𝒒𝒖𝒂𝒓𝒆𝒏𝒕𝒂

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Peter Pan

Balanço as algemas entre os punhos. Eu era um deus e devia ser tratado como tal, mas o pensamento nem se passava na minha cabeça. Nós aceitamos o amor que achamos que merecemos. Aceitamos a punição que achamos que merecemos.
Obviamente não achavam que fosse me segurar, mas sabiam que eu não tentaria fugir. Era apenas um lembrete...eu não estava sendo um convidado. Não comandaria Neverland mais, pelo visto. Nem meus poderes eu possuia, estava apenas sendo um cordeiro, entre os grandes lobos. Mortal, entretanto. Mantinha-me vulnerável entre os poderosos. Via minha mãe as vezes, e não era novidade que com Ares fosse diferente. Rio internamente. Nunca tinha sido do tipo paternal...
Logo eu iria descer. Sabia disso. Conviver com os tais humanos. Talvez pudesse ver Nora, mas garanto que não deixariam que eu sequer tocasse nela.
E eu sou egoísta. Não iria suportar olhar de longe.
Já não suportava olhar de perto, enquanto sabia de tanta coisa...
Nora era uma peça no tabuleiro. Um pertence, que eu prendi em uma caixa enquanto pude. A contava doces mentiras.
Erro.
Eu nem ao menos contava.
Acho que não espero perdão. E do que falo? Ela não me ama. Por mais que eu não tenha acreditado em suas palavras no começo. E fodase, é um direito dela, mas é tão ruim querer merecer alguém? O único propósito na minha vida foi manter deuses vivos, e agora é patético pensar que vão me descartar exatamente por fazer o que querem.
E eles descartam. Sempre.
Foi inútil pensar que não iriam fazer o mesmo comigo.
Quem iria amar um monstro?
Sinto vontade de rir ao pensar que fiquei exposto daquele jeito. Mas ao menos disse o que sentia. Posso morrer com essa.
Nora já sabia de algumas coisas, e suspeito que Jace tinha se metido nisso. Ele havia tocado nela? O incesto nem me surpreende mais. Ela sabia que eram praticamente primos? Suponho que não. Em meio a tanta gente, Wendy tinha que se envolver justo com gente daquela laia.
Não duvido que seja capaz de tal ato, fariam de tudo pra me atingir. Aperto os lábios em uma linha fina.
Eu já tinha os atingido bastante, porém.
Ergo o olhar para ver quem bate em minha cela. Mamãe. Ela abre um sorriso misterioso.
-- Bom dia, querido...- já era noite no horário mundano.- estão te convocando para outra reunião.
Provavelmente para falar sobre a viagem. Me levanto, segurando a mão de Afrodite. A mesma a aperta de leve e caminha graciosamente pelo longo corredor estreito. Algo relacionado a sua divindade, presumo. Ela podia levar uma facada e nunca perderia a graça. Nunca soube se ela gostava mesmo disso, mas ainda assim se aproveitava das suas habilidades. Não julgariam das melhores formas, mas mamãe sempre esteve acostumada a ser julgada e a dar o dedo do meio para opiniões alheias. Sempre fora assim, desde que surgiu dos mares. Tudo bem que era o esperma de Urano, daí já não se espera pouco. Me lembrava alguém.
Seus olhos eram azuis cristalinos e beiravam ao esverdeado, assim como os meus. O longo cabelo recaia em espirais, parecendo as própias ondas, e eu até hoje nunca soube sua cor. Era loiro ou castanho? Dependia de seu humor. Já tinhaa visto várias vezes minha mãe com o tom de pele como carvão, e sabia como também ficava incrível. Nunca reclamou por ela e Zeus serem os únicos mais habilidosos em mudar de forma, gostava de guardar a maior beleza para si mesma. E detestava, absolutamente, quando comparavam alguém com ela. Era passagem só de ida para sua lista.
Batucava os dedos pelas paredes douradas. O Olimpo era imenso, sem fim até, como outro universo a ser descoberto. O submundo era o mesmo, assim como as extensões de Neverland. Mesmo que a ilha acabasse, havia muito mais a ser descoberto. Apenas ninguém sabia como sair de lá.
Deuses... sempre queriam ter o poder de por um fim ou começo nas coisas, mas em seus própios domínios era outro caso. Dessa vez, mais complexo.
Finalmente chegamos no longo salão de ouro. Quando digo longo, é literalmente. Caberiam dois bairros ali.
Me sento em frente a todos. Me ajoelharia, mas uma coisa que tinha aprendido era não demonstrar rendição a ninguém. E já o tinha feito, entretanto.
Aperto a borda do assento, os nós dos dedos brancos. Todos os olhares se voltavam para mim ali. Exceto os de Perséfone. Estava distraída como sempre, suponho. Era raro não estar. Devia ser por isso que Hades a adorava tanto, não prestava tanta atenção em um erro seu. Não quando haviam tantos.
Dirijo meu olhar a Hecate. Em certo tempo, ela coraria. Agora não éramos mais tão íntimos assim. Ela cresceu. Nós crescemos.
Mas ninguém me dá a notícia. Ela mesma se manifesta. Nora adentra o salão carregada por quatro musculosos braços, e os lacaios de Zeus a soltam sem o ínfimo de delicadeza. O cabelo bagunçado esvoaçava em seu rosto e os olhos continham certo fogo, do qual, eu não me esqueceria.
A questão é:

-- Como ela veio parar aqui??

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Continua...

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