Capítulo 5 - Maria Clara.

2.4K 280 88
                                    

Eu idealizei uma vida e ela seria boa! Muito boa por sinal

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Eu idealizei uma vida e ela seria boa! Muito boa por sinal.

Fiz uma lista de sonhos e nela eu seria médica como vovô, teria uma casa, um carro do ano e um cachorro. Algumas vezes eu me imaginava com um marido amoroso e filhos amáveis e eu faria de tudo por eles sem pensar duas vezes. Esse era meu sonho.

Muita coisa aconteceu comigo ao longo desses dez anos. Inúmeras decepções, frustrações e a minha total falta de sorte no amor foram algumas das coisas que sobreveio a mim nesse tempo. Vi que da minha lista de sonhos, algumas poucas coisas se realizaram e uma delas foi a minha formação acadêmica. Sou médica na ONG Médicos sem Fronteiras há dois anos e eu amo estar aqui. Eu amo ser quem eu sou e poder ajudar as pessoas.

Não me importo em não ter uma casa e um carro do ano. O que realmente me deixa feliz e satisfeita é sem sombra de dúvidas ver nos rostos das pessoas que atendo um brilho de esperança, de um amanhã sem medo, apenas com a certeza que estaremos aqui por eles e para eles. É emocionante falar isso! Sempre presenciamos situações de morte iminente. No começo isso me abalava muito, me deixava angustiada, impotente. Quando ia para a minha casa aqui no acampamento eu chorava a noite toda. Hoje, já acostumada não me abalo tanto.

Meses depois de chegar aqui no Vietnã com uma tropa de médicos de diversos países, comecei a me envolver com um dos médicos que já atuava na cidade, seu nome Augusto Vieira médico ginecologista e obstetra que se formou e se especializou na USP em São Paulo. Atuou alguns anos no hospital Samaritano na Vila Pompeia também em São Paulo. Ele disse que vem de uma família de médicos. Seus pais são neurologistas e sua irmã mais nova está se especializando em cardiologia. Augusto disse que quando informou a seus pais que viria para o Vietnã para trabalhar como voluntário eles piraram, pois nunca imaginaram que ele faria algo assim, mas que agora já se acostumaram com a ideia de não o ter por perto. Contei a ele que meus pais sempre me apoiaram, mas eu via o temor em seus olhos, principalmente quando disse para onde escolhi ir. Eles me fizeram um monte de recomendações quando vim para cá. O medo de uma guerra como acontece no oriente médio os preocupava. Os acalmei e vim com meu coração em paz.

Faz um pouco mais de um ano que sou mãe de um menino, seu nome é Júlio, quer dizer eu coloquei esse nome nele. Sua mãe biológica veio até o centro depois que Augusto junto com outros médicos foram até sua casa em uma das tribos próximas. Eles estavam em visita quando viram um movimento em uma das casas. Ele disse que foi entrando na residência e quando viu o que era pediu que todos se retirassem. A mulher estava em trabalho de parto e a parteira não estava conseguindo fazer os procedimentos para que o bebê nascesse. A criança estava sentada e não conseguiria nascer em um parto natural. A mulher já estava com hemorragia e não tinha mais forças para nada. Ele perguntou para a parteira e ela disse que fazia horas que a jovem mulher estava naquele sofrimento. Quando questionada em levar a mulher grávida ao centro, a mais velha disse que não nos acionou por receio, para não sofrer nenhuma recriminação ou algum atentado contra sua vida ou até mesmo contra sua família. Para ela e muitos outros habitantes do país, é contra as crenças e regras da aldeia em que vivem uma mulher dar à luz em um centro de saúde, eles não sugerem, na verdade,  eles coagem para que haja o parto domiciliar, pois o acham mais seguro do que nos centros de saúde. A jovem mulher foi levada às pressas a rede de cuidados, mas já era tarde tanto para ela quanto para o bebê. Quando fui acionada para um caso específico em ortopedia, vi Augusto assinando o atestado de óbito da mulher e da criança que era uma menina. Meu coração ficou apertado ao vê-las. Fiquei ali no centro e ele me disse que mesmo conseguindo conter a hemorragia, ela estava com um quadro grave de anêmica e mesmo com a transfusão de sangue não conseguiram salvá-la.

A Procura.Onde histórias criam vida. Descubra agora