꧁𝑽𝒊𝒏𝒕𝒆 𝒆 𝒔𝒆𝒕𝒆꧂

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𝑵𝒐𝒓𝒂 𝑫𝒂𝒓𝒍𝒊𝒏𝒈

Dez dias depois, lá estava eu. Sentada à mesa, tomando café da manhã sozinha. Pensando sobre o que estavam me escondendo. Já tentara persuadir Pan a me falar alguma coisa, claro, mas este sempre mudava de assunto ou simplesmente não respondia. Eu já estava me estressando mais do que deveria e não conseguia calar a voz na minha cabeça que me dizia para sair daquela maldita toca e ir investigar.
Mas já era inverno, e as estações em Neverland eram rigorosas. Não daria pra sair do local sem pegar um resfriado ou se afundar na neve.
Provavelmente todos estariam em casa, descansando e praticamente não haveria sinal de vida na ilha. Em exceção dos índios, ou quem miseravelmente estaria pensando em caçar naquela época. E, em grande hipótese, era provável que não simpatizassem com uma garota inesperada de cara.
Mas quem eu engano? Estamos falando de uma Darling, e eu não iria ficar sufocando naquele lugar enquanto as respostas não estivessem fixadas no meu cérebro. Cansei de esperar. Todo esse tempo só adiaram o que sempre quis saber, e não há por que deixar para depois o que se pode fazer agora. E se o é feito, é por que tal pessoa tem algo que a desagrada. E se a desagrada, não há de ser algo bom.
Más notícias chegam depressa, e se essa ainda não chegou...
estremeço só de pensar. Deve ser muito pior do que é o esperado.
Ponho uma roupa capaz de me aqueçer lá fora, e carrego minha adaga na bota, caso precise. Paro em frente à porta. Olho duas vezes pra dentro de casa, mas acabo saindo.
Assim que saio, o vento forte e gelado me invade, e bagunça meu cabelo. Só se via a neve branca por toda parte, inundando a ilha com sua beleza. Por mais árduo que fosse, o inverno a deixava mais bela do que nunca, e eu tinha a noção de quão mortal essa beleza poderia ser.
Eu poderia até ser suicida, mas já havia decidido e não havia outros meios de me satisfazer. Me falaram que a área inalcançável era o sul, portanto não duvido que os piratas estejam lá. Falar com Petter estava fora de cogitação, eu não era burra o suficiente pra acreditar que ele me daria uma resposta. Não, ao menos, a que quero. As fadas seriam uma opção, se eu fizesse ideia de onde achá-las e como me receberiam.
Me encontrar com os índios também não seria tão agradável, e os meninos perdidos eram normalmente fiéis pra me contar alguma coisa.
Não havia modo, senão inexistente, de encontrar. E se havia, simplesmente não me passou no momento.
Segui, o mais cautelosamente possível. E se eles não pertencessem a esse grupo? Me arriscaria à toa. Não. Provavelmente devem ser. Eles com certeza não simpatizavam com Pan ao ponto de serem leais a ele. E pelo que Kevin me contou, os índios não costumam ir muito pra essa direção.
A rivalidade entre os piratas era grande, portanto, era uma opção viável.
Embora eu preferisse muito mais ver Jace com asinhas de fada.
A neve diminui conforme me aproximo do litoral, onde o acampamento dos piratas estava. Naturalmente, não estavam na água. Séria difícil nessa época do ano, onde os arredores da ilha estavam praticamente congelados, e faltava pouco pra água virar um completo gelo. Bem, ao menos não teria a opção de me jogarem da prancha.
Sei que estou chegando ao meu destino, quando as árvores já começam a se dispersar, dando à vista pra uma imensidão azul. Ao dirigir meu olhar para a direita, já se pode perceber uma movimentação ao longo da praia. Me escondo pelas poucas árvores que ainda restam.
Como eu iria falar com eles? Ah, não pensei nessa parte. PARABÉNS NORA. Achá-lo não seria o problema, reconheceria aquele rosto em qualquer lugar. Mas pensando, pela primeira vez pensando, eu era uma estranha pra eles. E seria tratada como tal.
Mas era isso o que eu era, certo? Uma garota estranha. Perdida. Pra piorar a situação, em um ilha onde a porcentagem masculina é maior.
Hoje me parece uma ironia, nunca pensaria isso antes.
Repita, Nora:
Eu sou uma garota perdida na terra do nunca.
Talvez me acorde quando eu achar que sou eu serei mais que isso algum dia.
E se eu ao menos quiser, não me adianta ficar distraída com piratas a minha volta, convenhamos.
Me assusto quando a proximidade já chega ao ponto de ouvir seus diálogos. Bem porcamente, claro, notando que não falavam nada notariamente agradável. Era sobre o quê...? As melhores prostituas da região? Dou de ombros. Não interessa.
Me abaixo e observo em silêncio a procura do que queria.
-- ...Ele se encontrou com Pan semana passada pra negociar.- anuncia uma voz aguda, de um gorducho que eu podia ver pela renda entre as pedras.
Opa, isso até que atraiu um interesse.
-- Até foi, mas ninguém sabe ainda o que deu. E é melhor ele pega-la de algum jeito, ou estamos ferrados. Nunca se demorou tanto assim pra sequestrar uma mulher.- acrescenta o outro membro, meramente insignificante, do diálogo.
-- Disseram é uma criatura atrevida, deve vir se vingar. Será que o capitão nos deixaria possuir ela? Normalmente acontece.
O outro ri.
-- Não, o próprio capitão deve a tomar para si.
Me amaldiçoando, deixo escapar um arquejo de surpresa. Poderia nem ao menos se tratar de mim, o que era difícil. E o sendo, Petter não havia mencionado negociar com piratas. E o que eu queria? Não é como se eu fizesse parte da sua vida, ou algo assim. Mas ainda era algo ruim já que não o fora mencionado...
E obviamente, com o azar habitual, uma mão puxou fortemente meu braço. Já me via de cara com um pirata asqueroso, com os olhos vermelhos de tanta bebida. Eu gostaria de ter algum Deus para rezar nesse momento, mas nunca fui religiosa. Mas rezei. Pra qualquer um que me viesse a cabeça.
-- Olha o que achamos aqui, Rupert- diz o mesmo, a voz nojenta maliciosa- chame o capitão, ele vai adorar isso aqui.
Rupert sorri entusiasmado, feliz por agradar a seu chefe e vai correndo até a maior residência do acampamento.
-- Nem precisamos ir atrás de você - ele ri e me arrasta junto com ele, abrindo caminho entre os outros.
Os piratas, e confesso, haviam mulheres também, param imediatamente o que fazem para olhar a cena. O homem levanta meu rosto bruscamente:
-- Levanta a cabeça, princesinha. Querem apreciar a conquista.
O olho com tanta raiva que ele desvia o olhar. Gostaria que ele fizesse o contrário e o fixasse, pra ver se assim eu conseguiria estourar seus miolos.
Me debato e luto o quanto posso, e sou jogada pro interior do inferno, onde lobos famintos me esperavam.

𝐃𝐀𝐑𝐋𝐈𝐍𝐆.Onde histórias criam vida. Descubra agora