A semana passou e eu mal percebi, foi como se o mundo passasse normalmente ao meu redor e eu estivesse parada observando. É assim que me sinto, deslocada, como se estivesse presente de corpo e não de alma.
Não fiz nada de interessante durante a semana, porque realmente não consegui. Conversei com Liz e Mariana mas ainda não contei do beijo, pelo menos não até eu entender o que está acontecendo. Troquei umas mensagens com Laura, ela se desculpou por ter me deixado sozinha no meio de jovens idiotas e desconhecidos. Conversei com minha mãe também e ela me perguntou da ansiedade, está tudo dentro do normal por enquanto, porque é outra coisa que toma minha mente no momento. Pedro.
Ele passou a semana sem vir aqui, Esther disse que ele ficou cuidando de sua mãe, então não sabia quando ele voltaria. Andei perguntando para Enrico se ele tinha notícias, mas ele também não sabia muita coisa. Parece que estou em abstinência de Pedro, preciso dele, é como se meu corpo estivesse viciado nele. Ele simplesmente disse que não era para mim e foi. Já é quinta feira e sinto como se a semana tivesse passado e eu não tenha saído do lugar. Sempre achei que algum dia da minha vida ficaria louca, mas não aos dezesseis anos em pleno segundo ano do Ensino Médio.
O por do sol chega e eu sento no sofá da sala observando o sol ir embora. Não sei qual é o meu problema, só sei que envolve a falta de Pedro e o pior, eu não saber como ele está no momento, isso está me destruindo por dentro. Não sei se ele precisa de alguém que o acalme, se ele se envolveu em outra briga e precisa de um curativo.
Esther se aproxima e coloca a mão no meu ombro.
"Está tudo bem querida? Você anda meio aérea ultimamente." Não estou acostumada a desabafar com as pessoas, minha mãe sempre fez a linha dura e fria, então não me sinto confortável o suficiente para falar sobre meus sentimentos com ela. Mas também não me sinto íntima o suficiente de Esther para deitar em seu colo e chorar, então só faço que sim com a cabeça e ela senta ao meu lado. É mais fácil esquivar dos sentimentos para não precisar enfrenta-los.
Ela está com um álbum de fotos na mão.
"Andei limpando o closet e achei esse álbum de fotos antigas. Não o vejo desde que mudamos pra cá, decidi abandonar essa velha vida quando me mudei pra cá com seu pai."
Quando vi Esther pela primeira vez, ela parecia ser do tipo de mulher que passa o dia na cozinha e cuidando da casa, e mais uma vez ela me surpreendeu me mostrando a super advogada e dona de casa que é. Mulheres são desde sempre ensinadas à viverem suas vidas assim. Nenhuma mulher nasce para ser estereotipada à dona de casa, nós podemos ser o que decidirmos ser, podemos ser astronautas e donas de casa, ou donas da nossa própria casa. Podemos ser o que quisermos ser se questionarmos tudo o que a sociedade nos impõe. E foi isso que percebi em Esther, ela é uma grande advogada e dona de casa, dona da própria casa, do próprio jardim, lê sobre tudo e está antenada a qualquer assunto que você queira falar, além de suas incríveis habilidades na cozinha. Ela trabalha em casa para poder dedicar-se mais à família, mas por escolha dela, porque ela escolheu seu futuro e não deixou que a sociedade a impusesse isso. E eu a admiro por isso.
Nós mulheres passamos a vida ouvindo o que não podemos fazer. Mas quem disse que não podemos fazer? Quem na porra do mundo teve a ideia de tornar a vida das mulheres um saco impondo tantas coisas? Nós mulheres podemos, não só podemos como devemos, e não só devemos como fazemos. A sociedade que lute para nos ver voar, porque como já dizia Frida: "Pés, para que os quero, se tenho asas para voar?"
Esther me mostra as fotos do álbum, tem umas fotos de quando ela casou, estava grávida de Enrico e casou porque seus pais obrigaram o pai de Enrico a casar com ela. Segundo ela, ele foi um bom homem, a ajudou a fazer faculdade e a voar. Mas morreu em um acidente de carro. Ela diz que acha que é por isso que Enrico e Pedro se identificam tanto, os dois perderam um daqueles que os deram a vida.
Tem umas fotos de Enrico abraçando Pedro quando eles tinham uns dez anos, Enrico era gordinho e Pedro como sempre, com cara de mal humorado. Olho para sua imagem e minha preocupação atinge meu peito novamente. Não me lembro de algum dia em minha vida ter ficado tão angustiada assim.
Esther vai preparar o jantar e eu subo para tomar um banho, não fiz nada demais mas sinto como se tivesse corrido uma maratona, cansaço mental é mil vezes pior. Tento relaxar o máximo possível no meu banho quente e penso em Pedro, será que ele sente minha falta como sinto a dele? Sinto como se nós fossemos conectados.
Saio do banho me lembrando do dia em que ele invadiu meu quarto me vendo de toalha e eu queria morrer por isso. Ainda quero, mas se acontecesse de novo eu não acharia tão ruim. Não sei quem é essa nova versão de mim, mas é bem diferente da antiga, estou descobrindo um novo eu junto a essa minha nova vida aqui. Não sei como irá ser quando eu voltar para minha casa, mas não tenho forças para pensar nisso agora.
Meu telefone toca e é Laura, atendo e ela me conta das novidades, e diz que seus pais vão acampar no fim de semana e a casa vai ficar livre. E é óbvio que Laura vai fazer uma festa, adolescentes previsíveis zero e Sarah dez. Essa é a coisa mais previsível que um adolescente pode fazer, esperar seus pais saírem para fazer uma festa na primeira oportunidade.
"Não sei se é uma boa ideia, Laura. Isso nunca dá certo, você nunca assistiu filmes não? Os pais sempre descobrem."
"Que filmes, Sarah? Aff, você é tão desanimada, relaxa, a gente limpa tudo direitinho depois. Por favor diz que me ajuda, só tenho você." E lá vamos nós para o drama adolescente.
Rio e acabo concordando, sei que nunca vou ganhar uma discussão com Laura, a adolescente mais previsível do planeta, perdendo apenas para os garotos que para ficar com uma menina pela primeira vez dizem: "Você é diferente de todas as outras." Homens, vocês são patéticos, todos vocês.
Depois de já estar quentinha e de pijama, vou à cozinha para comer alguma coisa, não estou com tanta fome para jantar e minha ansiedade está começando a bater na porta, não sei como ela vai ficar se eu não tiver uma notícia logo de Pedro.
"Você não vai jantar querida?" Esther me pergunta percebendo que encho minha tigela de cereal e leite.
"Desculpe Esther, mas não estou com tanta fome hoje, se você não se importa."
"Claro que não queria, claro que não."
Coloco a caixa de cereal de volta no armário e decido voltar para meu quarto e só sair de lá amanhã. Dou as costas mas paro quando ouço Esther falar.
"Sarah?" Ela diz em um tom bem calminho e amigável.
"Sim?" Eu digo me virando.
"Você pode contar comigo se precisar, não estou aqui para substituir sua mãe e nem pretendo, sei que pode ser difícil para você, mas estou aqui como amiga." Ela diz com receio.
"Tudo bem, obrigada." Eu sorrio.
Esther é realmente muito diferente da minha mãe. Depois que meu pai nos deixou ela começou a ficar fria e se preocupar demais com as aparências ou com o que os outros pensam. Parte disso é culpa do meu pai, é claro. Mas nem me lembro a ultima vez que tivemos um momento carinhoso de mãe e filha.
Volto para o meu quarto e deito na cama para maratonar minha série, está um tempinho de chuva, o que não é muito comum no verão, mas eu gosto e me distrai da única coisa que ocupa minha mente: Pedro.
Tento tirá-lo da cabeça e me concentrar em Friends, nunca me canso de assistir.
Acabo adormecendo e acordo com Laura me ligando, são onze e meia, acho que exagerei assistindo série até três e meia da madrugada.
"Alô?"
"Eu posso saber porque minha amiga ainda não está em casa me ajudando com a festa? Temos pouquíssimas horas e meus pais já vão sair!" Ela diz bem alto com sua voz estridente.
"Laura o sol acabou de nascer, qual é." Sei que nesse momento ela está virando os olhos com meu sarcasmo.
"Sarcasmo não combina com você, Sarah."
"O que? Como você sa..." E ela desliga na minha cara, mas nem ouso questionar. As pessoas realmente dizem que sarcasmo não combina comigo, não sei porquê.
Desço para comer alguma coisa e encontro Enrico sentado na bancada, Laura disse que ele costuma ser esnobe às vezes, mas ele demonstrou ser bem gentil comigo desde que cheguei.
Estou descabelada e de pijama mas a essa altura eu realmente não estou nem aí, depois que eu pego intimidade com as pessoas elas só me veem de pijama e descabelada. Eu ainda acho que andar descabelada e de pijama deveria ser aceito como normal na sociedade, já que é uma coisa que todo mundo se sente confortável e só não faz por medo do julgamento alheio. O mundo seria melhor se todo mundo concordasse que pijama e cabelo sem pentear é confortável para o ser humano.
"Bom dia, Sarah. Não sei se você se importa, mas a mãe de Pedro já está melhor, ele me ligou hoje. Disse que ficou a semana toda cuidando dela."
"Obrigada, Enrico, eu me importo e fico feliz em saber." É o que consigo responder, apesar de querer enche-lo de perguntas. Trinta quilos saem de cima das minhas costas, é como se todo esse tempo esse peso estivesse em mim, e agora que sei que Pedro não surtou de vez, posso ficar sossegada. Quero ajudá-lo, quero que ele confie em mim, mas Pedro tem problemas demais e no fundo sei que sempre acabo me machucando quando entro de cabeça assim nos problemas das pessoas.
"Ele está bem?" Não consigo me conter.
"Está sim." Ele sorri.
Volto a tomar meu café.
"Sarah?"
"Sim?"
"Você faz bem à ele."
Apenas sorrio. Espero que Pedro pense o mesmo.
Meu dia passa voando depois que decido tirar meu pijama que não desgruda de mim faz uma semana, ajudo Esther com o almoço e Enrico nos ajuda a fazer a salada, rimos um pouco juntos quando meu pai derruba o pote de sal no chão e faz a maior sujeira.
Ainda sinto mágoa do meu pai por todo o abandono, mas não significa que não possamos ter alguns momentos bons. E hoje tivemos vários.
Jogamos inúmeras partidas de Banco Imobiliário e minha barriga dói de tanto rir, eu e Enrico ficamos milionários em todas as partidas.
Laura me liga às cinco da tarde jurando que se eu não voar para sua casa em cinco minutos ela vem me buscar à força. Por sorte ela mora na rua de trás e não leva nem cinco minutos pra chegar em sua casa. Seus pais acabaram de sair e ela começa a esconder os porta retratos, vasos que não podem ser quebrados e trancar as portas que não devem ser abertas por adolescentes bêbados e previsíveis. Só aceitei fazer isso para me distrair de Pedro.
Em duas horas arrumamos tudo e está tudo pronto. Arthur, Yasmin, Rafaela e Hugo, chegam às oito com a comida e a bebida.
"Vamos tomar um banho e nos arrumar, para mim é a melhor parte."
"Vou ter que passar em casa pegar algo para vestir, e com certeza a melhor coisa do mundo é passar horas ficando linda para caras bêbados nem lembrarem do seu rosto no outro dia, uhul" Digo rindo.
"Sarcasmo não faz seu tipo, Sarah. E eu já separei uma roupa linda para você, sem panos até o joelho e sem Madre Tereza, vem logo." Ela me puxa e não me dá escolhas, é claro. É a Laura, é o que ela faz, deixa as pessoas sem escolhas, é tudo do jeito dela.
Tomo um banho e ela me obriga a me depilar, acho que meu aparelho de depilar deve estar achando que morri depois de tanto tempo sem usá-lo, mas ninguém me vê dos joelhos pra cima mesmo.
Estou usando um vestido preto não totalmente colado porque Laura sabe que eu ainda não aceitaria, mas bem diferente do que eu estou acostumada a usar, um tanto mais curto e mais aberto. Ela solta meus cabelos e faz cachos, e o delineado gatinho não fica de fora, é claro. Pela segunda vez maquiada chego à conclusão de que talvez eu não fique tão ruim de maquiagem.
"Uaaaalll, eu posso ganhar o Oscar por transformar você tão bem assim, ninguém diz que é a mesma Sarah" Ela ri.
"HA HA HA, obrigada por deixar bem claro que eu estava desleixada. Aah, espera, eu estava mesmo e não estava nem aí para a opinião de vocês." Eu rio muito.
"Você diz como se também não fosse adolescente, tudo bem que você não age como uma mesmo, mas ainda é uma adolescente."
"Você é patética, sabe disso né?"
"Obrigada querida, adoro quando você me elogia." Laura diz em tom sarcástico
"Sarcasmo não combina com você, Laura" Eu digo rindo.
Gosto da Laura e de como ela faz eu me sentir uma adolescente de verdade. Quer dizer, eu sempre fui um pouco mais madura do que minha idade porque precisei dessa maturidade muito cedo pra tomar conta da minha mãe quando ela desabou pelo meu pai, e para tomar conta da casa quando minha mãe está ocupada demais com seus plantões. Então me refugiei nos livros, eles sempre estiveram lá para mim e eu para eles. Eu sempre tive dificuldades em fazer amizade com as pessoas da minha idade porque sempre fui mais madura, eu sempre estava um passo à frente. E então passei a sentir certa raiva das pessoas da minha idade que agem como inconsequentes, vomitam onde não devem e deixam suas mães loucas de preocupação, todo mundo diz que a adolescência é a idade de errar e fazer besteiras, mas eu nunca tive muito tempo para isso, estive ocupada demais ajudando minha mãe em casa. Então passei a rejeita-los por agirem como se não tivessem responsabilidades. Mas Laura trás à tona esse meu lado adolescente, eu nunca nem tinha ido à uma festa e olhe só, agora estou de vestido preto justo e maquiada, se Mariana e Liz me vissem assim, não acreditariam que é a mesma Sarah.
Me olho no espelho e me sinto contente com o que vejo, não tão confortável porque é como se eu não me reconhecesse, mas estou me sentindo linda pela primeira vez.
Ouvimos o carro do pessoal estacionando e descemos para recebe-los, Rafaela me olha de cima a baixo com um olhar raivoso, e me lembro da relação que ela tem com Pedro, não faço ideia do que eles têm, mas sei que há algo. Sinto uma pequena raiva crescer em mim quando penso nela tocando Pedro.
"E aí" diz Yasmin quebrando o clima chato entre nós.
"Trouxe os salgadinhos" Artur grita indo em direção à cozinha.
"E nós as bebidas" Yasmin diz muito alegre e aponta para ela e Rafaela, ela é bem auto astral. Continuo me sentindo deslocada, Rafaela me intimida firmemente.
Hugo está parado encostado na mesa. Ele está bem bonito, veste uma camisa jeans bem azul e uma calça rasgada. Seus cabelos estão um pouco grande mas eu gosto assim, sempre achei bonito meninos com cabelos mais longos. Esse é um dos motivos de discussão entre mim e Mariana, ela acha totalmente feio.
"Como está indo as férias?" Ele pergunta com um sorriso calmo e com as mãos no bolso. Querendo puxar assunto.
"Até que bem, não esperava que eu fizesse muitos amigos e fosse à festas, mas cá estou eu."
"É, eu posso imaginar que você não é muito de festas mesmo levando em consideração o seu desconforto." Ele diz e olha para baixo. "Eu sinto muito pelo ocorrido aquele dia, aquele cara é um idiota mesmo, não sei porque ele foi convidado."
É, eu também sinto, e vocês precisam rever suas amizades. É o que quero dizer, mas não digo. Calma, Sarah, fazer novas amizades não precisa ser tão ruim.
"Tudo bem, existem caras idiotas mesmo, eu não esperava menos quando o vi, só fiquei assustada." Digo com indiferença.
"Bom, parece que você já odeia os homens, o que posso fazer para mudar sua opinião?" Ele se aproxima e encosta na parede ao meu lado enquanto observo Laura começar a se embebedar, não sei porque ela insistiu tanto que eu viesse se já tem Rafaela e Yasmim como amigas.
"Bom...." Eu digo pensativa e olho em seus olhos tentando decifrar seu olhar, mas é ele quem quer me decifrar hoje.
"Vamos lá, qualquer coisa, floresça a Frida dentro de você" Ele diz e cai na gargalhada.
"Como é?" Eu digo e depois caio na gargalhada junto, mas realmente não entendi o que ele quis dizer.
"Não era Frida kahlo que odiava os homens?" Ele diz sério, e sabe que está brincando com o fogo.
"Olha, se isso é o que tem a dizer quando se refere à uma baita mulher feminista e foda, eu já te odeio e muito. Diego Rivera é quem era um bobão, você também o odiaria se tivesse casado com ele." Esse comentário talvez seja um dos mais absurdos que eu já escutei em minha vida, mas vindo de um homem eu não poderia esperar muito mesmo. Frida odeia os homens, essa é boa. E quem é que não odeia?
"Você lê?" Eu pergunto e já sei como formar minha opinião sobre ele.
"Sim, curto um pouco, quer tirar conclusões sobre mim assim?" Ele pergunta sem entender.
"Capitu traiu ou não traiu Bentinho?" Eu pergunto e essa é melhor forma de tirar conclusões sobre as pessoas. Para mim o mundo é dividido entre as pessoas que acham que traiu, as quais eu fico com um pé atrás, e entre pessoas que acham que não traiu, as quais gosto de fazer amizade. E as que nem sabem sobre o que falo, eu definitivamente sei que não as quero em meu círculo de amizades.
"Não traiu, Bentinho é que era possessivo." Ele diz me olhando fixamente querendo rir.
"Bom, parece que você passou no teste para entrar em meu círculo de amizades." Eu digo e solto uma gargalhada, rimos muito juntos e nem me lembro quando foi a última vez que ri tanto assim ao lado de um amigo. Bom, pelo menos ele lê e sabe quem é Frida Kahlo, já é muita coisa em comparação aos garotos que estou acostumada. Estou começando a gostar daqui.
Vou até a cozinha para ver se está tudo em ordem, mas Laura me obriga a ajudá-la a levar as bebidas para a sala, parece que vão jogar verdade ou desafio. É claro que vão, são adolescentes querendo dizer coisas das quais querem que todos saibam e loucos pra beijar alguém sob a desculpa de um jogo.
Coloco mais garrafas de vodca em cima da mesa e sinto alguém se aproximar.
"Precisa de ajuda?" Uma voz masculina me questiona. Olho e é Artur, com seu estilo mais despojado e muito calmo, não trocamos muitas palavras desde que cheguei.
"Claro." Sorrio.
"Olha, eu sinto muito por aquele idiota aquele dia, eu teria dado uma surra nele se tivesse ao seu lado." Ele me olha com um sorriso de canto, como um consolo.
"Obrigada, eu deveria tomar mais cuidado também, é uma merda que a gente tenha que se preocupar tanto assim em não ser estuprada." Digo enquanto tiro mais vodcas das caixas, eu não tenho ideia de como esse povo vai beber toda essa bebida.
"É uma merda mesmo." Ele diz. "Está aproveitando as férias?" Ele me olha.
"Sim, estou fazendo coisas das quais não imaginei que faria, mas estou aproveitando." É uma grande mentira, porque até agora não fiz muitas coisas além de me preocupar com Pedro, mas não vou dizer isso à ele.
"Se quiser tomar alguma coisa algum dia desses estou aqui." Ele sorri.
"Claro, obrigada." Sorrio.
É impressão minha ou Artur está levemente dando em cima de mim?
"Nós vamos sempre à enseada pegar uma onda juntos, aparece qualquer dia."
"Claro." Sorrio.
Me sinto deslocada nessa festa, exatamente como me senti na outra, não sei porque raios aceitei vir novamente se sei que isso não é pra mim, estou desconfortável nessa roupa e me sentindo péssima. A boa notícia é que não preciso de um táxi para ir embora, não é seguro andar até a rua da casa do meu pai sozinha, mas farei assim que Laura não precisar mais da minha ajuda.
Quando coloco a última bebida em cima da mesa olho para o chão e vejo um par de All Star de couro preto. Conheço esse tênis, conheço essa calça, essa camiseta e esse corte de cabelo. Pedro.
Meu coração pula do meu peito e volta novamente em segundos. Estou sem reação, sem fala. Não o vi por uma semana depois que ele disse não ser o cara certo para mim e o vejo sentado no sofá e ele não está sozinho. Rafaela está ao seu lado, com um vestido vermelho e tão curto que quase vejo sua calcinha. Então eu não sou boa o suficiente para ele, mas ela é? Entendi, Pedro.
Rafaela me cerra com os olhos e coloca as mãos no cabelo de Pedro, ela fareja o meu desespero e está fazendo isso de propósito. Estou sem graça, imóvel feito idiota, passei a semana toda preocupada para me deparar com essa cena sem nenhuma explicação.
"Quer jogar bebe ou fala, Sarah?"
Ela diz com um sorriso malicioso e provocativo.
"Ou você também não é disso? Parece que você não é de muita coisa, não é mesmo Sarah? Ou talvez seja boa demais para nós." Ela ri e Pedro ri também, por que ele tem que ser tão idiota? Meu peito infla de tanta fúria e minha mandíbula marca.
"Na verdade eu vou jogar sim." Digo não tendo ideia do que estou fazendo. À segundos eu estava criticando esse jogo idiota e cá estou eu, sendo idiota. Merda.
"Ualll, vamos ver quais segredos tem nossa Sarinha" Ela diz e ri, estão todos rindo, eu dou um sorriso sem graça para disfarçar mas ela sabe que me afeta, e esse é o problema.
Yasmin está do meu lado, ela se aproxima do meu ouvido dizendo:
"Não precisa dizer nada que não queira."
"Certo."
"Eu começo" diz Yasmin sorrindo.
Ela gira a garrafa e aponta para Laura.
"Quem foi a última pessoa que beijou?" Ela diz rindo, provavelmente já bebeu mais do que deveria.
"Artur."
"Uuuul, corajosa ela!"
"Eu aceito repetir se você quiser." Ele dispara.
Eu sabia, adolescentes são realmente previsíveis.
Ela simplesmente se levanta e da um beijo nele. Eu não disse que seria assim? Adolescentes previsíveis zero, Sarah dez. É o que penso tentando me distrair do fato de que estou dentro desse jogo idiota.
Laura gira a garrafa e ela para em Rafaela.
"Bom, quando foi a última vez que transou?"
E lá vamos nós.
"Essa é fácil. Foi ontem" Ela diz e olha para Pedro.
Eu também previ essa, adolescentes dizendo o que estão loucos para que todos saibam, parece que é dez para Sarah e zero para adolescentes previsíveis novamente. O que eu não previ é que foi com Pedro. Eu passei a semana toda preocupada com ele e ele estava se divertindo com ela? Justo ela? Ok Sarah, não pira. Pelo menos não agora.
Sou tirada do meu devaneio quando vejo a garrafa parada em minha direção e a voz de Rafaela me tira de meu transe.
"Quem foi a última pessoa que você beijou?" Ela pergunta e ergue a sobrancelha, sei que ela quer me humilhar para que todos saibam que eu não beijo ninguém, o que ela não sabe é que eu estive muito próxima do mesmo colo em que ela está quase sentada nesse momento. Mas não digo, não posso.
Yasmin se aproxima de meus ouvidos.
"Lembre-se, nada que não queira."
"É... Tudo bem, eu bebo."
Percebo o alívio de Pedro, ele ficou tenso quando pensou que eu responderia a pergunta, se ele está com vergonha que todos saibam do nosso beijo não precisa se preocupar, porque eu também não quero que ninguém saiba. Mas vê-lo nervoso dói.
"Então quero que beba uma dose de tequila, você está muito tensa Sarah."
Merda, nunca bebi tequila antes.
"Qual é, Sarah! Só uma dose, você nem vai sentir." Ela diz como se lesse meus pensamentos.
E quando vejo já virei a segunda. Meu Deus.
Cansei desse jogo idiota, largo todos na sala e vou em direção à cozinha beber minha terceira dose, a bebida está me distraindo do horror de ver Rafaela no colo de Pedro. Tomei a quarta dose e minha cabeça gira. Talvez a casa esteja girando. Ou todo mundo. Não consigo mais discernir. Estou bêbada ou delirando? Não sei, muitas perguntas passam em meu subconsciente nesse momento.
Subo as escadas em procura de um lugar para me refugiar que não seja no meio de adolescentes idiotas agindo como idiotas. Mas que ironia, olha só quem fala. Acho que sarcasmo realmente não faz meu tipo.
Paro no corredor quando meu corpo decide não manter o equilíbrio sozinho e me apoio na parede, se é assim que essas pessoas ficam todo final de semana, eles são realmente idiotas, isso é horrível.
Sinto uma mão gélida em meu ombro e me viro. Pedro.
"Sai, Pedro."
"Ei, relaxa. Te vi parada aqui e só vim ver se está tudo bem. Você já bebeu assim alguma vez em sua vida?"
"Não, nunca bebi, e eu também nunca beijei alguém como você me beijou, e olha só você aqui, depois de uma semana, com outra no colo."
"Porra, Sarah! Olha, você não entende."
"Não mesmo, porque não sou boa o suficiente para você não é Pedro?" Digo e meus olhos lacrimejam. Ai Meu Deus, me tornei o tipo de pessoa que mais critiquei na vida, aquela que bebe, xinga e chora. Desejo com todas as minhas forças nunca ter vindo.
"Se para você ela é quem serve para ser sua e não eu, não posso fazer nada, não é? Sou a idiota que curte livros que você beija quando está sem ninguém." Eu digo sem parar porque se eu parar, vou chorar. Sou sentimental demais, não consigo iniciar uma discussão sem chorar, sempre perco para a minha mãe chorando nas discussões.
"Para, Sarah! Não é nada disso, você só não entende as coisas, tá legal?"
"Não entendo mesmo e cansei de tentar, nós não temos nada a ver mesmo, quer dizer, olhe pra você e olhe para mim, nunca daria certo mesmo. O meu vestido não é curto o suficiente para que você se sinta atraído por mim, não é Pedro? Que se dane essa festa idiota, vou embora."
Olho para seu rosto mas vejo um semblante decepcionado, com olhos azuis tão profundos como o oceano.
Desço as escadas correndo mas ele vem atrás. Olho para trás e vejo Rafaela puxando seu braço e ele a deixando de lado. É tarde demais Pedro.
Minha cabeça gira e meu estômago quer sair para fora. Já não me reconheço mais, se a um mês atrás alguém previsse o estado que estou hoje, eu daria risada com certeza.
Mas ele me alcança quando chego na frente da casa, estou respirando ar puro e meu organismo agradece.
Ele me segura. "Você não vai andar sozinha por aí nesse estado, só Deus sabe o que um cara poderia fazer com você assim." Ele diz e vejo a preocupação em seus olhos.
"Que diferença faz pra você? Cadê a Rafaela? Ou sabe-se Deus com quem mais você esteve enquanto a idiota aqui se preocupava com você."
"Ei, espera por favor. Nós não fizemos nada, Sarah, eu juro. Elas não fazem eu me sentir como me sinto quando estou com você." Ele diz e sei que está sendo sincero porque ele não está nem aí com quem está escutando ou não. Ele precisa que eu saiba disso. Mas não é o suficiente.
"Alguém já fez você se sentir como eu faço, Sarah? Eu sei que não, é assim comigo também." Ele diz pouco se importando se alguém ouve e meu coração vai explodir, é essa a sensação, porque ele sabe que está certo.
"Você poderia ter pensado nisso antes de rir das piadas dela e me fazer sentir constrangida, você não sabe o que eu senti. Estou indo embora, Pedro. Você goste ou não."
"Merda, Sarah!" Ele diz e eu me afasto. Meu coração quer ficar e implorar para que ele venha atrás de mim. Mas não devemos ouvir o coração nessas horas, é o que minha mãe sempre diz.
"Então eu vou com você, só..." E seu telefone toca, ele olha preocupado para a tela. "Só deixa eu atender esse telefonema e eu te levo, ok?"
"Ok" E meu coração vence. Mas que merda. Pensando bem, não quero correr o risco de ser assediada novamente, então espero.
Ele atente e vejo uma fúria inflar em seu peito, seus punhos se fecham e eu já sei o que vai acontecer nos próximos minutos quando um cara se aproxima e o acerta com um soco.
Não sei quem é esse cara, nem de onde ele surgiu e nem o que está acontecendo, mas ele está em cima de Pedro o acertando sem parar. Faltam ar em meus pulmões, é como se alguém estivesse apertando meu coração. É tudo muito rápido de novo, mas para mim parece que é em câmera lenta, cada soco em Pedro é um soco em meu coração. Será que estou sofrendo um infarto? Mas não, é a dor de ver alguém que você gosta sofrendo.
Diante dessa cena fico completamente sem saber o que fazer.
E agora, José?
"Alguém ajuda! Por favor!" Eu grito chorando e voltando à realidade, foda-se se eu gosto ou não dele, não o deixaria aqui mesmo se eu não o conhecesse.
Hugo e Artur se aproximam tirando o cara de cima de Pedro, ele mesmo sai correndo quando ouve as sirenes da polícia. Ai não, se a polícia liga para meu pai dizendo que estou envolvida em uma briga às três da madrugada eu morro e sem direito a um funeral.
Puxo Pedro pela gola da camiseta e o arranco de lá. A essa altura a minha ruindade já passou e estou sóbria.
Fazemos o caminho até a casa do meu pai em silêncio e distantes. Em minutos chegamos em casa. Só quero minha cama.
"Não faz barulho, por favor." Eu digo rezando para meu pai não acordar. Enrico ficou na festa provavelmente com alguma garota, então qualquer coisa eu coloco a culpa nele amanhã.
Vou novamente em direção ao banheiro procurar a caixa de primeiros socorros, mas dessa vez quem me segue é ele, eu poderia o deixar machucado por tudo o que ele me fez passar hoje. Mas não consigo, não é assim que sou. Pelo menos nisso não mudei.
Faço um sinal para que ele se acomode perto da pia para que eu possa cuidar de seus ferimentos, dessa vez são muitos e me assusta, nunca precisei cuidar de ninguém por causa de uma briga, mas já cuidei de Pedro o suficiente por uma vida. Tem muitas coisas que ando fazendo que eu nunca pensei que faria. Elas só estão acontecendo e eu não sei controlar, simplesmente não dá.
Meu Deus, o que está acontecendo comigo? São três da manhã e estou mais uma vez no banheiro de casa limpando o sangue ocasionado por uma briga. Mais uma vez de homens, é claro. Não sei o motivo da briga, mas homens, você são patéticos. Todos vocês.
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Inefável
Romance"Dizem que as cartas de amor, se há amor, são ridículas. Mas eu escreveria centenas delas para que você se sinta amada." Ele me tira o ar, provoca em mim sentimentos e sensações das quais nunca senti na vida. Ele me traga como as ondas do mar traga...