Conchas & Prata - Capítulo 14

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França, 1885

"Homem livre, tu sempre gostarás do mar."

- Charles Baudelaire

Parabéns, Poseidon. Você é patético.

Ele não sabia nem que horas eram e, se sequer pensasse em começar a refletir sobre todos os pontos em que sua vida estava absolutamente ferrada, iria arrancar os cabelos e internar-se em um sanatório.

Sinceramente, não sabia o que havia feito de errado para merecer toda aquela desgraça: amaldiçoado, potencialmente noivo de uma pessoa que o odiava (o que já seria terrível por si só, pois dividir a vida com uma pessoa que não quer te ver nem pintado de ouro deve ser desastroso) e o pior, se sentindo um lixo por tê-la magoado.

Por deus, por que tinha que começar a gostar dela?!

Não que estivesse apaixonado ou qualquer coisa do tipo - claro que não! - mas compartilhar seu futuro com outra pessoa não lhe parecia mais assim tão ruim, caso Atena fosse a pessoa em perspectiva.

Arg. Precisava beber.

Não que já não estivesse embriagado. Mas precisava beber mais.

Depois do terceiro copo de vodka – um brinde a todos os malditos russos! – reparou que o jovem sentado na mesa do canto esquerdo talvez fosse o primo que acompanhava os Hugh na viagem. Ou melhor, o primo que os recebia na viagem. Ele devia ser o herdeiro da casa Gareth. Chama-se Apolo, caso não estivesse enganado.

- Maravilha, mais essa agora. - murmurou baixinho.

Pois que se lascasse. Não dava mais a mínima para o que quer que pensassem dele. E a única pessoa cuja opinião remotamente lhe interessaria, não poderia desprezá-lo mais, portanto deu de ombros e continuou bebendo.

- Dia difícil?

A pergunta viera de um jovem loiro, tez extremamente clara (de quem está acostumado a ambientes fechados), que estava sentado no banco do bar a seu lado. Se não lhe falhasse a memória, já topara com ele outras vezes naquela mesma taberna, trocando sempre uma palavra ou duas e até divertindo-se com um jogo de cartas uma vez, mas estava com álcool até as tripas, então podia estar se confundindo.

Mais uma vez: não dava a mínima.

- A vida de um marinheiro... não é fácil.

Sua voz arrastada soou engraçada aos próprios ouvidos e ele nunca se dera conta de como a palavra marinheiro era engraçada.

Ma-ri-nhei-ro.

Há!

- Nem me fale... - O garoto murmurou, com uma expressão de pesar que intrigou Poseidon.

- Você também é?

- O quê?

O homem parecia estar achando graça. Bufando, Poseidon insistiu:

- Marinheiro. Você também é marinheiro?

- Pareço ser? - O sorriso do jovem era vazio, triste.

- Na verdade não, mas seu suspiro... Só uma pessoa que entendesse a vida no mar daria um suspiro tão saudoso e melancólico ao mesmo tempo...

- Perspicaz. Respondendo a sua pergunta: treinei para ser, mas foi há muito tempo...

As pessoas estavam conseguindo intrigá-lo muito nos últimos tempos, pensou Legrand. Como diabos alguém treina para ser um homem do mar e não se torna um? Há os cargos que requerem estratégia ou habilidade, mas sempre há espaço para os trabalhos manuais e força bruta, em todo caso. Vide Fobos e Deimos.

- E o que aconteceu para que você não seguisse esse destino?

- A pior maldição de um marinheiro. - Poseidon não pode evitar estremecer com aquelas palavras. - Naufrágio.

- Eu sinto muito.

E de fato sentia.

- Eu era muito pequeno ainda. Não mais que doze anos. Tive sorte de sobreviver. - Comentou o loiro, com displicência. - Mas era minha primeira viagem e quem restou da tripulação logo associou o azar a mim. Nunca mais pisei num navio. - E então completou, mais baixo. - Nem sei porque estou lhe contando isso...

- Mas que grande besteira! - Mesmo com o dar de ombros do outro, Poseidon continuou, inflamado pela injustiça, pelo álcool, por aquela merda que estava errada por toda a parte. Pois que se foda. - Sou Poseidon Legrand, capitão do Olympique. Peço desculpas por todas as pessoas que foram uns imbecis, mas se você ainda quiser navegar e estiver disposto a deixar que avalie suas habilidades para te aceitar na equipe, me encontre no cais amanhã no raiar do dia.

Era passada a hora de fazer alguma coisa.

- Eu aprecio o convite, é mais do que qualquer um já sequer implicou fazer por mim, mas eu não posso aceitar. Você só pode estar maluco.

- Não estou. Nunca falei tão sério na vida. - Seus olhos verdes eram aço. - Entendo sua história mais do que você sequer poderia imaginar e mantenho minha palavra. Caso queira, te encontrarei lá amanhã, monsieur...

- Ícaro. Me chamo Ícaro.

- Pois bem, Ícaro. Até.

Deixou uma nota sobre o balcão, agarrou seu casaco e saiu da taverna com eletricidade dos fios de cabelo até a sola de seus sapatos. Seu peito retumbava, como ondas chocando-se nas rochas da praia.

AmarrasOnde histórias criam vida. Descubra agora