França, 1885
Faltavam doze dias para o casamento.
Menos de trezentas horas para que o destino estivesse selado, sua vida mudada por completo e, contrariando todas as expectativas, Atena estava tranquila.
Não que ela já não estivesse conformada desde o início, mas aquilo era mais do que uma aceitação apática diante de um beco sem saída: realizou a última prova do vestido com praticamente nenhuma reclamação aos excessos românticos de sua tia que suspirava a cada três segundos; passou a tarde bordando calmamente na companhia das irmãs e agora, arrumando as luvas para sair com seu noivo, era recebida pela imagem de seu próprio reflexo sorrindo-lhe de volta através do espelho.
Sorrindo!
Por deus, quem diria...
Desceu as escadas sendo preenchida pela estranha sensação de morada ao deparar-se com a já familiar mão estendida para um cumprimento que era, de algum modo, ao mesmo tempo suave e seguro.
Não havia mais hesitação em seu aceite ao toque de Poseidon e ela talvez houvesse passado tempo demais temendo futuros sombrios para não ficar exultante com uma mínima possibilidade de alegria. Ao menos era isso que vinha dizendo a si mesma.
Já dentro da carruagem que os levaria à Salle Bauveau, popularmente conhecida como Ópera de Marselha ou apenas Ópera Municipal, a filha mais velha de Zeus mal podia conter sua excitação para conhecer aquela bela e praticamente centenária construção. A noite estava num clima agradabilíssimo e o luar que refletia no perfil de Poseidon, ocupando o lugar ao seu lado na sege, deixava-o ainda mais bonito.
Dispensando comentários internos acerca do charme do homem em sua companhia, resolveu rir-se daquela situação toda, numa linha de pensamento muito mais segura.
- A vida é mesmo muito maluca.
- Perdão?
E era pra ser assim tão doce a visão de tê-lo virando-se em sua direção, completamente atento a suas palavras?
- Você está me levando para ver um balé russo na França. – A cada ênfase, o dedo longilíneo de pianista oscilava entre apontar para si própria e Poseidon.
- O que posso dizer? Faço tudo para ver minha noiva feliz e se sentindo em casa.
(Não era engraçado como, em tão pouco tempo, aquele adjetivo indicativo de seu relacionamento lhes soasse tão natural? Espantava-se toda vez!)
- Você é inacreditável, Poseidon.
Os sorrisos lhe vinham fáceis e, depois de ser ajudada a descer do veículo quando estacionaram defronte ao prédio iluminado, os braços permaneceram enlaçados durante o percurso até se acomodarem em seus lugares no teatro.
- Sabe, apesar de tudo, não sei se boto muita fé na história. – Poseidon prosseguiu o assunto, sempre muito honesto com o que lhe vinha à cabeça. – Não quero ofender os compositores de sua terra natal de nenhuma forma, mas uma princesa transformada em cisne...
A careta descrente dele arrancou-lhe uma boa risada e ela mal se reconhecia. Quando foi que se sentira assim antes, leve como nuvem?
- Concordo que parece meio estranho mesmo, e aparentemente a estreia do espetáculo no Teatro Bolshoi há cerca de sete, oito anos, se não me engano, não foi bem um sucesso, mas não sei... Algo me diz que esse balé vai durar. Estou disposta a ofertar-lhe o benefício da dúvida.
Ah, as implicações daquela simples colocação na história deles próprios...
- Se você diz... – O moreno cede, tendo aprendido recentemente, e por experiência própria, a confiar nos instintos daquela fascinante mulher. – Eu particularmente só acho o tema muito primaveril para um balé russo. Não sei, preferiria algo... natalino, quem sabe?
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Amarras
RomanceMadeira é o destino de Poseidon. Duro, seco, oco. Pérolas são as aparências que Atena e os Hugh insistem em manter. A altiva frieza e distância que ela colocou entre si e o mundo. Conchas são um presente singelo e significativo. É a quebra de barrei...