França, 1885
A sala em que estavam na casa cedida para sua temporada em território francês se assemelhava a uma pequena biblioteca e Zeus sabia que aquele seria o cômodo favorito de Atena no período que passassem ali.
Atena.
Não podia pensar muito nela naquele momento crucial, ou o carinho por sua querida filha iria nublar seu julgamento e fazê-lo agir estupidamente. Deveria ser frio. Calcular cada passo.
A reação exagerada de sua mulher não estava lhe ajudando em nada.
- De jeito nenhum! Você enlouqueceu?
- Hera...
- O quê?! Será que só eu enxergo o quanto isso é absurdo?
- Não adianta evitar. Não mais. - Ele pausa, como se lhe pesasse muito prosseguir com aquelas palavras - Só tivemos meninas e não há como iludir-se pensando que o futuro nos reserva um herdeiro direto. Ele não nos dará. Nossa única esperança terá de vir justamente de onde juramos jamais recorrer.
- Mas, mas, mas.... Ela jamais concordará! Isso! Ela se acostumou com sua condição e não quer casar-se e... Muito menos com um francês!
- Faça me o favor, mulher! Acho que a ensinamos o suficiente sobre honra para que ela entenda que é o único jeito. Ela não será egoísta a ponto de condenar a família inteira por conta de tolos moralismos. Como bem salientou sua irmã antes de virmos para cá, a guerra acabou há anos e...
- Gavno¹.
- Eu dei a minha palavra.
Como se impelida a adentrar o escritório justamente neste momento, o casal escuta uma batida abafada na porta, enquanto esta se entreabre vagarosamente.
- Mat'²?
Os minutos transcorrem e Zeus explica detalhadamente a situação, sua voz sem se alterar um único tom, e sua filha escuta atentamente, mãos repousando no colo e as costas muito retas.
Quando termina, Atena apenas assente e sai do cômodo.
-*-*-
Dois dias depois, enquanto a carruagem dos Hugh se dirige à propriedade dos Legrand, Zeus finalmente perde a paciência, pois a mais velha das irmãs ainda não havia proferido um som sequer.
- Pelo amor de deus, já chega! Você vai parar com esse comportamento agora mesmo Atena ou eu...
- Ou você o quê? Com o que mais possivelmente o senhor poderia me ameaçar? Já vai me forçar a casar contra a minha vontade e com um completo desconhecido mesmo.
- Em primeiro lugar, não há nada certo ainda e você não se atreva a arruinar isso, Atena! É nossa única chance e você sabe.
- Não vou bolar estratagemas para fugir do compromisso, se é com o que você está preocupado, papai. Você pode me envolver nas suas tramas obscuras e eu não vou me negar, conheço meu dever. Mas eu jamais vou cooperar com um sorriso nos lábios, acenando como uma garota fútil e vazia, como se estivesse honrada por ter sido escolhida como moeda de troca por um homem insignificante qualquer, entendeu?
O silêncio toma o espaço por completo. Héstia e Ártemis nem se atrevem a levantar os olhos do chão e Hera encara atentamente a paisagem pela janela, pois não seria adequado expressar seus pensamentos dissonantes do marido naquele instante.
- Falou como uma Hugh. - Zeus acrescenta, por fim, e talvez querer que a filha se alegrasse com seu orgulho tenha sido seu maior erro naquele momento.
- Não, meu pai. Falei como Atena Caitria, que é quem sou. Não se pode decretar uma sentença no berço de uma pessoa e esperar que ela não se cumpra só porque aquela estratégia não serve mais aos seus propósitos.
O cabriolé acabara de estacionar e a primogênita de Zeus desce antes de qualquer um sequer poder mover um músculo.
{¹Gavno = Merda / ²Mat' = Mãe}
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Amarras
Roman d'amourMadeira é o destino de Poseidon. Duro, seco, oco. Pérolas são as aparências que Atena e os Hugh insistem em manter. A altiva frieza e distância que ela colocou entre si e o mundo. Conchas são um presente singelo e significativo. É a quebra de barrei...