França, 1885
"Homem livre, tu sempre gostarás do mar."
- Charles Baudelaire
Parabéns, Poseidon. Você é patético.
Ele não sabia nem que horas eram e, se sequer pensasse em começar a refletir sobre todos os pontos em que sua vida estava absolutamente ferrada, iria arrancar os cabelos e internar-se em um sanatório.
Sinceramente, não sabia o que havia feito de errado para merecer toda aquela desgraça: amaldiçoado, potencialmente noivo de uma pessoa que o odiava (o que já seria terrível por si só, pois dividir a vida com uma pessoa que não quer te ver nem pintado de ouro deve ser desastroso) e o pior, se sentindo um lixo por tê-la magoado.
Por deus, por que tinha que começar a gostar dela?!
Não que estivesse apaixonado ou qualquer coisa do tipo - claro que não! - mas compartilhar seu futuro com outra pessoa não lhe parecia mais assim tão ruim, caso Atena fosse a pessoa em perspectiva.
Arg. Precisava beber.
Não que já não estivesse embriagado. Mas precisava beber mais.
Depois do terceiro copo de vodka – um brinde a todos os malditos russos! – reparou que o jovem sentado na mesa do canto esquerdo talvez fosse o primo que acompanhava os Hugh na viagem. Ou melhor, o primo que os recebia na viagem. Ele devia ser o herdeiro da casa Gareth. Chama-se Apolo, caso não estivesse enganado.
- Maravilha, mais essa agora. - murmurou baixinho.
Pois que se lascasse. Não dava mais a mínima para o que quer que pensassem dele. E a única pessoa cuja opinião remotamente lhe interessaria, não poderia desprezá-lo mais, portanto deu de ombros e continuou bebendo.
- Dia difícil?
A pergunta viera de um jovem loiro, tez extremamente clara (de quem está acostumado a ambientes fechados), que estava sentado no banco do bar a seu lado. Se não lhe falhasse a memória, já topara com ele outras vezes naquela mesma taberna, trocando sempre uma palavra ou duas e até divertindo-se com um jogo de cartas uma vez, mas estava com álcool até as tripas, então podia estar se confundindo.
Mais uma vez: não dava a mínima.
- A vida de um marinheiro... não é fácil.
Sua voz arrastada soou engraçada aos próprios ouvidos e ele nunca se dera conta de como a palavra marinheiro era engraçada.
Ma-ri-nhei-ro.
Há!
- Nem me fale... - O garoto murmurou, com uma expressão de pesar que intrigou Poseidon.
- Você também é?
- O quê?
O homem parecia estar achando graça. Bufando, Poseidon insistiu:
- Marinheiro. Você também é marinheiro?
- Pareço ser? - O sorriso do jovem era vazio, triste.
- Na verdade não, mas seu suspiro... Só uma pessoa que entendesse a vida no mar daria um suspiro tão saudoso e melancólico ao mesmo tempo...
- Perspicaz. Respondendo a sua pergunta: treinei para ser, mas foi há muito tempo...
As pessoas estavam conseguindo intrigá-lo muito nos últimos tempos, pensou Legrand. Como diabos alguém treina para ser um homem do mar e não se torna um? Há os cargos que requerem estratégia ou habilidade, mas sempre há espaço para os trabalhos manuais e força bruta, em todo caso. Vide Fobos e Deimos.
- E o que aconteceu para que você não seguisse esse destino?
- A pior maldição de um marinheiro. - Poseidon não pode evitar estremecer com aquelas palavras. - Naufrágio.
- Eu sinto muito.
E de fato sentia.
- Eu era muito pequeno ainda. Não mais que doze anos. Tive sorte de sobreviver. - Comentou o loiro, com displicência. - Mas era minha primeira viagem e quem restou da tripulação logo associou o azar a mim. Nunca mais pisei num navio. - E então completou, mais baixo. - Nem sei porque estou lhe contando isso...
- Mas que grande besteira! - Mesmo com o dar de ombros do outro, Poseidon continuou, inflamado pela injustiça, pelo álcool, por aquela merda que estava errada por toda a parte. Pois que se foda. - Sou Poseidon Legrand, capitão do Olympique. Peço desculpas por todas as pessoas que foram uns imbecis, mas se você ainda quiser navegar e estiver disposto a deixar que avalie suas habilidades para te aceitar na equipe, me encontre no cais amanhã no raiar do dia.
Era passada a hora de fazer alguma coisa.
- Eu aprecio o convite, é mais do que qualquer um já sequer implicou fazer por mim, mas eu não posso aceitar. Você só pode estar maluco.
- Não estou. Nunca falei tão sério na vida. - Seus olhos verdes eram aço. - Entendo sua história mais do que você sequer poderia imaginar e mantenho minha palavra. Caso queira, te encontrarei lá amanhã, monsieur...
- Ícaro. Me chamo Ícaro.
- Pois bem, Ícaro. Até.
Deixou uma nota sobre o balcão, agarrou seu casaco e saiu da taverna com eletricidade dos fios de cabelo até a sola de seus sapatos. Seu peito retumbava, como ondas chocando-se nas rochas da praia.
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Amarras
RomanceMadeira é o destino de Poseidon. Duro, seco, oco. Pérolas são as aparências que Atena e os Hugh insistem em manter. A altiva frieza e distância que ela colocou entre si e o mundo. Conchas são um presente singelo e significativo. É a quebra de barrei...