França, 1885
Poseidon estava resoluto: só poderia ser um sinal do destino. (E já fazia algum tempo que ele não mais duvidava dos mistérios da existência).
Quer dizer... quais as probabilidades daquilo acontecer?
Não podia ter filhos, visto que não desejava arriscar a própria sorte, mas uma moça quase freira... Precisava conhecê-la. Nem que fosse apenas por pura curiosidade daquele "e se...".
Uma estranha excitação o tomava. Nunca havia se permitido cogitar essa possibilidade, mas casar-se com uma estrangeira inocente e boba, com uma criação religiosa ainda... seria perfeito! Aplacaria os anseios de seu pai e, quando o tempo passasse e ela não concebesse nenhum herdeiro, bom... isso não seria nada diferente de seu irmão e Perséfone. Uma pena...Há!
Estava determinado a encantar a moça carola com um comportamento impecável até que decidisse se casar com ele, ainda que ela fosse o ser mais entediante e repugnante do planeta. Ela não ser muito bonita inclusive lhe ajudaria na tarefa de evitar qualquer contato conjugal. Isso e as longas viagens "inadiáveis" que providenciaria para si ao longo dos primeiros anos de casado. Que deus fosse louvado e lhe ajudasse com esse plano.
Mal formulou a ideia de agradecimento divino e já arrependeu-se, engolindo em seco. Não sabia no que estava pensando quando acreditou que o destino lhe seria gentil.
O homem russo aguardava na sala apoiado em sua bengala, todo ele muito rígido e imponente, ao lado de uma elegante mulher de cabelos acobreados que deveria ser sua esposa. Próximo a eles estavam as garotas que Poseidon imediatamente reconheceu como suas filhas, as três em pé ao lado da janela, formando uma espécie de escada de tamanho que, de algum modo, também correspondia com a tonalidade dos cabelos.
A caçula tinha os cabelos escuros do pai, a do meio se assemelhava muito à mulher mais velha com as madeixas castanho-arruivadas, mas foi na última da fila que o marinheiro se perdeu. Alta e esguia, a jovem mais velha era pálida e loira, os olhos azuis tempestuosos como se ela própria fosse a encarnação da terra gelada de onde viera.
Estivera preparado para uma moça esquisita, para uma jovem tímida e claramente religiosa, mas nada no mundo poderia tê-lo deixado pronto para aquilo: a mulher parecia ter saído diretamente de seus desejos mais profundos.
Oh, merde.¹
-*-*-
Atena orgulhava-se secretamente de sua saída triunfal da carruagem e relembrar aquele momento em silêncio era o que lhe fornecia o mínimo de prazer naquele momento excruciante de espera.
Arg. Se pensasse muito no que aconteceria a seguir, tinha certeza de que seria capaz de vomitar. Em sua cabeça esse tal Poseidon já lhe era totalmente desprezível. Nojento. Calhorda. Patético.
Certamente deveria ser um velho rico e encalhado ou um filhinho de papai mimado e insuportável, incapaz de conseguir fazer qualquer mulher se interessar por conta própria e, por isso, precisando de uma qualquer desesperada e sem o menor brio para impedi-la de se submeter a esse destino desgraçado de tornar-se sua esposa.
Era triste ser a garota desesperada da história.
Olhava para o jardim por cima do ombro pensando que, se seu destino já estava condenado à infelicidade, ao menos o cenário de seu exílio seria agradável. Não havia nenhum ornamento suntuoso demais à vista que a fizesse se sentir sufocada, e as rosas lhe pareciam ser cuidadas com esmero e elegância suficiente para que se recordasse de casa. Se houvesse naquela propriedade uma biblioteca, ela talvez pudesse suportar...
Racionalmente sabia que estava se excedendo. Ainda não havia sido arranjado nenhum casamento e as coisas poderiam transcorrer de forma completamente distinta do que vinha imaginando desde que seu pai lhe falara naquele fatídico dia. Mas só de pensar em ser obrigada a ver toda uma vida de planos e crenças desmoronar a sua frente e ter de se resignar... Seu corpo estremecia.
Ouviu passos rápidos e firmes descendo a escada e seus punhos cerraram-se automaticamente ao lado de seu corpo, em expectativa. Um homem muito mais novo do que concebera mentalmente adentrou o cômodo e, no mesmo instante, o aperto de sua mão direita perdeu a força.
Monsieur Legrand, como estava se forçando a acostumar tratá-lo em sua mente, exibia um sorriso de canto jovial e a pele bronzeada de alguém que passava muitas horas ao sol. Seus cabelos negros, apesar de um tanto desgrenhados, forneciam-lhe um charme especial em contraste com os olhos verdes e as vestes de linho azul marinho.
Poseidon aparentava ser simpático, sagaz e era indubitavelmente belo.
Ela não entendia. E Atena detestava não entender.
{¹Merde = Merda}
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Amarras
RomanceMadeira é o destino de Poseidon. Duro, seco, oco. Pérolas são as aparências que Atena e os Hugh insistem em manter. A altiva frieza e distância que ela colocou entre si e o mundo. Conchas são um presente singelo e significativo. É a quebra de barrei...