O bom humor e a leveza do dia foram embora pouco depois de Micha sair para a escola. Greta não tinha mesmo intenção de ir à faculdade porque tinha certeza que não conseguiria raciocinar direito nada além da declaração que havia recebido na noite anterior. Só de pensar nisso seu estômago revirava em borboletas involuntárias. Seu plano era tirar aquela manhã para esfriar a cabeça sozinha. Talvez uma caminhada, um sorvete solitário, uma ida a algum parque, qualquer coisa que permitisse organizar os pensamentos antes de entrar para trabalhar na lojinha a noite. Por sorte não era dia de atender no restaurante. Mas seus planos morreram com um toque de mensagem no celular.
[Pode vir à loja agora?]
Ficou olhando a mensagem por cinco minutos inteiros sem conseguir de fato responder. Havia alguma coisa errada, isso era fato. Primeiro porque o sr. Joong não é o tipo que manda mensagens de texto porque a visão e a habilidade de usar tecnologias não ajudam em nada. O segundo motivo é que ele, de todos os chefes que Greta já teve em Daegu, era um dos únicos — junto de dona Luiza, no restaurante brasileiro — a incentivar ela a continuar os estudos e se formar, independente das dificuldades que a vida desse. Não fazia sentido ele pedir para ela ir à lojinha num horário que ela estaria em aula.
Ao chegar à lojinha, encontrou as portas fechadas, as luzes apagadas e o letreiro de que funcionava 24 horas por dia desligado. Um alarme começou a soar na mente da brasileira. Nos dois anos que trabalhou ali, não teve nenhum dia de loja fechada, nem mesmo durante o natal. A primeira coisa que pensou foi que alguém havia assaltado a loja durante outro turno. A segunda foi que o sr. Joong finalmente fecharia aquele lugar e cumpriria suas ameaças de ir viver de sua aposentadoria na Ilha Jeju. Nenhuma das duas opções era a correta, no entanto.
— Gleta-ssi, que bom que veio rápido.
Greta apenas o cumprimentou com uma inclinação levíssima da cabeça, com medo do que viria. O sr. Joong era um coreano idoso, uma cabeça mais baixo do que ela. Estava começando a perder cabelo, mas ainda conservava uma expressão séria que o tornava um homem bonito, mesmo com a idade avançada.
— Existe algum motivo para não gostar de trabalhar aqui? — ele perguntou depois de um longo silêncio encarando-a.
— Não, senhor. Eu gosto de trabalhar aqui. — respondeu imediatamente. O principal motivo era a localização, a lojinha ficava entre o apartamento, a igreja onde Micha passava as tardes e a faculdade. Não gastava quase nada de transporte, o que significava uma renda mais confortável no fim do mês. — Aconteceu alguma coisa? — perguntou por fim, começando a suspeitar do teor daquela conversa. — Senhor. — completou.
Sem responder, ele tirou o celular do bolso — um modelo antiquado que teria dado orgulho à mãe dela — e deu play num vídeo de baixa resolução que mostrava a loja. Apesar da má qualidade da imagem, ela se reconheceu imediatamente. Estava cochilando em cima do livro de Química Orgânica. Lembrava-se perfeitamente daquele dia, tinha sido seu primeiro encontro com Suga. Ficou imaginando se o sr. Joong não estava mostrando aquilo por ter reconhecido o idol, mas ele adiantou o vídeo e outro dia apareceu na tela. Nele Nari estava visivelmente bêbada, segurando a porta do refrigerador de bebidas aberta com uma das mãos e as sandálias caras com a outra. Viu quando ela pegou a garrafinha de soju e depois se viu tirando a bebida da mão dela e virando tudo num único gole para que ela não misturasse soju e vinho. Também se lembrava desse dia e do sabor amargo do álcool.
Desviou os olhos do aparelho e se deparou com o sr. Joong a encarando de perto. Ele deu pausa no vídeo no momento em que ela levava a garrafinha verde aos lábios e olhava para a câmera. Lembrou-se de ter um mau pressentimento sobre aquele momento naquele dia, mas tanta coisa havia acontecido depois que acabou se esquecendo do incidente. E agora estava ali, prestes a concluir que devia confiar mais na própria intuição.
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Interlude (Suga)
Hayran Kurgu[CONCLUÍDA] Greta vive com sua filha em Daegu. Não tem tempo para quase nada além de trabalhar, estudar e cuidar da filha. Mas consegue ouvir música boa e por isso é apaixonada em rap coreano. Mas seu contato acaba aí, conhece os nomes dos artistas...