Depois de um longo jantar ouvindo Ester, minha madrasta, falar de suas receitas e de como gosta de jardinagem, me levanto para lavar meu prato, na verdade até agradeço por ela ter falado o jantar todo, ou era isso, ou o clima de tensão entre mim e meu pai. Ela parece ser uma mulher calorosa, alegre e que gosta de cuidar da casa, bem diferente da minha mãe que prefere manter sua postura séria. Meu irmão postiço saiu e não apareceu no jantar, o que não foi novidade para eles, pelo visto ele faz isso sempre.
"Achei que Enrico viria para jantar pelo menos hoje." Ester diz à meu pai, ela preparou um jantar realmente muito bom e tem comida demais para nós três, acho que está um pouco decepcionada.
"Tudo bem, ele e Pedro devem estar com algum amigo, são adolescentes." Meu pai coloca a mão sobre seu ombro de forma carinhosa como um consolo. Agora sei que o menino que me causou batimentos acelerados se chama Pedro.
"Obrigada pelo jantar Ester, estava muito bom, mas preciso subir."
"Você já vai subir, Sarah? Eu costumo preparar um chá antes de dormir, mas entendo se você estiver cansada" Ela diz em um tom calmo e compreensivo. Eu até gosto de chá, mas não vou brincar de casinha com ela e realmente tenho que ligar para minha mãe, as meninas e terminar de arrumar minhas coisas, então só digo: "Humm, não, obrigada. Preciso terminar de arrumar minhas coisas e fazer umas ligações."
"Espero que tenha gostado do jantar, tenha um bom descanso." Meu pai me diz.
"Qualquer coisa é só dar um grito." Ester diz rindo.
"Obrigada, eu acho." Ameaço um sorriso.
Subo em direção ao meu quarto. Mas me deparo com a cena de Enrico, meu querido irmão postiço, pulando a janela que dá acesso ao corredor do nosso quarto, e Pedro pula logo atrás. Paro em choque, estão rindo e cheirando a bebida, reconheço o cheiro da vodca a metros, lembrança de quando meu pai chegava bêbado de madrugada, eu sabia se podia ou não abraça-lo quando sentia o cheiro da vodca. Enrico passa por mim com indiferença e vai direto ao quarto, Pedro passa por mim e cerra os olhos aos meus, me olhando fixamente até entrar no quarto e bater a porta, me deixando congelada no corredor. É como se os últimos segundos tivessem sido em câmera lenta, pois me lembro de todos os detalhes do olhar marcante e profundo de Pedro. Onde será que ele estava? Com quem ele estava? Acho que estou ficando maluca. Meu coração acelera novamente, e sinto um certo incômodo por ficar tão nervosa, de repente sou aquela garotinha envergonhada que não sabe o que fazer.
Vou para o meu quarto e começo a tirar todas as coisas da mala para colocar em um armário que tenho em meu quarto, tem até uma estante que vai ser perfeita para guardar os livros que trouxe. Achei melhor trazer para o caso de eu ficar no tédio ou algo do tipo. Começo a empilhar meus exemplares de Dom Casmurro, Anna Karenina, Madame Bovary, Orgulho e Preconceito e O Morro dos Ventos Uivantes. Os meus preferidos, amo tudo o que detalha a vida da mulher e seus sentimentos. Quando finalmente arrumo tudo vou tomar um banho para relaxar, foi um dia intenso.
No banho sinto um frio na barriga ao pensar que aqueles olhos estão a metros de distância. Por cinco segundos, imagino ele me olhando exatamente como me olhou há segundos. Sinto um frio na espinha. Ok, estou realmente enlouquecendo.Desvio meu pensamento sobre tudo o que aconteceu nas últimas 24 horas. Ainda não sei bem como me sinto em relação à essa situação, é tudo muito novo e diferente, e não sei se estou realmente pronta para esquecer tudo e deixar essa história com meu pai para trás.
Saio do banho, coloco um pijama e ligo para minha mãe contando de como está sendo, de Ester e das coisas, ela não demonstra muita animação e eu entendo, ver seu ex marido que te abandonou começando outra família como se nada tivesse acontecido é muito para qualquer um.
Ligo para Mari e Liz, elas vão querer saber todas as novidades do Rio. Conto de Pedro e da cena que presenciei há pouco tempo.
"Típico de um homem." Mari protesta.
"Ual, eles são bonitos?" Liz como sempre interessada nos garotos.
"Não sei, não reparei direito, mas um deles é bonito até, tem uns olhos azuis bem marcantes."
"Você gostou dele, confessa vai." Ela diz surtando, e eu não esperava outra reação mesmo.
"Me dá um tempo, Liz, acabei de chegar. E chegaram cheirando bebida, não curti muito isso."
"Homens.." Mari diz em tom impaciente e sei que ela está virando o olho nesse momento.
"Conte todos os detalhes." Liz me enche de perguntas, é claro.
"Não sei, ele tem um olhar intenso, sabe? Mas não estou a procura de homem algum, então tanto faz.

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Inefável
Romance"Dizem que as cartas de amor, se há amor, são ridículas. Mas eu escreveria centenas delas para que você se sinta amada." Ele me tira o ar, provoca em mim sentimentos e sensações das quais nunca senti na vida. Ele me traga como as ondas do mar traga...