Um senhor de idade, conhecido meu (vamos chamá-lo de seu João), parou para descansar embaixo da sombra do Chapéu de Couro, que está plantado na frente da minha casa. Depois de reclamar do calor, da idade e da distância entre a sua casa e o centro, ele disse para mim:
— Rapaz, como essa rua está mudada. Hoje é tudo comércio. O pessoal só pensa em ganhar dinheiro.
Ele tinha razão sobre as mudanças da rua. Não tenho muita idade, mas me lembro de algumas casas antigas que existiam nela e que deram lugar a salões comerciais com um visual clean monótono.
A maioria das residências, em um passado não muito distante, eram parecidas umas com as outras, como se pertencessem a um conjunto habitacional popular. Mas outras eram quase casarões, umas até com detalhes na frente.
No lugar delas, atualmente existem salões de cabeleireiros, lanchonetes, loja de ferramentas, oficinas. Tenho que reconhecer que o ponto é realmente bom, pois a rua é movimentada e liga o centro a vários bairros.
Poucas casas antigas ainda resistem. Uma delas é a minha. Mesmo assim, praticamente todas tiveram que ser reformadas não só por uma preocupação estética, mas porque já não é mais possível ter por aqui aqueles muros baixos ou portõezinhos que não precisavam de cadeados.
Por causa desses muros e portões altos, vamos nos isolando cada vez mais. Lembro-me de quando os muros entre as casas eram baixos e minha mãe, varrendo o nosso quintal, conversava com a mãe de um amigo meu que estava estendendo roupas no varal na casa ao lado.
Sem muito esforço, eu pulava o muro para brincar com o menino da casa vizinha. Nós dois pulávamos o outro muro e logo estávamos na casa de outro amigo. E assim por diante. Era praticamente impossível ser uma criança solitária.
Tenho amigos mais velhos que se lembram até da época em que, após o quarteirão onde moro, só havia mato, onde os meninos improvisavam traves de madeira para jogar futebol.
— Mas o bom é que isso valoriza a sua propriedade - disse seu João, interrompendo a minha divagação.
No final das contas, minha casa é também uma mercadoria nessa rua cada vez mais comercial.
***
Gostou desta crônica? Então não deixe de votar e comentar!
YOU ARE READING
Crônicas
RandomCrônicas do escritor e jornalista Ronaldo Ruiz Galdino sobre as coisas do cotidiano, que parecem ser banais à primeira vista, mas que guardam grandes tesouros quando buscamos observá-las com mais cuidado. Toda semana uma crônica nova.