Eu estava almoçando em uma lanchonete perto do meu trabalho quando cinco portugueses sentaram-se à mesa que estava na minha frente. Se eu fosse um cara supersticioso, logo veria nisso um sinal: de sorte ou um mal presságio. Porém, fiquei tranquilo, pois sou irremediavelmente cético.
Aliás, estou começando a achar esse lugar bastante cosmopolita. Certa vez, fiz ali amizade com um marroquino muito gente fina.
Mas, voltando ao assunto da crônica, os nossos irmãos lusitanos estavam animados. Falavam rápido, tanto que eu consegui compreender apenas algumas palavras, embora eles conversassem no mesmo idioma que o meu. Percebi também algumas gírias portuguesas, como "o pá", se é que eu posso classificar essas palavras assim.
Eles pediram x-burgueres. Estavam bem vestidos. Acho que discutiam algumas coisas relacionadas a contas, já que disseram alguns números.
— Quero uma coca, hã - pediu um deles.
— Mas só tem de seiscentas — respondeu o outro português, perto de uma geladeira.
— Ora, pois, ali estão as de lata - apontou para outra geladeira.
Na hora eu me lembrei do humorista Costinha imitando portugueses e segurei uma risada. Mas algo no sotaque deles também me recordava Eça de Queiroz. Havia uma elegância na forma deles falarem o nosso idioma, que parece ter se perdido no nosso País.
No entanto, logo esse pensamento me pareceu muito superficial.
Ora, aquela beleza não tinha nada a ver com a norma culta que usamos nas redações no Enem. Tinha a ver com o nosso idioma falado, coloquial. O que há de mais belo na nossa língua é que ela tem diferentes formas de ser falada. O português adquire particularidades em cada parte do Brasil.
Só fui perceber o quanto nós, aqui da região de Araçatuba, puxamos tanto os erres (para falar "pooorrrta", por exemplo) quando viajei para o Amazonas. Minha esposa é de Manaus e é muito bonito ouvi-la terminando as palavras em esse com um chiado. Lá eles falam "fecha a porta" com o "e" fechado. Na nossa região, falamos a mesma frase com "e" aberto. E nenhuma das duas formas de dizer a frase está errada.
De repente, senti-me unido aos portugueses sentados à minha frente pelo nosso idioma, o mesmo usado por Camões e José Saramago e por Machado de Assis e Jorge Amado.
Pensei em ir lá perguntar para eles o que achavam do nosso português, da nossa literatura. Quando digo nosso, quero dizer de todos nós, povos de países que falam o português: Portugal, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Timor Leste, São Tomé e Príncipe e Guiné Equatorial. Queria falar para eles que também li Almeida Garret na escola e achei chato na época. Será que eles sentiram a mesma coisa?
Mas é claro, fiquei na minha, comendo o meu macarrão parafuso.
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Crônicas
RandomCrônicas do escritor e jornalista Ronaldo Ruiz Galdino sobre as coisas do cotidiano, que parecem ser banais à primeira vista, mas que guardam grandes tesouros quando buscamos observá-las com mais cuidado. Toda semana uma crônica nova.