27

1.8K 131 49
                                    

POR JOSHUA

Chego completamente afoito ao prédio. Não vejo a hora de ver a minha pequena e tê-la de novo em meus braços. É difícil de acreditar que fiquei um ano e três meses sem a minha bambina.

Assim que passo pela portaria, o porteiro vem logo atrás de mim. Parece até estar assombrado com minha presença, o que não ligo muito, pois a saudade que estou de Any é tão grande que não quis saber de nada, apenas entro no elevador e aperto nosso andar. As chaves dançam em minhas mãos. Se ela mantem o mesmo horário de quando viajei, há essa hora já está em casa.

Abro a porta do apartamento cuidadosamente, a fim de não fazer muito barulho pois quero lhe fazer uma surpresa, mas ainda assim mantenho o sorriso iluminando meu rosto, tamanha a felicidade em que me encontro. Mas no momento em que percebo o local completamente vazio, esse mesmo sorriso some. O que diabos aconteceu aqui?

Aproximo-me do único móvel existente no apartamento e olho para o objeto em cima do mesmo: ABRA-ME E LEIA-ME, POR FAVOR. A tampa da caixa está marcada com um PARA JOSHUA e essa é, sem dúvida, a letra de Gabrielly.

Antes de sentar-me para descobrir o que aconteceu durante minha ausência, peço algo para comer, afinal de contas, vim do aeroporto direto para cá esperando encontrar Any aqui e amá-la até não poder mais.

Enquanto a comida não chega, tomo um banho extremamente gelado. Por Deus, há quanto tempo esse apartamento está vazio? Alguns minutos depois de me vestir, o interfone toca e peço que o entregador suba. No momento em que virava-me novamente para entrar no apartamento, o porteiro aparece outra vez.

— A menina foi embora seu Joshua. Fez a mudança há uns nove meses, mas mudou-se em definitivo a uns sete. Deixou apenas a chave comigo para que minha esposa de vez em quando fizesse uma pequena limpeza e não deixasse empoeirar. Aqui está a chave.

— Obrigado seu Alisson.

Consigo sentir de longe o quão constrangido o gentil homem estava por ter que me dar tal notícia, só não entendo o por que. O que será que aconteceu para que minha bambina saísse daqui? Começo a pensar que as respostas para minhas dúvidas estão no objeto sobre a mesa da sala a qual pretendo dedicar-me assim que colocar essa pizza para dentro.

Ao abrir a caixa, me deparo com um DVD portátil. Vou ao corredor para liga-lo na tomada, uma vez que não tem energia no apartamento. Ligado, nada acontece, e fico sem entender o motivo do mesmo, já que não tem nada dentro. Na sequencia, avisto inúmeras cartas, com tamanhos e larguras variadas. Reviro-as na esperança de compreender de uma vez o que aconteceu, até que percebo que estão inumeradas. Coloco-as novamente na sequencia percebendo que o destinatário é sempre o mesmo, eu.

Estremeço por um momento. Fecho os olhos com força ao pensar no pior. Respiro e passo as mãos pela letra perfeitamente desenhada de Any.

Sin Bandera
Si Tu No Estas Aqui

Sinto-me receoso com o que posso encontrar em seu conteúdo, mas o anseio por respostas dá-me coragem para abrir a primeira carta. Logo que a inclino, dois papéis caem sobre meus pés. Em um, uma carta escrita por ela, já na outra...

Corro meus olhos pelo exame em minhas mãos sem conseguir acreditar. Pego a carta e concentro-me nas palavras da mulher que amo.

Não quero estar sem você
Se você não está aqui me sobra o ar

... Adivinhe? POSITIVO. Parabéns Papai. Eu te amo! ...

Any, a minha Any grávida? É inconcebível evitar me sentir o pior de minha espécie. Não consigo acreditar que lhe abandonei justamente quando ela mais precisou de mim.

Depois que Gabrielly me ajudou a melhorar do pós-guerra, fiquei tão obcecado em voltar à África e ajudar aquelas pessoas, que não enxerguei o que estava por debaixo do meu nariz.

Começo a ler desesperadamente todas as cartas. Por vezes era surpreendido por fotos dela grávida, sempre com um sorriso maravilhoso nos lábios. Meus dedos percorrem toda a extensão de sua barriga que abriga ou abrigavam nossos bebês. E mais uma vez não consigo acreditar que perdi tudo isso.

Todavia o baque final vem no momento em que descubro o motivo do DVD. Assisto os ultrassons com os olhos transbordando lágrimas, sem me importar hora alguma com o que alguém possa dizer por eu estar sentado no corredor fazendo isso.

Os vejo e revejo milhares de vezes, a fim de decorar cada detalhe de seus corpinhos. Ouvir seus batimentos foi o ápice. Três coraçõezinhos disparando vida, amor... Milagre. Os nossos milagres. Não pude evitar que as lágrimas descessem sem controle por meu rosto.

Passo a ler as cartas como se minha vida dependesse delas. Era uma forma de me sentir um pouco perto de todas as situações e momentos que perdi.

Não quero estar sem você. Se você não está aqui me falta o sono.
Não quero andar assim. Batendo um coração de amor sem dono.

Hoje senti meu primeiro desejo. Acordei no meio da noite com uma vontade imensa de comer fast-food. Noah levou-me ao Mc'Donalds de pijama mesmo, e para completar usava nos pés minhas pantufas de vaquinha. Lembra-se delas Joshua? Você as comprou no primeiro ano em que nos conhecemos. Estranho que as mesmas ainda caibam em meus pés inchados e que estejam em bom estado.

As pessoas nos olhavam como se não batêssemos bem da cabeça, mas eu nem ligava, nossos bebês imploravam por aquilo. Nosso amigo pediu uma batata grande para ele, enquanto eu pedi três sanduíches diferentes, uma batata média, um copo de milk-shake, um de sorvete e ainda por cima uma torta de maça e outra de banana.

Muito, né? Mas não se preocupe, não comi isso tudo. Apenas provei um pouco de cada. Acho que pensaram que em vez de grávida eu era gorda mesmo. Mas no fim das contas saímos distribuindo as comidas para os moradores de rua perto do local.
Ah, como eu queria que você estivesse aqui.

Minha bambina, como queria ter estado ao seu lado, respondo-lhe em pensamentos. Fecho os olhos por um instante e consigo imaginar Any de pijama, com pantufas e toda esparramada em um dos bancos comendo tudo o que citou na carta, enquanto Noah a olha espantado. Rio amargamente e passo para outra correspondência.

Hoje um dos bebês chutou pela primeira vez. Infelizmente não consegui identificar quem foi, mas se continuar assim, já percebo que alguém na família puxou o gosto do papai por futebol.

Passo a odiar-me a cada carta que se passa. Gabrielly passou por tudo isso sozinha. Ainda que eu saiba que seus amigos, meus pais e Jô estiveram ao seu lado, o dever de cuidá-la e acudi-la era todo meu.

A vontade que tenho é de pular as cartas restantes e ir direto para a ultima para saber a que fim chegamos, mas sinto-me na obrigação de ler com todo cuidado e carinho a cada uma das linhas que ela se dedicou a escrever.

•••

SOS, ELE VOLTOU E EU NÃO CONSIGO ACREDITAR!!!!

Les Lignes de L'amour - II TemporadaOnde histórias criam vida. Descubra agora