Uma hora vai acontecer

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Acordo com meu celular vibrando, é Laura.
"Diga."
"Você vem comigo para a festa hoje, certo?"
"Estou ótima, obrigada por perguntar."
"Já disse que sarcasmo não combina com você? Vem se arrumar comigo. Te espero às oito."
E ela desliga, novamente me deixando sem a possibilidade de dizer um não, ela sabe que eu diria.
A última coisa que lembro é dos dedos de Pedro sobre meu cabelo, sua pele na minha e seu carinho. Sorrio ao me lembrar.
Olho a caixa de mensagens e tem uma mensagem dele.
"Fique bem, nos encontramos hoje a noite."
Eu me derreto toda, raramente ele está aqui quando acordo, talvez seja por respeito ao meu pai, o lance entre mim e Pedro é mais entre nós, as coisas são mais complicadas do que eu pensei que seriam e nossos momentos são tão incertos que nem eu consigo entender às vezes, falo dele no máximo com as meninas e não muito também. É tudo muito recente e confuso, como posso estar tão apaixonada em uma pessoa que conheci há um mês? Como um único mês pôde ter me feito mais feliz do que dezessete anos de vida? Como um único mês pôde ter me feito sentir mais viva do que em dezessete anos de vida? Será que algum dia vou parar de fazer tantas perguntas para as quais não tenho respostas?
Pensar que vou me encontrar com Pedro me deu um certo ânimo para ir à festa hoje e eu não quero estar vestida de qualquer jeito como costumo estar. Nem quero precisar emprestar algo da Laura.
Coloco um shorts, uma camiseta e prendo meu cabelo com um coque frouxo. Pego minha carteira, celular e nesse momento sou muito grata à minha mãe que me convenceu a abrir uma poupança para guardar a pensão que meu pai me paga, assim posso comprar minhas próprias roupas, não que eu tenha muito apreço por esse tipo de atividade.
Desço as escadas e só encontro Enrico sentado no sofá da sala vendo futebol.
"E aí, maninha." Nunca sei se ele diz isso com seriedade ou ironia, em todo caso, retribuo o comprimento.
"Você sabe onde Esther ou meu pai estão?"
"Seu pai ainda não deve ter voltado do trabalho e minha mãe está vendo as coisas do escritório." Ele me olha dos pés a cabeça como se nunca tivesse me visto, tudo bem porque na maioria das vezes que ele me vê estou de pijama mesmo.
"Pode avisar ela que fui comprar umas coisas?"
"Aham." Sua boca está cheia de pipoca e ele nem se dá ao trabalho de desviar seu olhar da TV.
"Você vai na festa hoje? Paro na porta.
"Sim, você vai?"
"É aniversário do Pedro, né." Ele diz e é óbvio que eu não sabia disso.
"Claro, eu sei."
"Laura vem aqui hoje?"
"Não sei, por quê?"
"Por nada."
Por que raios ele quer saber da Laura?
Saio de casa e pego um metrô até o centro, com os fones observo uma mulher acariciando os cabelos de seu filho, nunca dei a merecida atenção ao assunto maternidade, mas não é uma coisa que desperta tanta vontade em mim, e tenho dezessete anos, então não é algo que eu deveria me preocupar nesse momento. A única coisa que preocupa nesse exato momento é o que vou comprar de presente de aniversário para ele, nada me parece legal o suficiente, não tanto quanto o presente que ele me deu.
Sou inexperiente no quesito compras, a não ser que seja de livros, mas enfrento esse desafio. Entro em uma loja de langeries e me sinto envergonhada, vejo tantas mulheres mais velhas e me pergunto se algum dia elas já se sentiram tão envergonhadas por estarem aqui como estou nesse momento. Escolho algo que me agrade e que não seja tão casual e decido comprar, primeiro desafio, check.
Vejo tantos casais fazendo compras juntos e a vontade de que todo mundo saiba sobre mim e Pedro cresce, até agora não me preocupei com isso porque a coisa foi entre nós, e como não gosto de holofotes, achei melhor manter assim, mas quero mais, quero gritar para o mundo que ele é meu.
Entro em uma loja dessas que minha mãe geralmente passaria longe, porque segundo ela, não são roupas muito decentes. Entro e uma moça loira muito simpática me atende, ela tem os cabelos rosa nas pontas e tem muitas tatuagens, minha mãe com certeza faria um comentário ofensivo sobre seu estilo sem nem se preocupar se ela estaria ouvindo.
Digo à ela que procuro algo para uma festa mas que não seja tão extravagante, não sou mais a mesma mas vamos com calma. Ela pede meu tamanho e digo que visto 38.
Sento em uma poltrona enquanto ela traz alguns modelos e escuto uma voz familiar que atrai minha atenção para a entrada, é Rafaela e Yasmin, o pesadelo das minhas férias de verão.
Eu até gosto da Yasmin, ela pelo menos sempre foi bem gentil comigo e tenho uma leve impressão de que não se sente tão confortável com o comportamento da Rafaela. Elas não são capazes de me ver sentada onde estou, mas vejo elas, Rafaela pega o vestido mais extravagante e decotado da loja, e eu não esperava menos mesmo.
"Acho que você deveria desistir, Rafa. Ele saiu da sua faz tempo." É a voz de Yasmin.
"Ele só se esqueceu de como eu o faço sentir, ele ainda gosta de mim, todo mundo sabe disso."
"Olha Rafa, eu..."
"O que você acha desse vestido? Curto o suficiente para ele olhar?"
Sei de quem elas falam e quero levantar e dizer que ele é meu, só meu, mas me contenho.
A moça gentil de cabelos rosa chama minha atenção ao voltar com vários modelos. Pego e levo ao provador, já descarto os três primeiros porque são extremamente curtos e decotados, não me sentiria nem um pouco bem usando, mas gosto de um vinho que valoriza meu corpo e tem um comprimento legal, não é o que Mari, Liz e Laura chamariam de Madre Tereza e nem o que eu chamaria de extravagante, é perfeito.
"Se gostar de algum vem aqui para eu ver." A moça gentil grita empolgada, gosto de pessoas gentis assim.
Saio do provador e ela ergue os olhos. "Uaaal" Ela diz sem fôlego. "Ficou perfeito."
Em outras ocasiões eu diria que foi só um elogio para que eu de fato comprasse o vestido, mas me pareceu sincero. Olho no espelho e gosto do que vejo. Ual, gosto muito do que vejo.
"Olha só o que temos por aqui." E essa não é a voz da moça gentil, mas da Rafaela. Me viro e solto um sorriso sarcástico, a essa altura já ficou claro que não apreciamos uma a outra.
"Pois é, coincidência."
"Parece que a Madre Tereza está se soltando, não é?" Ela ri e Yasmin como sempre não participa da conversa.
"Usando decotes, vestido curto, quem diria. Mas toma cuidado, quem procura acha e nem sempre encontra o que deseja." Ela pisca. E se eu não tivesse toda a postura que minha mãe cobrou de mim durante dezessete anos eu não sei o que faria agora. Sua frase paira sobre minha mente, sinto um gelo na barriga.
Compro o vestido e aproveito para comprar uma pulseira nova que combine com meu colar, o colar que Pedro me deu. Roupa, acessório e unhas check, já tive meu dia de princesa.
Pego o metrô de volta e sempre com meus fones no ouvido, a música é o alimento da alma do adolescente, se alguém um dia disse essa frase, eu reafirmo com toda convicção.
Paro na cafeteria em que Pedro me apresentou, que se tornou o meu segundo lugar preferido no mundo, o primeiro é meu quarto, é claro, a segunda coisa que alimenta a alma do adolescente é ter sua privacidade, poder procrastinar sem que ninguém veja. Chorar, rir, dançar e surtar, é tudo o que precisamos às vezes, nossa própria companhia.
Entro na fila e meu celular vibra no bolso, reviro os olhos pensando que é a Laura me enchendo só para confirmar se vou à festa. Mas é Mari, e dessa vez liga sozinha, sem Liz.
"Oi, está tudo bem?" Questiono porque raramente ela me liga em horários em que posso estar fazendo algo, ou sem a Liz.
"Não muito bem, sabe o ficante da Liz, o Gustavo?"
"Sei sim, só um minuto." "Um café expresso por favor." "Continua."
"Então, fomos à uma festinha ontem, coisa simples, sem muita gente, só pra descontrair mesmo, e ele ficou com a Aline, lembra dela? Do terceiro ano?" Ela me explica mais uma das terríveis experiências de ser um adolescente, estamos em processo de amadurecimento e no auge dos hormônios, então as vezes esbarramos em pessoas que se conectam conosco mas nem sempre estão na mesma vibe, com as mesmas pretensões, nem sempre possuem as mesmas intenções. Talvez seja por isso que atitudes que mais tarde consideraremos como burrada, são tão frequentes, decisões inconsequentes e irresponsáveis são tomadas sem muita análise, é tudo muito confuso e novo, e na grande maioria das vezes não sabemos muito bem o peso que nossas atitudes têm.
"Não acredito, como ela está?"
"Muito mal, chorou a noite toda, trouxe ela para dormir comigo."
"Você fez certo."
"Sim, liga para ela mais tarde, ela vai precisar da gente agora."
"Claro, podemos fazer uma chamada como sempre depois."
"Isso mesmo, esperamos por sua ligação então."
"Pode deixar."
"Sarah?"
"Sim?"
"Sinto sua falta, se você estivesse aqui, metade das burradas que estão acontecendo não teriam acontecido, é você quem nos impede de fazer esse tipo de coisa ou mergulhar fundo em águas rasas, nosso trio está incompleto sem você aqui." Ela diz e meu coração parte, Mari e Liz são mais que amigas para mim, são parte da minha vida, minha história, sabemos tudo uma sobre a outra e crescemos juntas. A questão é que sempre fui mais centrada e racional, só não sei se ainda sou digna de assumir esse posto de volta.
"Eu também sinto falta de vocês."
"Sempre juntas."
"Sempre juntas."
A vida é tão complicada quanto uma decepção amorosa aos dezessete.
Me apoio no balcão para esperar meu café e alguém se apoia do meu lado. Hugo, o cara gentil e engraçado que interagiu comigo na festa. E rapidamente me lembro que é o que Pedro não gosta.
"E aí?" Ele me olha misteriosamente, me lembro de não ter conseguido decifrar seu olhar naquela festa, e não consigo novamente, é como a neblina, você sabe que tem algo alI, só não sabe o que ou quem, o que pensa ou quais intenções possui.
"Não sabia que gostava desse lugar." Eu digo tentando puxar um assunto. Ele ergue a sobrancelha.
"É, eu curto. É um bom lugar para pensar." Ele sorri de canto.
"Concordo."
"Está sozinha?"
"Ahh... Sim."
"Quer sentar comigo? Falar sobre algo ou não falar sobre nada juntos?" Ele quase me engole com seu olhar penetrante.
"Pode ser." Ele tem uma presença misteriosa, gosto disso.
A atendente vem com meu café e sentamos juntos no sofá que fica no fundo da cafeteria junto dos livros.
"E aí? Quais são suas verdades?" Ele me olha.
Acho que essa é uma péssima maneira de iniciar uma conversa. Eu não tenho ideia de quais sejam minhas verdades aos dezessete anos de vida.
"Bom, acho que é esse o intuito da adolescência, não é? Ajudar a construir nossas próprias verdades, faz parte do processo." Eu o olho firme dessa vez.
"E você acha que está fazendo um bom trabalho?"
"Não sei, estou tentando o máximo que posso, mas construir verdades é algo muito complexo a ser pensado aos dezessete, acho que vem com alguns ensinamentos que aprendemos em casa e quando criamos asas são aperfeiçoados, algumas coisas são desconstruídas, outras surgem, outras são aprimoradas, acho que é mais ou menos isso."
"Continue." Ele me olha com curiosidade e toma seu café.
"Acho que depende das experiências que você teve e do resultado delas, boas ou ruins, das pessoas que você conhece e das coisas que você aprende. É como várias sustentações para uma construção, não acho que seja uma verdade e que seja eterna, acho que ao longo dos anos vamos construindo nossas verdades e reconstruindo se necessário."
"E você acha isso bom?" Ual, que conversa profunda.
"Acho que nossas verdades nos fazem ser quem somos, a filosofia de vida que seguiremos, o que acreditamos e o que nos leva a tomar atitudes. Então acho que seja bom, é um processo que todo mundo passa, descobrir no que acredita ou como acha que deve agir, essas são nossas verdades."
Ele suspira, acho que ele não esperava uma conversa tão funda, e para ser honesta nem eu, mas já que ele começou, apenas segui a correnteza.
"E você, acha que está fazendo um bom trabalho construindo suas verdades?" Pergunto tomando um gole de café.
"Bom, muita coisa é confusa nesse momento da vida, estamos tendo experiências agora, precisamos errar para entender certas coisas e para adquirir experiências que nos dê o mínimo de sabedoria para viver a vida. Acho que aquele ditado "É errando que se aprende" faz todo o sentindo, você nem sempre sabe como são certas coisas até passar por elas e ver o que dá certo e o que não dá, ou o que convém e o que não convém." Ele para para tomar um café e me olhar nos olhos.
"A questão é que essa é a nossa hora de errar para adquirir bagagens para a vida, acho que seja por isso que quanto mais tempo passa, menos erros tolos são cometidos, e que os mais velhos são mais sábios, quanto mais bagagem nós temos, mais experiência temos e menos erramos. É claro que existem exceções, mas acho que no geral é isso.''
"Concordo. Acho até que esperam demais de nós nesse momento, qualquer passo e podemos torcer o pé, e ainda sim temos que encontrar o amor de nossas vidas, ser bom aluno, entrar na faculdade, ter um ótimo comportamento e decidirmos nosso futuro."
"É um peso e tanto."
"Pois é, e ainda esperam que tenhamos o menor número de erros possíveis, o que ao meu ver é hipocrisia. Como vamos encarar a vida sem cair de cara no chão? A vida nos passa rasteiras sempre que pode e não temos muita experiência para lidar com esse tipo de coisa, então fazemos o que achamos certo."
"E o que achamos certo na maioria das vezes está errado."
Rimos juntos. Essa é a realidade, não é como nos filmes clichês, os quais problemas se resolvem sozinhos ou com uma simples conversa, nem sempre uma conversa basta, nem sempre as pessoas estão dispostas a nos ouvir, e nem sempre entendemos o que sentimos.
Passamos mais um tempo falando sobre nossas verdades e criticando toda a pressão que é colocada sobre nós nesse momento. Uma conversa gostosa, daquelas que nem se vê o tempo passar, tomamos nosso café e pedimos outro, ele me conta das próprias verdades, sobre a faculdade de filosofia que quer ingressar e sobre livros.
"Eu sabia que você era de humanas, estava escrito na sua testa." Digo rindo.
"Ah, é? Então a senhora além de boa ouvinte desvenda nossas pretensões?" Ele ri.
"Quando você iniciou o assunto me perguntando sobre minhas verdades antes mesmo de um café eu tive certeza."
"É, tenho que admitir que amo uma brisa, seja ela digna de entrar em um debate filosófico ou não."
"No nosso próprio debate podemos tornar qualquer assunto digno.''
Meu celular vibra no bolso, resolvo olhar e percebo que se eu quiser estar bem arrumada hoje não posso demorar muito aqui. É Pedro.
"Onde você está?" Nenhum olá, nenhum coração, apenas uma mensagem de questionamento.
"Estou na nossa cafeteria."
"Sozinha?"
Algo não está certo, nunca fui a melhor em perceber certas coisas e pegar certas informações no ar, mas sei bem que Pedro quer algo.
"Não, com Hugo."
"Merda, Sarah."
"Qual é o problema?"
E não obtenho resposta, apenas uma mensagem visualizada. Sabia que ele queria saber algo.
"Terra chamando Sarah." Hugo diz me tirando de meus devaneios.
"Desculpe, acabei me distraindo." Sorrio, ele parece realmente muito gentil.
"Você vai à festa hoje?" Ele pergunta.
"Vou sim, não sou muito fã de festas mas tenho ido à muitas ultimamente."
"Bem vinda á adolescência, festas sempre que dá, porres, desilusão amorosa, falsidade." Ele intensifica seu olhar.
"Ual, otimismo é tudo." Rio.
"Pois é, a realidade nua e crua, não é?" Ele olha no fundo dos meus olhos. Sinto um incômodo.
"É."
"Tenho visto bastante você e Pedro, rola alguma coisa?" Não estou gostando da forma como ele conduz essas perguntas.
"Aah, rola algo." Respondo sem jeito, não sei o que dizer.
"Aah, é que pensei que..." ele para e olha para frente, meu olhar é atraído também.
"Estou atrapalhando?" É a voz de Pedro, de pé e com as mãos no bolso bem na minha frente. Não estou acreditando que ele está tendo uma crise de ciúmes.
"Na verdade não, estávamos falando sobre você, quer participar?" Ele ergue a sobrancelha e há uma conexão entre seus olhares.
"Não, obrigada, nós temos que ir, Sarah, seu pai quer você em casa." Ele diz estendendo a mão.
"Não acredito que você vai bancar o guarda costas, esperava mais de você, Pedro." Hugo está sendo totalmente sarcástico, há um clima do qual não faço parte, e só sei que não é bom.
"Eu espero que você vá à merda, vem Sarah." Ele pega minha mão e me levanto. Estou extremamente pasma com a cena que acabei de presenciar.
"Tchau, Hugo."
"Tchau, Sarah."
Saímos pela porta e caminhamos, ele vai na frente e corro para acompanhar.
"Você pode me explicar o que foi aquilo?" Pergunto perplexa.
"Aquilo o quê?" Ele pergunta como se nada fora do normal tivesse acontecido.
"Sua crise de ciúmes, não estou entendendo."
"Não foi crise de ciúmes, só não gosto daquele cara." Ele anda rápido e eu sofro para o acompanhar.
"E porque você não gosta dele eu não posso ter uma conversa com ele?"
"Esse cara é um idiota, não é para você."
"Ninguém é para mim, não é, Pedro? Eu não sirvo para ninguém aos seus olhos, não é?"
"Não viaja, Sarah."
Saio andando na frente e ultrapasso ele, estou cheia de raiva agora, se ele acha que pode simplesmente ser desagradável e agir como uma criança de dez anos ele está enganado, não vou permitir que isso aconteça.
"Sarah."
Não respondo, corro o máximo que posso e choro, é a única coisa que faço com propriedade nesse momento da minha vida, chorar.
Muitas coisas vem em minha mente nesse momento, a relação com a minha mãe que foi afetada por Pedro, meus sentimentos, tudo.
Entro em casa e vou direto ao meu quarto, não sei se alguém me viu entrando desse jeito ou não, mas pouco me importa, meu coração bate forte e eu poderia socar alguém com a raiva que sinto. Estou ansiosa, merda. Não posso ter uma crise de ansiedade agora, merda, Sarah.
Minha porta abre, me viro e é Pedro.
Estou suando, minhas mãos estão me machucando novamente, agitada, e chorando, é o efeito da ansiedade em mim, um milhão de sentimentos e sensações.
Eu o encaro e vejo seu olhar ir de furioso á carinhoso. Ele está conhecendo nesse momento meu estado vulnerável, o qual eu não pretendia que ele visse.
"Sarah, o que está acontecendo?" Ele vem em minha direção e toca minhas mãos. "O que é isso?" Ele vê minhas mãos machucadas.
"Minha ansiedade, fiquei estressada, chateada e minha ansiedade atacou."
Ele me olha com piedade e carinho, é um olhar o qual eu não conhecia, um olhar profundo e sentimental, eu vejo seu coração nesse momento.                     ''E você se machuca assim?'' Ele arregala os olhos.                                        ''Sim.''
"Poxa, Sarah. Vem, senta aqui." Ele me leva até a cama e nós sentamos. "Vou buscar um copo de água." Ele sai e respiro fundo, tomo o remédio que minha médica disse para tomar caso a ansiedade piore, o meu ponto fraco é o emocional, no auge dos meus dezessete anos e com meus hormônios à flor da pele eu mal controlo minhas emoções.
Respiro fundo e fico tranquila, já passou, já era, agora posso ficar calma.
"Vem cá, toma e respira fundo." Eu tomo e consigo observar a maneira como ele me olha, da mesma forma que meu pai me olha às vezes, um olhar de culpa e de carinho.
Ele me deita em seu peito e nós ficamos nessa posição até que fique tudo bem, ele me acalma e é como se minha ansiedade jamais tivesse existido, não sei o que ele fez, mas melhorei em minutos.
"Tudo bem?" Ele pergunta com calma, bem diferente do Pedro de minutos atrás, a inconstância de seu humor é grande.
"Melhor agora." Me levanto de seu peito e me sento ao seu lado. Pedro é meu porto seguro, não tenho pesadelos quando estou ao seu lado e minhas crises de ansiedade se acalmam.
"Me desculpe, é só que Hugo realmente não é pessoa para estar perto de você, e não quero que ele fique perto de você."
"Como você tem tanta certeza que ele não é boa pessoa? Ele foi legal comigo."
"Essa é a questão, ele não tem boas intenções, Sarah. Não dá pra só ouvir o que eu te digo?" Ele diz impaciente.
"Não quando você não me dá motivos, me ajuda a te entender Pedro.''
Ele revira os olhos.
''Vem cá." Ele me puxa e me arrasta até a cama.
"Não vamos deixar que ele nos atrapalhe." Ele me posiciona em baixo dele e mergulho em um oceano de sensações, beija-lo é sempre inusitado, nunca sei qual a sensação, sentimento ou gosto irei sentir. É como tudo que vem dele, incerto e bom.
Nos beijamos com vontade e desejo, nos desejamos mais do que nunca e sem dúvidas essa é a melhor resposta para nossas discussões, é assim que tudo sempre acaba.
Ele para o beijo e me olha nos olhos, no fundo dos meus olhos, é assim que nossa conexão é feita.                                "O abismo dos seus olhos me puxa cada vez mais para baixo."
Sorrio.
"Não sabe o quão fundo eu já mergulhei no mar dos seus olhos."
Ele beija minha testa.
"Eu gosto de você, Sarah. Mesmo. Nunca mais diga coisa parecida com o que disse hoje, você é mais que suficiente, você me tira dos meus pesadelos." Ele diz pegando em minha mão.
"Eu sei, eu só..."
"Você só ficou chateada com o que eu fiz, eu sei, me desculpe por isso, mas você significa muito para mim, entende? Independente do que eu diga as vezes."
"Entendo."
Ele beija minha testa e sai.
"Te vejo pronta, às 19, diz para Laura que você é minha hoje."
Meu corpo incendeia com sensações que só ele me proporciona. Sento em minha cama para voltar ao mundo, eu flutuo quando estou do seu lado.
Ligo para Liz, ela precisa de mim agora mais do que nunca. Ela atende na terceira chamada.
"Oi..." Ela diz com voz de choro e isso quebra meu coração, ver minha amiga sofrendo dói. Ver qualquer um que eu goste sofrendo dói.
"Eu mataria ele se fosse possível. Sabe disso, não sabe?"
"Sei, mas não resolve os problemas, um coração já foi quebrado."
É esse o problema de ser adolescente, não existem decepções amorosas apenas na adolescência, mas geralmente é nela que tudo começa e nunca estamos preparados para ter o coração partido por alguém. Dói e não tem remédio, não há uma cura, apenas precisamos enfrentar e seguir em frente, é isso que a maioria das pessoas têm feito nos últimos séculos.
"Queria poder abraça-la nesse momento."
"Eu também queria, mas tudo tem sua primeira vez e a minha chegou, a primeira decepção amorosa chega para todos."
E minha barriga dói, sei que Liz não apoia o que eu tenho com Pedro e sei também que é sua forma de me alertar. Mas ela não tem forças para essa discussão agora, então finjo não escutar.
"Preciso ir agora, mas se precisar, sabe que estou aqui, não sabe?"
"Claro, sempre juntas."
"Sempre juntas."
Desligo, suspiro fundo e caminho para o meu banho quente, às vezes é tudo o que podemos fazer.
Tomo meu banho pensando em Liz, sempre li nos livros que amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente, é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. Agradeço à Camões por tão belas palavras, mas a realidade é que nem sempre temos finais felizes e nem sempre os amores que lutamos para sobreviver sobrevivem, nem sempre é ferida que dói e não se sente, as vezes sentimos e muito, não só dor, como arrependimento por ter lutado tanto por um amor que só nos acrescentou tristeza. As pessoas vendem o consolo de que "Não deu certo, mas pelo menos você adquiriu experiência.", mas será que um coração partido vale uma experiência? Será que dor e sofrimento valem o simples fato te adquirir sabedoria?
Tantos questionamentos em um simples banho me levam a mais um questionamento: será que todos os adolescentes possuem tão poucas respostas para acontecimentos da vida como eu? Porque a única coisa da qual possuo certeza nesse momento é de que hora ou outra vamos sofrer, algum tipo de dor, por determinada pessoa, seja sofrimento proveniente do amor, da traição, da morte ou de nós mesmos, uma hora vai acontecer.

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