Renda & Maresia - Capítulo 32

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França, 1885

Poseidon observa seu próprio reflexo, encarando-lhe de volta naquele espelho de corpo inteiro e tem certa dificuldade em acreditar que aquele dia havia finalmente chegado.

Trajava um casaco de veludo fino debruado – azul profundo intrincando-se com detalhes em prata – e aqueles tons lhe faziam recordar de um céu estrelado depois da tempestade, imagem que não podia deixá-lo mais satisfeito.

Pensou em Atena – era impossível não fazê-lo, especialmente sabendo que ela também devia estar igualmente se aprontando para o enlace eminente – e se perguntou que tipo de ideias deviam estar cruzando sua cabeça naquele instante. Será que se arrependera? Desejaria voltar atrás? O caminhar até ele na igreja lhe seria penoso como um calvário ou ela também se enxergava alcançando uma espécie de libertação?

Não sabe bem como convenceu aquela loira fantástica a desenvolver a recente proximidade amiga, tão contrastante quando comparada à animosidade inicial, mas lhe é infinitamente grato e, ainda que suprima as palavras diante dela, promete a si mesmo naquele instante que fará tudo a seu alcance para ela seja feliz de todas as formas que lhe puder proporcionar.

Ouve duas breves batidas na porta e, um instante depois, Hades faz seu caminho para dentro do cômodo, elegantemente trajado com um terno preto e uma camisa cor de creme, sorrindo ao ver seu irmão caçula – o destemido e implacável Poseidon Legrand, pirata e rico comerciante, sempre tão dono de si – nervoso com o próprio casamento.

- Nada mau, irmão. Nada mau.

Aqueles tapinhas nas costas eram familiares de um modo que encontrou ali a coragem que lhe faltava. Respirou fundo uma, duas vezes, e acompanhou o mais velho porta afora, em direção ao seu futuro, fosse ele qual fosse.

-*-*-

Atena já havia usado branco diversas vezes na vida. Podia inclusive classificá-la como uma de suas cores favoritas, se fosse elencá-las (e já podia imaginar Poseidon debatendo consigo de que aquela não era propriamente uma cor), mas não importava a somatória de oportunidades que a tonalidade tocara sua pele, nenhuma se assemelhava àquela.

Tocava busto e saia do vestido acomodado em seu corpo como uma artista, a soma do ímpeto de quem testa novos matérias com o deleite vagaroso de quem contempla uma obra-prima. O tecido era firme sob a ponta de seus dedos, porém macio, e ela sentia a cabeça leve demais, um quase nada de tontura e a inabilidade de traduzir o significado dos comentários animados a sua volta, provenientes das demais mulheres da família que se concentravam nos últimos detalhes, minucias que ela não se sentia capaz de contabilizar.

Estava presa na experiência sensorial do momento, mesmo o próprio vestido lhe soava transformado: o escolhera junto às irmãs, mãe e tia numa boutique elegante do centro; experimentara-o e vestira-o outras tantas vezes mais para que os ajustes no comprimento e na sua cintura fossem feitos, mas parecia ser a primeira vez que o notava em sua completude, do decote discreto ao modo como miudezas cor de creme, prata e azul cobalto espalhavam-se por entre as dobras daquela tela alvíssima.

Atena tinhas os cabelos loiros presos em um coque cheio e já antecipava os largos cachos que escorreriam por suas costas quando desfizesse aquele emaranhado de grampos mais tarde. O mero pensar em despir-se – num novo quarto, acompanhada – fazia suas mãos suarem, portanto sacodiu a cabeça ligeiramente e permitiu que sua mãe prendesse o véu com uma presilha cravejada de pérolas. O véu em si era simples, sem brilhos ou babados, apenas uma renda delicada que descia majestosamente até o chão, abrilhantando a visão que era Atena vestida de noiva.

Sua tia tinha os olhos marejados ao estender-lhe o buquê de lírios brancos – símbolo de pureza, lealdade e amor incondicional; nada mais adequado, haja visto o que a conduzira até ali – e ela sabia que aquele azul sincero estava cheio de esperança de que sua sobrinha encontrasse um final tão feliz como o seu. Não era segredo para ninguém o quanto Afrodite tinha fé no amor e, embora definitivamente não enxergasse em si as mesmas inclinações para contos de fadas, estava mais do que satisfeita com o contentamento tímido que crescia em seu peito desde que despertara naquela manhã.

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