França, 1885
Na mesa de café da manhã, Poseidon terminava seu desjejum com o humor instável. Não sabia classificar ao certo se o encontro da tarde anterior havia sido produtivo e muito menos se seria capaz de dar prosseguimento com seu plano meio desajeitado de aplacar os anseios do pai através de um casamento "falso". Atena era uma grande incógnita, desvencilhando-se habilmente de maiores interações ao longo do período em que os Hugh ali estiveram, e ele precisava saber mais antes de se dedicar totalmente àquela empreitada.
Além de que, não se sentia particularmente impelido a confiar cem por cento em Zeus, afinal o homem nem sequer hesitara em "negociar" a mão da própria filha! Tudo bem que essa postura era justamente o que servia a seus propósitos pessoais e que a prática do casamento arranjado era absolutamente comum, mas ele tinha suas dúvidas se Atena estava plenamente confortável com isso.
Arg, tantos dilemas morais logo cedo...
Precisava falar com Hermes.
Mal depositara o guardanapo de tecido ao lado de seu prato quando seu irmão mais velho adentra a saleta de refeições acompanhado da esposa e do pai.
- Ora, ora, se não é justamente quem eu queria ver...
- Pois aqui estou, Hades. O que gostaria? Receio apenas não poder me demorar muito, pois já estava de saída. Preciso acertar algumas questões com meu primeiro imediato.
- Não se preocupe, nada muito sério... Apenas gostaria de saber quando pretendia nos falar sobre a jovem que está cortejando. Não creio já tê-la visto por aqui e adoraria saber o que de tão especial ela possui para ter conseguido chamar sua exigente atenção...
Putain¹. O homem queria poder voltar aos tempos de garoto apenas para socar seu irmão e fazê-lo engolir aquele sorrisinho enviesado. Perséfone que lhe desculpasse, mas ela ficaria viúva hoje mesmo caso o bastardo seguisse com tal ar zombeteiro.
- Como assim? Uma moça, Poseidon? Mon dieu, c'est un rêve!².
Jaques aproximou-se do filho mais novo beijando-lhe animadamente as duas bochechas.
- Não é nada demais, papa³. Por enquanto ainda não é nada... - E quando passou ao lado de Hades, acrescentou baixinho - Bouffon⁴.
Aquele filho da mãe não teve nem sequer a decência de rir baixo.
-*-*-
- Querido, você implica demais com seu irmão.
- Claro que sim, ma petite rose⁵. Qual a graça de ter um, se não for para isso?
Sorria, satisfeito, dando uma mordida generosa em sua maçã, enquanto seu pai mal podia conter a súbita excitação.
- Por que não me disse antes, Hades? Esse é o tipo de coisa que não se vê todo dia. Como ela é?
- Ora, papai, não tive a oportunidade. E quanto a como ela é, a vi somente à distância, enquanto ela e a família se despediam e entravam em sua carruagem. - O irmão mais velho relembra instantaneamente da visão que tanto o surpreendera na tarde anterior, antes de continuar o relato – Não me arrisco a grandes detalhes, mas posso adiantar que ela é loira, jovem e parece refinada.
- Temos que celebrar! Não acredito que viverei para ver meu caçula se casando! – e então acrescentou mais baixo, quase como se tagarelasse consigo próprio – Ah, se Deus nos ajudar, o momento será ainda mais abrilhantado por um pequenino de vocês, tenho fé...
Hades procurava ser o melhor marido possível e, por isso mesmo, estremece suavemente à menção da única coisa que ainda não fora capaz de dar à sua mulher. Não importava quanto tempo passasse, esse assunto sempre o deixava sensibilizado, ainda que tivesse certeza de que seu pai não havia feito por mal ao trazê-lo à tona.
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Amarras
RomanceMadeira é o destino de Poseidon. Duro, seco, oco. Pérolas são as aparências que Atena e os Hugh insistem em manter. A altiva frieza e distância que ela colocou entre si e o mundo. Conchas são um presente singelo e significativo. É a quebra de barrei...