Conchas & Prata - Capítulo 16

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França, 1885

Apolo estava tendo uma manhã perfeita.

O clima estava ameno, só voltaria para a universidade dali a duas semanas e meia e Artemis decidira acompanhá-lo em sua aula de piano ao invés de sair com suas irmãs mais velhas. Tudo que poderia querer.

Quando madame Euterpe finalizou sua lição, deixou os dois na sala de música e seguiu para seu próximo aluno, que morava na casa defronte a sua.

- Apenas siga praticando a parte final da partitura que lhe deixei e em nosso próximo encontro decerto já conseguirá tocá-la inteira.

- Muito obrigada, madame. - Proferiu, galante, cumprimentando-a com um beijo nas costas da mão.

Claramente encantada, ela se despediu.

- Você é impossível, Apolo.

- Pardon¹?

- Faça-me o favor! A pobre senhora só faltou desmaiar de amores por você. Acaso não reparou as bochechas dela ao deixar-nos para trás?

Ele riu, deliciado.

- É impressão minha ou está com ciúmes, Artie?

- De você? Faça-me o favor. Vamos, chegue para o lado e me deixe tocar um pouco também.

A jovem sentou-se no banco diminuto e ele fingiu não sentir o arrepio que lhe percorreu quando a manga do vestido dela resvalou em seu antebraço. Também tentou disfarçar o olhar encantado que sabia lhe dirigir enquanto ela postava-se ereta daquele jeito, dedilhando suavemente as teclas de marfim, seu perfil banhado pelo sol.

Por Deus, amava cada pequeno detalhe daquela garota.

- Você não está tocando.

- Me distraí.

- Pois concentre-se. Gosto de como soamos quando tocamos juntos.

Ah, se ela soubesse como ele queria fazer tudo em sua companhia...

- Acredita que o tal pretendente de Atena não deu sequer um sinal de vida esta semana? Eu e Héstia não comentamos nada na frente dela, pois já basta papai preocupando-se com o que quer que possa ter dado errado, mas temos certeza de que aconteceu alguma coisa.

O assunto chamou a atenção do loiro, especialmente por ter encontrado o homem citado ainda no dia anterior. Bebendo quantidades absurdas de álcool. Parecendo... derrotado? Okay, talvez aquilo fosse exagero, mas desanimado ele estava. No mínimo.

- Ela está irredutível, dizendo que nada mudou, que é apenas uma semana conturbada e que ele irá procurá-la quando estiver livre, mas no fundo todos sabemos que não. Se quer minha opinião, nós nem precisaríamos ter vindo para a França se fosse para ser assim. Sabia que Atena não ia prosseguir com essa sandice...

Aquilo acendeu um alerta em si e ele soube que precisava fazer algo em relação àquele tema. Urgentemente. Se não pelo motivo mais egoísta que o sobressaltara, simplesmente por preocupar-se com aquela família que aprendera a amar.

Mais tarde naquele mesmo dia, depois de muito ponderar, Apolo seguiu resoluto até a biblioteca. Sabia que a encontraria lá.

Dito e feito. A loira estava recostada em uma poltrona com um livro grande (e aparentemente pesado) sob o colo. Sem preâmbulos, ele estacou em sua frente.

- O que houve, Apolo?

- Preciso falar com você.

Talvez notar o tom sério no primo comumente tão brincalhão tenha sido o que lhe despertou, fazendo-a fechar o livro e pousá-lo na mesinha de apoio que estava disposta à sua esquerda.

- Você precisa se decidir a respeito de monsieur Legrand, Atena.

Um arrepio a percorreu ao ouvir aquele nome e seu cenho franziu-se, perguntando-se aonde o enteado de Afrodite queria chegar. E o quanto ele sabia.

- Perdão?

- É exatamente isso que falei. Estou aqui para ser sincero com você e as coisas não podem ficar do jeito que estão. Ontem mesmo o encontrei na taberna, portanto a desculpa de compromissos que você vem usando não vai funcionar comigo. – Atena revirava os olhos, mesmo intimamente sabendo que ele tinha razão. Ela só estava adiando uma definição que ainda não tinha certeza qual era. – Ele não parecia alegre e despreocupado como o conhecemos e, embora não saiba o que foi que aconteceu entre vocês, sei que é primordial que conversem e se resolvam, seja optando por um caminho ou outro.

A Hugh primogênita sempre fora racional, mas também sabia ser teimosa, portanto insistiu na postura birrenta.

- Era só o que me faltava. Ter de ouvir conselhos de um adolescente mais novo que minha irmã caçula.

Foi a vez de Apolo exasperar-se.

- Nós nascemos no mesmo dia. Artemis é apenas algumas horas mais velha que eu e isso também não muda nada. Estou correto no que digo e você sabe, só não quer admitir.

Não dando tempo para que ela protestasse além de um suave dar de ombros, ele continuou.

- Vou te apoiar no que quer que você decida: se for prosseguir com o casamento, eu juro que acabo com a raça dele se sequer ameaçar magoá-la ou fazer algo ruim. E, caso você queira desistir de tudo, estarei do seu lado para falar com seu pai. Mesmo que ele queira insistir, dou um jeito de te ajudar a fugir ou qualquer coisa que seja. Mas você tem que pensar nas consequências de seus atos, Atena. E nas consequências de não agir também.

Arg. Quando aquele pirralho se tornara tão sábio?

- Eu... Eu não sei, Apolo. Preciso de tempo para pensar. É uma decisão definitiva.

- Ninguém está questionando isso. Só posso imaginar o quanto deve ser difícil repensar uma vida inteira assim, de uma hora para outra. Mas infelizmente é algo que você terá de fazer. Ficar postergando não vai resolver nada. – Ela assentiu e o loiro ainda acrescentou – Devo lembrar-lhe que as pessoas não são perfeitas, nunca são, mas ele aparenta ser um cara decente. Eu particularmente acho que você poderia aprender a ser feliz com esse matrimônio...

Atena suspirou, como quem não acredita no que ouve e então Apolo dá sua cartada final:

- Só não entendo o porquê concordou em fazer parte disso, se está mesmo tão irredutível assim...

{ ¹ Pardon = Perdão }

AmarrasOnde histórias criam vida. Descubra agora