França, 1885
Atena tinha ciência de já haver experienciado vivências similares a ideia que pessoas comuns tinham de um conto de fadas.
Sua infância, por exemplo, transitando com naturalidade por entre a suntuosa excentricidade do império russo, podia ser vista com o filtro brilhante de um sonho. Fora isso, tivera também a chance de letrar-se com um dos maiores acervos bibliográficos do país – afinal não era segredo que a igreja detinha as mais raras e completas bibliotecas – o que era surreal, especialmente para quem tinha avidez de conhecimento como ela. Mesmo agora, já crescida, protagonizara sua cota de aventuras: uma longa viagem a uma nação desconhecida, uma tentativa de sequestro e então um casamento arranjado... Mas jamais, em qualquer outro momento, se sentira tão feliz e realizada quanto agora.
Considerara Hades e Perséfone um casal feliz e apaixonado desde o primeiro instante que pusera os olhos neles, a dinâmica de seu relacionamento muito clara, mas desde que a pequena Macária entrara em suas vidas, os dois pareciam reluzir com ainda mais resplandecência. Seu cunhado era todo cuidados e Perséfone parecia ainda mais radiante do que o normal. Notara seus olhos castanhos marejados em mais de uma ocasião, quando Hades embalava a neném no colo, esforçando-se para entretê-la e fazê-la adormecer.
Cada cômodo da casa parecia vibrar numa energia diferente – mais feliz, mais alegre, mais vibrante – e seu sogro só faltava requisitar de um babador para si próprio. Era visível em seus olhos o quanto estava contente. Mais que isso, parecia realizado. Como se tudo houvesse entrado nos eixos, como se a família finalmente estivesse completa.
Ela sabia exercer certo papel nesse deleite demonstrado por Jacques, já que não era segredo para ninguém o quanto ele a apreciava e a recíproca era mais que verdadeira. Entre ela e Poseidon, especialmente após sua confissão no cais, as coisas não podiam estar melhores – um carinho constante, crescente e dedicado, sem jamais ultrapassar seus limites ou ser menos do que encantador – e, por isso mesmo, girando o anel dourado em seu anelar esquerdo, pensava se não era hora de dar um passo a mais.
Já se pegara encarando a delicadeza daquela joia algumas vezes, distraidamente, enquanto pensava na vida, e achava incrível como seu marido acertara em cheio. O filamento dourado, mais irregular do que o costume, torcia-se como se fosse corda até dar a volta completa em seu dedo. Era único, simples e lindo, mais que isso, era exatamente igual à que Poseidon exibia em sua própria mão. Sem distinções entre si, suas alianças eram idênticas – desconsiderando apenas o tamanho da circunferência – e aquelas amarras não podiam ser lembretes melhores da parceria que vinham construindo no dia a dia.
Sorria o tempo todo, sentia liberdade para conversar sobre qualquer assunto e, quando estava com ele, só queria que o tempo se prolongasse. Quando a tocavam, os lábios do moreno pareciam fazê-lo com um misto de sutileza e vontade que a tiravam do eito e... é isso. Precisava admitir. Queria mais.
Foi assim que, naquela manhã ensolarada, Atena tomou sua decisão.
Sem ter ideia dos planos que se formavam na mente de sua esposa, Poseidon acompanhava o descarregamento de barris de vinho português no porto. Faltava menos de uma semana para sua próxima viagem, tudo já devidamente acertado, portanto aquelas pequenas atividades rotineiras eram tudo que lhe restava fazer. Pensava justamente na pacata realidade em que se encontrava quando um menino de recados se aproxima para entregar-lhe um bilhete. O papel amarelado continha apenas um endereço seguido pela instrução direta:
17h00, sigilo, grande valor.
Satisfeito consigo mesmo, sabendo que aquele seria exatamente seu tipo de trabalho, retorna a atenção para a movimentação no cais, sem poder antecipar o que lhe aguardava mais tarde.
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Amarras
RomanceMadeira é o destino de Poseidon. Duro, seco, oco. Pérolas são as aparências que Atena e os Hugh insistem em manter. A altiva frieza e distância que ela colocou entre si e o mundo. Conchas são um presente singelo e significativo. É a quebra de barrei...