Conchas & Prata - Capítulo 15

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França, 1885

Acordara com uma dor de cabeça magistral, mas pelo menos a bebedeira de ontem fora produtiva. Ou pelo menos poderia vir a ser, caso Ícaro desse o ar da graça.

Poseidon sacode a cabeça e repensa sua ideia anterior, porque, independentemente se o jovem aparecesse ou não, aquela conversa já lhe servira como um tapa na cara, tirando-o do marasmo de autocomiseração que havia se enfiado e lhe dado nova energia para reagir e encontrar o prumo para sua vida.

Iria insistir. Em Atena, em seu barco, sua tripulação e sua vida. Não se deixaria definir por ninguém, muito menos pela palavra de uma bruxa.

- Eu realmente não sei quem está mais fora de seu juízo. - O moreno vira-se para enxergar o dono daquela voz, embora já soubesse a quem pertencia - Você, que nem sequer me conhece direito e fez essa proposta maluca, ou eu, que aceitei.

- Com toda a certeza você. Não faz ideia o que é fazer parte da minha tripulação.

Sem demonstrar uma única gota de desconforto, Ícaro sorri, e se aquilo fosse um indicativo de caráter, Poseidon já sabia ter feito uma escolha acertada.

- Venha. Mostre-me o que sabe.

O jovem arregaçou as mangas da camisa e começou. Ele e o capitão passaram horas falando sobre correntes marítimas, sistemas de navegação e orientação do leme. O mais novo demonstrou sua agilidade subindo até o cesto da gávea sem qualquer hesitação ou oscilação pela altura. Por fim, fizera uma série de nós de marinheiro e Poseidon rendeu-se ao comichão que ardia em si e juntou-se a ele.

Próximo da hora do almoço, Hermes juntou-se a eles. Foram apresentados, riram juntos e puseram-se todos a dividir uma porção de peixe frito acompanhado de vinho, como velhos camaradas.

- Bom, meu caro, acho que já está claro que, caso queira, tenho uma vaga para você em meu navio. Seja bem-vindo, marujo.

O loiro contemplou o sol com lágrimas no canto dos olhos e sorriu.

-*-*-

Atena e Héstia estavam caminhando pelas ruas do centro em busca de algo novo para as entreter. Artemis havia ficado para trás, acompanhando Apolo em sua aula de piano. Aqueles dois não se desgrudavam.

As irmãs já haviam visitado a livraria, a chapelaria e até a loja de tecidos, experimentando alguns vestidos e preparando-se para quando sua tia as arrastasse para comprar roupas novas para que frequentassem os bailes da temporada ao melhor estilo.

- É engraçado já estarmos tão à vontade andando por essas ruas desconhecidas.

- Eu não diria exatamente "à vontade", mas entendo o que você quer dizer - Respondeu Atena, distraidamente.

- Pare de birra, Atena. Admita que não está sendo tão tenebroso quanto imaginávamos que seria e pronto.

- Tá, tá, tanto faz.

Elas já retornavam para casa e haviam decidido caminhar próximo ao cais, pois a maresia de algum modo as fazia recordar da pátria natal.

Todas as Hugh partilhavam de uma característica muito pungente: a curiosidade, embora esta se manifestasse de formas distintas em cada uma. Aquele passeio à beira mar, por exemplo, demonstrava bem os aspectos em que divergiam. Enquanto Héstia encantava-se pelos aromas das comidas, pelas cores das casas e das roupas, a mais velha, por sua vez, observava atentamente as construções arquitetônicas, os materiais e estruturas dos barcos atracados na marinha.

Foi por estar analisando o casco de uma das embarcações que Atena o viu.

Ele manuseava uma pesada corda como se não fosse nada e então seus dedos puseram-se a orquestrar um intrincado nó, aparentemente sem nem se dar conta da complexidade do que executava.

"Acha que perderia no teste de resistência?"

As mãos da jovem crisparam-se ao recordar da fala atrevida e zombeteira, mas agora, com os ânimos mais calmos, percebia que algo não encaixava naquele intrincado quebra-cabeça.

(E nem era o fato de que uma partezinha sua de fato preocupava-se em não resistir àquela confusão muito encantadora que era Poseidon)

Sua postura dentro do barco era diferente da em terra firme. Ele parecia mais concentrado, mais sério e, curiosamente, mais relaxado. Como se fizesse parte daquilo, como se fosse ali que efetivamente pertencesse.

"Sei reconhecer e respeitar uma tempestade quando me deparo com uma."

Essa recordação sim, lhe trouxe arrepios. Ela só não sabia classificar de qual tipo, e muito menos o porquê ela parecia ressoar com muito mais intensidade que a outra. Além disso, Poseidon conversava com mais dois homens e parecia tão leve, alegre e gentil...

Ele não faz o menor sentido. Não importa o tempo que passamos juntos e as coisas que tenha me contado, sinto como se não o conhecesse nada.

- Atena, você não vem?

Com o chamado de sua irmã, percebeu que havia ficado para trás e logo desanuviou a mente, apertando o passo para alcançá-la. Jamais admitiria, mas estava pensando que, no fundo, sentia falta dos passeios recheados de provocações que aquele homem lhe proporcionara.

Durante todo aquele tempo, uma gaivota seguia estranhamente quieta, pousada no mastro do Olympique.

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