Ele próprio havia lhe revelado o milagre.
Fazia um ano que a mulher frequentava uma igreja evangélica. Seu pastor e outros fiéis da sua congregação haviam lhe convidado para assistir a um culto, durante uma noite como aquela, naquela mesma esquina. Nada era por acaso, ela pensava, era preciso estar ali, em perigo, para ser resgatada. Em um dos cultos, sentiu que o Senhor lhe concedia aquela graça para honrar Seu Nome. Seus olhos ardiam com as lágrimas que sempre acompanhavam a recordação da promessa.
De repente, um carro parou na esquina. A porta do veículo se abriu. A mulher esfregou os olhos e respirou fundo. Enquanto não chegava o seu dia, ela precisava enfrentar mais uma noite de trabalho.
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Crônicas
RandomCrônicas do escritor e jornalista Ronaldo Ruiz Galdino sobre as coisas do cotidiano, que parecem ser banais à primeira vista, mas que guardam grandes tesouros quando buscamos observá-las com mais cuidado. Toda semana uma crônica nova.