França, 1885
Atena estava agitada.
Fazia uma semana que Poseidon deixara escapar que a amava e, embora tentasse seu melhor para fingir que as coisas seguiam como antes, elas não estavam iguais.
Quer dizer, sua relação direta com ele até que se alterara bem pouco – uma frequência e intensidade maior do rosado nas bochechas toda vez que se tocavam acidentalmente, nada mais sério além disso – mas quando se via sozinha, seus pensamentos iam longe e para lugar algum. Uma inquietação no peito lhe devorava, um formigar muito peculiar que lhe impedia de permanecer com as mãos paradas e uma recente e completa inabilidade de se concentrar na leitura de um único livro que fosse.
Voltava o tempo todo para aquela manhã seguinte, para o despertar com a imagem exata dos lábios masculinos, proferindo aquelas três palavras que jamais imaginara ouvir de forma romântica, gravada no fundo de sua mente numa repetição infinita. Acordara antes dele pelo que talvez fosse a primeira vez – estava meio tonta, não sabia afirmar fatos precisos com certeza – e de certa forma esperava por isso. Mesmo tendo ela própria demorado a adormecer na noite anterior, sabia que ele permanecera desperto por mais tempo ainda, encarando o teto, movendo-se inquieto, tentando ao máximo não lhe tocar.
(Não passara pela sua cabeça que ela já se acostumara ao calor de sua derme morna em contato e não tê-lo junto a si apenas a deixou alerta por mais tempo, pouco relaxada. Em momentos absurdos a loira chegava a imaginar como seria repousar diretamente em seu peito largo, as batidas de seu coração como a mais afável canção de ninar.)
Se lembra de ter encarado as sobrancelhas grossas, os cabelos escuros desgrenhados, a pele bronzeada e a expressão serena que exibia quando não tinha nem angústia lhe nublando a vista, nem riso lhe enrugando os cantos dos olhos. Lembra também da sensação fantasma dos calos de sua mão contra sua palma, ele todo a instabilidade do oceano condensada na segurança de um homem sincero, essencialmente bom. Não era sorte ser amada por um alguém assim?
Era, era sim.
Já estavam casados, que mal faria o afeto? Não era como se ele esperasse que ela o fosse retribuir, não?
Confiando nas linhas bem delimitadas do acordo tácito firmado entre eles, ela decidiu que faria com aquela informação o que poderia fazer de melhor: nada. Seguiriam as vidas normalmente, como devia ser. Levantou-se, ligeira, escolhendo um vestido esverdeado – como a esperança de que se vestia por dentro – e arrumando-se enquanto seu marido ainda ressonava baixinho.
Jamais se esqueceria de estar quase terminando de desembaraçar os cabelos quando ele abriu os olhos – grandes, acesos, cheios de vida – e a encarou como se a ela coubesse decretar sua sentença.
- Bom dia, Poseidon. Sabe... Estava me perguntando se você não teria um tempinho para ir comigo aos estábulos hoje. Queria montar um pouco e adoraria sua companhia. Desde que eu possa ficar com Barlavento, claro.
O sorriso que ele lhe deu era mais que agradecido e ela não podia jamais cessar vê-lo. Os lábios curvados para cima, o rosto iluminado, o engolir da saliva aliviado que movimentou a pintinha charmosa localizada ao lado de seu pomo-de-adão.
Lá estava ela agora, acomodada na poltrona do quarto que ficava ao lado da janela, tocando a folha amarelada do livro com a ponta dos dedos, mas sem absorver palavra nenhuma. Só olhava para aquela cama e pensava, pensava, pensava.
Como se materializado diretamente de suas ideias, Poseidon adentrou pela porta.
- Oh, olá. Não sabia que estava aqui, Atena.
- Gosto de ler neste cantinho, estou aproveitando o sol...
- Pois não vou atrapalhar sua leitura. Só vim buscar meu casaco. Vou até o porto tratar negócios da próxima viagem com Hermes. Te vejo no jantar, sim?

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Amarras
DragosteMadeira é o destino de Poseidon. Duro, seco, oco. Pérolas são as aparências que Atena e os Hugh insistem em manter. A altiva frieza e distância que ela colocou entre si e o mundo. Conchas são um presente singelo e significativo. É a quebra de barrei...