– Ta tudo bem, Michelle-ssi? – a menina fingiu não ouvir a pergunta da irmã Sarah por conta dos fones de ouvido. Estava de olhos fechados pensando em como sua vida seria diferente se a mãe tivesse voltado para o Brasil depois que o pai dela a abandonou grávida em Seul.
Gentilmente a freira colocou uma mão no ombro da menina para que ela acordasse. Micha finalmente abriu os olhos e tirou os fones de ouvido. Odiava passar aquele período na igreja. Deveria estar na escola participando de algum dos inúmeros clubes que agora poderia fazer parte por conta da idade. Mas também odiava a escola porque era onde mais pensava nesse pai invisível que nunca a quis.
– Aconteceu alguma coisa, Micha? – perguntou a freira de novo, usando o nome coreano da menina. – Você anda muito quieta ultimamente. Nem ficou feliz com a notícia de que um dos garotos do BTS estava em Daegu.
– Não é nada, irmã Sarah. Estou com sono…
Mas a freira percebeu as unhas roídas e os pés balançando nervosamente sob a mesa que usavam para que as crianças fizessem o dever de casa. Ficou quieta fingindo que continuava sua leitura, observando a menina de canto de olho. Micha era uma menina extrovertida na maioria das vezes, tinha conversa fácil e amava servir de guia e ajudante para as crianças novas, como se fosse muito mais velha do que realmente era. Ela sabia que isso era apenas um disfarce, um jeito de esconder a insegurança por ser diferente das outras crianças ali.
Apesar de não aparentar ser estrangeira, como a mãe, Micha chamava atenção pelo tom mais escuro da pele e os cabelos naturalmente cacheados contrastando com os olhos caracteristicamente coreanos. Depois de um tempo Micha soltou um suspiro alto, olhando para o teto, fazendo a freira sorrir. Ser apática não era da natureza dela e ela sabia que muito em breve a menina começaria a falar, só precisava de tempo para organizar as idéias.
– Queria que tivesse sido ele o cara que a minha mãe encontrou ontem.
– Quem?
– O Suga… – ficou quieta de novo, pensando na mãe e no tal “cara famoso” que ela tinha atendido na lojinha.
– O que houve, Micha?
– Irmã… – começou ainda olhando para o alto. Não sabia como formular as inseguranças que vieram naquela manhã. Tinha dormido mal, sonhando com o tal cara famoso. No sonho, ele tentava conquistar Greta e levá-la embora, deixando Micha para trás porque ela era coreana demais para ser aceita na família brasileira e brasileira demais para ser aceita na família dele. Acordou suando frio, pensando que se o pai não tivesse sido um idiota, ela não precisaria se preocupar em proteger a mãe de outros homens e que se o cara famoso fosse o Suga, ela não precisaria se preocupar em ser deixada para trás, porque ele era um dos poucos homens que ela conseguia admirar sem se sentir insegura.
– Acha que eu seria aceita numa família coreana? – perguntou finalmente encarando irmã Sarah, segurando um lado do foninho de ouvido entre os dedos, nervosa.
A freira se virou completamente para a menina, encarando os cabelos cacheados e os olhos escuros. Micha era uma menina muito bonita, mas não parecia coreana mesmo com aqueles olhos. Alguém de fora diria que ela era de alguma ilha próxima à Tailândia, mas não coreana. E as famílias coreanas costumam ser mais fechadas com relação a estrangeiros. Mais ainda se ela for mãe solteira como a mãe de Micha.
– Sua mãe arrumou um namorado? – perguntou.
– Não… – respondeu a garota com os pensamentos perdidos. – Ainda não…
– Mas ela conheceu alguém… Que pode vir a ser um dia? – perguntou.
– Não sei… eu só… Deixa pra lá. – a menina abriu um sorriso grande para a freira. Era sempre assim, quando Micha começava a se abrir sobre seus medos e percebia que havia dito demais, voltava a se fechar e se esconder atrás de sorrisos e brincadeiras, aproveitando muito bem de ter o rosto angelical capaz de derreter qualquer coração adulto. – Posso ir embora mais cedo, hoje? Quero fazer uma surpresa pra minha mãe.
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Interlude (Suga)
Fanfiction[CONCLUÍDA] Greta vive com sua filha em Daegu. Não tem tempo para quase nada além de trabalhar, estudar e cuidar da filha. Mas consegue ouvir música boa e por isso é apaixonada em rap coreano. Mas seu contato acaba aí, conhece os nomes dos artistas...