— Eu não acredito no que estou vendo — disse um senhor baixo, um pouco gordo e com poucos fios brancos de cabelo na cabeça, que vinha na minha direção.
Eu havia me abrigado contra o calor abafado do início da primavera debaixo de um pequeno oiti, plantado em uma das esquinas da rodoviária velha de Birigui. Aproveitei, como sempre faço enquanto estou aguardando o ônibus, para ler um livro.
— Depois que aquele Bill Gates inventou o computador ninguém quer mais saber de ler — o senhor disse. Ver um jovem lendo um livro é raridade nos dias de hoje. Todo mundo só quer ficar na internet, no celular.
Percebi que uma mulher mexendo no celular, que estava ao lado, olhou para nossa direção. Com certeza, ofendida.
— Mas os celulares também são bons para quem gosta de ler — eu disse. Eu leio livros no celular.
— O que você está lendo aí?
— Curiosamente é um livro sobre livros.
Mostrei para ele a capa: "Uma breve história da literatura", de John Sutherland, que havia comprado um dia antes.
— Eu gosto muito de ler — comentei.
— Eu também gosto — o senhor disse. Neste ano já li sete livros. Sabe como é, né? Quando a gente está velho seleciona muito bem o que vai ler e lê devagar.
— Mas é assim que se deve ler mesmo — falei.
— O nome do livro que estou lendo é...
Nesse momento, o meu ônibus para Araçatuba surgiu na esquina.
— O senhor me desculpe, o meu ônibus chegou. Mas me diga: qual livro o senhor está lendo?
— Chama-se "O Presidente Negro" — disse o senhor após pensar um pouco.
O nome do romance era familiar para mim, porém, não conseguia me lembrar quem o escreveu.
— Qual é o nome do autor?
— Ah, agora eu não sei.
— Tudo bem, depois eu pesquiso...na internet.
Em tempo: O romance "O Presidente Negro" é um livro de ficção científica escrito por Monteiro Lobato (!).***
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Crônicas
RandomCrônicas do escritor e jornalista Ronaldo Ruiz Galdino sobre as coisas do cotidiano, que parecem ser banais à primeira vista, mas que guardam grandes tesouros quando buscamos observá-las com mais cuidado. Toda semana uma crônica nova.