Renda & Maresia - Capítulo 31

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França, 1885

Apolo sentia seus miolos derreterem e suas entranhas congelarem, o que era uma combinação no mínimo esquisita e deveras desagradável para a manutenção de sua sanidade.

Não que houvesse algo de errado de que pudesse se queixar, pelo contrário. Todos estavam muito animados com a proximidade do casamento que se daria dali a dois dias e o sentimento geral, seja da família ou dos próprios funcionários da mansão, era de excitação com os últimos detalhes, fossem eles as incontáveis provas de roupas, ajustes no cardápio, limpeza das louças, arrumação dos arranjos de flores, etc.

Mas em seu caso particular a chegada da primavera não indicava apenas festa, mas também a certeza de que logo na sequência deveria retornar para suas aulas na universidade.

Normalmente aquilo não seria problema. Gostava muito de seus professores e colegas, para ser sincero, mas as coisas em sua vida pessoal não estavam... propriamente definidas, então de quando em quando era tomado pelo medo de que se despediria de todos tranquilamente com um inocente "até logo" apenas para descobrir alguns meses depois que aquele fora um "adeus" mais permanente e Artemis se fora de volta para a Rússia, sem perspectiva de retorno, e os dois ficariam indefinidamente naquele talvez suspenso no tempo e espaço.

Entendia o lado dela, de verdade. Ele próprio precisara de sua própria cota de poesias românticas e suspiros exasperados ao piano quando sequer começou a desconfiar de seus sentimentos pela prima, e mesmo isso ocorrera algumas estações atrás, dando-lhe tempo para assimilar a amplitude de seu carinho, idealizar futuros felizes a seu lado e saborear os efetivos momentos em sua companhia com o paladar agridoce de quem não sabe se é correspondido.

Suspirando, apoia o antebraço direito na prateleira defronte a coifa da lareira acesa na biblioteca e a sombra de um sorriso trespassa-lhe o rosto jovem, imaginando que, se fosse mais como seu pai, Antoine, talvez segurasse um copo de xerez entre os dedos, julgando que a quentura na garganta e o nublado nas ideias seria a melhor forma de lidar com sentimentos conflitantes.

(Agradecia a Deus por Afrodite ter aparecido em sua vida e lhe oferecido uma felicidade despreocupada ao longo de todos os anos que antecederam sua morte. Se seguisse naquele luto mal curado pela perda de sua primeira esposa, sua mãe, Apolo acreditava piamente que teria lhes deixado muito mais cedo).

Não se valeu do álcool, entretanto, contentando-se apenas em repousar a testa nas costas da mão e expirando o sofrimento poético que era estar apaixonado. Interior queimando como as lenhas consumidas pelo fogo que via bruxulear, mesmo de olhos fechados.

Ajeitou a postura ao ouvir a porta se entreabrir. Imaginou que fosse sua madrasta e não queria preocupar Dite novamente com suas questões, especialmente sabendo que seria impossível negar-lhe de quem se tratava, caso ela lhe perguntasse.

Virou-se com uma desculpa pela falta de sono no horário avançando coçando-lhe a ponta da língua, mas ela morreu na garganta ao se deparar com a própria Artemis, timidamente encolhida ao lado da pesada porta de madeira.

- Artie?

Ela usava nada além de uma diáfana camisa de dormir, cabelos escuros soltos e rebeldes, como se houvesse deixado seus aposentos apenas para buscar um copo d'água ou coisa assim. Os dois sozinhos não era exatamente uma novidade, mas aquela situação toda com o agravante de uma porta fechada sim, era, e Apolo não sabia nem por onde começar a expressar ambos, seus anseios e receios diante daquilo.

Talvez lendo bem a tensão por trás de sua hesitação em se aproximar – ou fazer qualquer coisa, em verdade – Artemis lhe explica:

- Queria... falar com você. A sós. – Engolindo em seco, força seus olhos azuis nos dele. – Héstia nos acobertará. Ela está a postos.

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