França, 1885
- Ma petite¹?
Hades bateu suavemente à porta antes de entrar na pequena estufa que podia facilmente ser identificada como o ambiente favorito de sua esposa. A encontrou lá dentro conforme imaginara, cabelos escuros presos em um coque baixo, a mecha que escapara do penteado cuidadosamente acomodada atrás de sua orelha, e as mangas do vestido arregaçadas até os cotovelos para que não se sujassem de terra.
Linda, tão linda.
- Oi, meu amor. – Perséfone encarou-lhe por cima do ombro, sorrindo enquanto terminava de acomodar um bulbo no vaso. – Perdi a noção do tempo de novo? Já estou terminando aqui.
- Sem problemas, eu adoro ver você trabalhar. São lírios?
Aqueles anos de casados o estavam deixando letrado em botânica.
- Isso mesmo. Em pouco mais de três meses eles devem florir...
Aquele devia ser um comentário inocente e, de fato, analisando-se friamente não havia nada de alarmante, mas é que pensar em plantas brotando através das mãos mágicas de sua esposa o faziam muito autoconsciente da vida mais importante de todas que, por sua causa, ela não conseguia fazer vingar.
Uma tristeza antiga abateu-se sobre si, e não passou despercebida pela mulher a seu lado.
- O que foi, querido?
Ao encará-lo, entretanto, adivinhando exatamente sobre o que aquilo se tratava.
- Você sabe que não é sua culpa, não sabe? – Contrariando seu pensamento pragmático usual, quando o assunto era aquele, ele não tinha tanta certeza. As vezes pareciam coincidências negativas demais em seu passado para ignorar. – Pensar assim só aumenta a pressão e torna as coisas piores. Vamos seguir tentando, meu amor. Eventualmente vamos conseguir e se não, não era pra ser.
Tomou as mãos dele nas suas e sorriu-lhe com uma ternura que parecia envolve-lo por completo. Ela era sua paz.
- Você deve me achar doida por não me preocupar com essa questão do herdeiro, não? – A verdade é que ele não podia ligar menos para aquilo. Queria que Perséfone fosse feliz e a única coisa inacreditável relacionada a ela era que houvesse se apaixonado por ele. – É que não vejo sentido em perder o senso por algo que não podemos controlar. Quero ser mãe, é claro que sim, mas não trocaria o que temos por nada no mundo.
Seu amor por ela transbordava, e teve certeza de que aquele era o momento certo para entregar-lhe o presente endereçado à ela que repousava em seu bolso. Deu um beijo em sua testa antes de começar a falar.
- Sei que nosso aniversário é daqui a mais de um mês, mas fui com Poseidon escolher as alianças e... não pude resistir.
Ela franziu a testa, numa doce confusão, enquanto ele tirava uma fina corrente abrilhantada por um delicado relicário em seu centro. A peça de prata exibia o desenho de um coração ladeado por rosas, não símbolo que o representava, mas sim o músculo tal qual era no corpo humano. Enquanto admirava o presente, permitindo que seu marido repousasse o colar em volta de seu pescoço, notou que o desenho ali retratado repetia-se no sinete que Hades usava naquele momento em seu dedo mindinho.
Diante de sua leve confusão, afinal aquele nem sequer se parecia com o ícone tradicional dos Legrand, ele lhe explicou:
- Mandei fazer esse anel para sempre que eu precisar enviar-te algo você saiba que os papéis com esse símbolo invariavelmente serão cartas de amor.
Perséfone tinha os olhos úmidos e perguntava-se se havia modo de ser mais feliz do que aquilo. Ela duvidava.
- Você faz meu coração florescer. – Ele ainda acrescentou, baixinho, e aquele momento precioso tinha cheiro de terra molhada.
{ ¹ Ma petite = Minha pequena }
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Amarras
RomanceMadeira é o destino de Poseidon. Duro, seco, oco. Pérolas são as aparências que Atena e os Hugh insistem em manter. A altiva frieza e distância que ela colocou entre si e o mundo. Conchas são um presente singelo e significativo. É a quebra de barrei...