Ela se sentia estranha vestida daquele jeito, para um encontro. De propósito. Podia sentir o olhar da filha em sua cabeça, lá da janela do apartamento no segundo andar daquele prédio simples. Era como se pudesse ouvir todos os pensamentos dela passando por telepatia. "Ele não é o Suga, por que vai sair com ele?". "Você não precisa namorar, por que vai sair com ele?". "Eu não sou o suficiente para você?".
Sendo bem sincera consigo mesma, eram perguntas que ela faria se fosse outra pessoa no lugar dela. Já tinha descoberto a verdade sobre o cara misterioso que tinha mexido com ela sem querer. Então por quê continuava com aquela encenação? Apesar das semelhanças gritantes entre August e Yoongi, ela conseguia agora ver claramente as diferenças. Sempre que tentava se forçar a pensar no primeiro como algo mais próximo de sua realidade, lembrava-se do encontro no Porão, quando ele tentou exibi-la como um troféu para as pessoas.
Soltou um suspiro e ajeitou a jaqueta jeans que havia escolhido para aquele "encontro". Enquanto as coreanas escolhiam por vestidos delicados e femininos para o primeiro encontro, Greta estava usando uma calça escura, rasgada em vários pontos estratégicos, seu coturno de amarrar e uma blusa estilizada que mostrava os ombros e as tatuagens que tinha pelo colo. Cobriu tudo com a jaqueta jeans que ganhou de Lola através de Nari, porque sabia que os coreanos não eram os maiores fãs de tatuagem e ela tinha uma coleção delas de quando ainda morava no Brasil.
Ela poderia ter ido se encontrar com ele diretamente no café onde tinham combinado. Mas August, ou melhor, Park Min Su, tinha feito questão de buscá-la para aquele encontro. "Provavelmente quer exibir o carro ou algo do tipo", argumentou Nari quando Greta tinha contado a ela sobre isso. Ela não fazia ideia se era isso mesmo ou se era apenas para saber onde ela morava. Por precaução, ela estava a cinquenta metros da fachada do próprio prédio. Podia ver Micha dali - e vice-versa - e ainda assim fingir que vivia no prédio ao lado.
Alisou a jaqueta, ansiosa, todos os seus sentidos avisando que aquele encontro era um erro. Insistir naquele homem era um erro. Mesmo que esse erro fosse muito parecido com quem ela realmente quisesse ver. Chegou a pensar em desistir e ligar dizendo que havia acontecido um imprevisto, mas Min Su foi pontual e chegou logo que o pensamento passou pela cabeça dela.
Ao contrário do que Nari tinha apostado, ele chegou caminhando. Usava calças jeans claras e com alguns rasgos, um par de tênis all star e uma jaqueta de couro preta por cima de uma camiseta simples. Mais parecido do que nunca com Suga. O cabelo claro não vinha coberto por um boné, no entanto, mas estrategicamente bagunçado para que precisasse tirar a franja dos olhos o tempo todo. A visão fez com que Greta ficasse mais nervosa ainda. Olhou para Micha por cima do ombro e sorriu como quem diz "estou bem, vá para dentro", mas a menina continuou no mesmo lugar, parecendo uma corujinha atenta.
Aquilo não passou despercebido por Min Su e lentamente ele acompanhou o olhar da moça para a janela do prédio na esquina, onde uma garotinha de cabelos escuros e bem armados o encarava como se imaginasse uma morte bem lenta e dolorosa. Aquilo fez o cabelo fino da nuca dele se arrepiar.
– Ele chegou? – perguntou Nari se aproximando da janela de onde Micha não saía mais.
– Uhum. – respondeu a menina sem desviar o olhar do olhar do rapaz.
Nari apareceu na janela bem a tempo de vê-lo estremecer encarando de volta. Dali ele realmente se parecia muito com Yoongi. Não era a toa que Greta os confundiu num primeiro momento. Conhecendo-a bem como ela conhecia, sabia que a brasileira não tinha tempo para nada além de trabalhar. Só ia ao Porão com ela porque ninguém conseguiria ficar vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, ocupada com trabalho e preocupada com a filha. Era sua válvula de escape. Não era difícil, dada a sua situação, não perceber as diferenças sutis entre os dois assim que os conhecia.
– Nossa, daqui dá a impressão de que ela quer me matar. – comentou Min Su assim que Greta o encarou. – É sua irmã mais nova?
Lentamente ela virou a cabeça na direção que ele olhava e deu de cara com as duas espiando-os da janela. Nari se escondeu na hora, fugindo do olhar de Greta, mas Micha não. A menina continuou ali parada, encarando os dois, julgando-os pelo que iam fazer assim que saíssem dali. Para a menina o Muster, a tia falando de J-Hope o dia inteiro e o silêncio da mãe indicavam apenas uma coisa: ela sabia que aquele cara não era o Suga. Então por que continuava insistindo naquilo? Não fazia sentido nenhum.
– Ah, ela? – Greta começou, encarando Min Su com frieza. – É minha filha. – não tinha a intenção de mencionar isso logo de cara, mas já que Micha tinha chamado a atenção dele, era melhor que já ficasse sabendo que além de estrangeira, negra, ela era mãe solteira e não precisava de nada além da filha para ser feliz.
– Fi-filha?! – ele finalmente desviou os olhos da menina, que sinalizava que ia ficar de olho nele, como uma pequena terrorista. – Você é casada, Gleta-ssi?
– Não. – respondeu a moça ajeitando a alça da bolsa no ombro e começando a andar. Min Su a seguiu correndo.
– Viúva?
– Também não.
– Ah filha... ha ha ... – riu ele sem jeito. – Boa piada... quase acreditei.
– Não é piada.
***
Assim que eles saíram, Micha voltou para dentro do apartamento e encarou Nari. A moça parecia tão desgostosa daquele "encontro" quanto ela. Roía unha do dedão, pensativa. Tinha que dar um jeito de impedir que aquele encontro virasse um novo encontro depois. Não reparou quando a menina pegou o celular e começou a digitar loucamente.
– O que está fazendo? – perguntou insegura. Micha não respondeu, mas isso ao invés de fazer a moça se distrair de novo, fez com que prestasse mais atenção ainda na menina. – Micha?
– Você é a favor daquilo, tia Nari? – respondeu a menina apontando para a janela com cara de nojo. "Aquilo", era a mãe dela e um possível padrasto. Ela entendeu perfeitamente a revolta da menina.
– Claro que não! – respondeu. – Mas a sua mãe é uma mulher adulta, Micha, ela sabe o que faz.
– Sabe nada! – argumentou a menina, voltando a prestar atenção no celular e lendo as respostas de seja lá quem estava falando com ela. Nari deixou o olhar se perder de novo na direção da janela. Precisava ajudar Yoongi, mas não sabia como.
– Como vamos atrapalhar isso? – murmurou para si mesma.
– Você topa?!
– O que? Oi, topo o que?
– Eu tenho um plano. – respondeu Micha indo até o quarto e pegando a própria mochila. – Me ajuda?
– Plano? Que plano? O que você pretende fazer, Michelle-ssi?
– O que você não tem coragem. – respondeu assumindo aquele ar teimoso que a deixava mais fofa ainda. – Vai me ajudar ou não? Eu preciso de um adulto para me acompanhar.
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Nota da autora: capítulo curtinho que devia ter sido postado antes, mas tive problemas. Amanhã não teremos atualização dessa, mas Persona está aí para quem quiser começar a ler. Vou focar nela esse fim de semana.
beijos <3
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Interlude (Suga)
أدب الهواة[CONCLUÍDA] Greta vive com sua filha em Daegu. Não tem tempo para quase nada além de trabalhar, estudar e cuidar da filha. Mas consegue ouvir música boa e por isso é apaixonada em rap coreano. Mas seu contato acaba aí, conhece os nomes dos artistas...