Sétimo céu

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Depois do jantar grito um boa noite e vou direto para o meu quarto, já melhorei muito mas a febre ainda não desistiu de mim, devo estar com uns 38 graus, já medi muitas temperaturas desde que minha mãe me obriga a saber o mínimo de primeiros socorros, segundo ela, nós nunca sabemos quando vamos precisar. Eu nunca dei bola para isso, mas agora agradeço mais do que nunca.
Estou sentada na cama com o corpo encostado na cabeceira e pensando na reação da minha mãe, ela vai ter no mínimo 3 infartos, porque tudo tem que ser tão complicado com ela? Mas eu não ligo, estou disposta a tentar e nada vai mudar minha ideia.
Ouço batidas na porta.
"Entra" eu digo.
E ele entra, com uma bermuda cinza marcando seu monumento e eu me sinto envergonhada por olhar, uma camiseta preta, e os cabelos bem cortados, não tinha reparado nisso, mas só realçou sua beleza. Sua beleza me deixa anestesiada.
"Vim dar boa noite e conferir se você já secou seu cabelo, mas estou vendo que não." Ele diz me olhando feio e fazendo careta.
"Hummmmm, tem que ser agora?" Eu digo toda preguiçosa.
"Eu posso te ajudar, se você quiser." Ele diz todo sem jeito. Ai Meu Deus, eu estou babando a cada gesto que ele faz.
"Você?" Estou fazendo uma cara duvidosa agora.
"Qual o problema? Está duvidando dos meus dotes de cabeleireiro?" Ele diz rindo e rimos juntos. "Vem, senta aqui." Ele senta na cama, abre as pernas e eu sento no meio delas. Entrego uma escova e o secador em sua mão. Se me dissessem que o Pedro que conheci, aquele Pedro fechado e introvertido, um dia sacaria meu cabelo por preocupação eu riria, mas acho que ando me surpreendendo com muitas coisas em minha vida. Ele começa a pentear e secar, é um pouco desajeitado e mal feito, considerando o fato de que ele nunca deve ter feito isso antes. Mas tudo bem, eu desejo que meus cabelos sejam intermináveis para que ele possa secá-los para sempre.
"Sabe do que eu lembrei?" Digo.
"Do que?"
"Daquela parte de Dom Casmurro que Bentinho penteia o cabelo de Capitu."
"Nossa, verdade." Ele diz colocando meus cabelos para trás e beijando meu pescoço.
"Ele os deseja intermináveis para que possa penteá-los por séculos e séculos." Ele diz rindo.
"Sim... E eu desejo que os meus sejam intermináveis também." Eu tomo coragem e digo.
Ele para e desliga o secador, o coloca sobre a cama e me vira para ficar em sua frente.
"Eu poderia fazer qualquer coisa por séculos e séculos se fosse com você." Ele diz colocando meu cabelo atrás da orelha em demonstração de carinho, ele vem ficando mais carinhoso a cada dia que passa e eu me derreto mais e mais.
"Mas você não deixa de ser uma versão moderna de Bentinho." Eu digo rindo.
"Uma pena essa sua tentativa de ofensa, porque você sabe de que time eu sou." Ele joga mais uma vez em minha cara que é time Bentinho, essa é uma ofensa muito grande.
"Sarah..." Ele diz sério.
"Sim?"
"Você quer falar sobre o porquê de sua mão estar toda machucada?" Ele diz olhando para ela, e está mesmo, bem mais que nos últimos dias.
"Não precisa falar se não quiser ou se não estiver pronta, só quero que saiba que eu estou aqui e que pode falar comigo se quiser." Ele coloca as mãos sobre minhas coxas.
"Eu..." E eu suspiro, não sei se estou pronta, mas não é justo que eu exija dele total transparência se eu não pretendo ser transparente com ele. Ele me encara com olhos calmos.
Eu suspiro de novo e começo: "Eu sofro de ansiedade desde que meu pai foi embora, minha mãe ficou arrasada e eu meio que tive que cuidar das coisas sozinha, então desenvolvi. Eu faço tratamento, vou ao psicólogo e tal, mas mesmo assim as vezes ela ataca e eu arranho minhas mãos, é espontâneo, não controlo, e quando vejo ela já está assim." Digo e parece que cometi um crime de tão nervosa que estou.
"Então você está sentindo essa ansiedade nesses dias?"
"Sim, esses dias ela ficou mais intensa, acho que é por tudo que tem acontecido, minha vida era meio monótona antes de vir para cá, nada de diferente acontecia em minha vida."
"Por causa de mim e todas as merdas que envolvi você. Boa, Pedro. Você não acerta uma." Ele está olhando para baixo agora. E isso corta meu coração, talvez sejam essas merdas mesmo a causa de tudo isso, mas eu precisava que algo acontecesse em minha vida, nem me imagino vivendo da forma que estava, todos os dias a mesma rotina, não tenho ideia de como as coisas vão ser quando eu voltar.
"Ei, esquece isso, já passou. Eu disse que estou disposta a passar isso por você, vamos passar por isso juntos, ok?" Eu digo tocando em sua mão. Puxo ele para mais perto e deito em seu peito, é meu novo lugar favorito no mundo, seu colo. Ele acaricia meus cabelos e eu desejo que esse momento nunca acabe, não precisamos lidar com nada agora, sem família, sem transtornos, somos só Eu e Pedro.
"Você pode ficar aqui mais um pouco?" Eu digo me aninhando em seu colo.
"Claro, meu bem, não pretendo sair do seu lado nem por um minuto a partir de agora." Ele diz e meu coração se derrete, sei que suas intenções nesse momento são de me tranquilizar, mas sei que ainda teremos tempestades a enfrentar e não sei se nosso barco irá sobreviver.
Eu apenas fecho os olhos em uma tentativa de fugir de todos esses problemas, nesse momento, só preciso sentir o carinho de Pedro.
E eu durmo como uma pedra, nem sei a última vez que dormi tão bem assim sem pesadelos, interrupções ou algo do tipo.
Acordo com meu celular vibrando na escrivaninha, não me lembro de tê-lo colocado lá e nem de como vim parar debaixo das cobertas em minha cama, a última lembrança que tenho é de estar confortável no colo do Pedro.
Ouço batidas na porta.
"Entra" Eu digo sentando em minha cama, estou bem melhor hoje e acho que sem febre, talvez tenha sido emocional ou algo do tipo. E pensando nisso me lembro de que não recebi nenhuma ligação da minha mãe, o que é bem estranho considerando o fato de que ela surta por qualquer motivo.
É Pedro. Meus pulmões inflam como se o ar faltasse e sinto uma sensação estranha no estômago, considerando todos os romances que li, chego a conclusão de que estou completa e inteiramente apaixonada por Pedro. É estranho dizer isso para mim mesma, porque nesse últimos anos eu fui tudo, menos adolescente, não me permiti viver a adolescência, ainda acho que os adolescentes fazem coisas idiotas, mas o que seria de nossas vidas sem algumas histórias para contar? Penso nisso e de como eu seria uma péssima avó se não tivesse uma história para contar aos meus netos, e seria exatamente o que teria acontecido se eu continuasse a viver como eu vivia.
"Bom dia." Ele diz entrando com um copo de água e um comprimido na mão, senta em minha cama e olha para mim. "Como você amanheceu?" Ele olha para mim com esses olhos infinitos como o oceano, existe uma linha tênue entre os olhos de Pedro e o Oceano, e eu desejo poder olha-los pelo resto dos meus dias.
Saio do meu transe quando ele toca minha perna com suas mãos em forma de carinho.
"Muito melhor, obrigada." Eu digo sorrindo. "Se eu ficar doente desperta em você esse Pedro gentil, acho que gostaria de ficar doente mais vezes." Digo sorrindo.
"Não diga isso nem brincando, Sarah." Ele diz me repreendendo. Ele é um tanto preocupado comigo, hein.
"Esther disse que esse remédio te ajudaria a melhorar." Ele diz me entregando o remédio e o copo com água. Eu tomo e bebo em um segundo toda a água.
"Sede, hein?" Ele levanta as sobrancelhas, lindo, mil vezes lindo.
"Troca de roupa, vou te levar em um lugar que acho que você vai gostar." Ele diz e sai.
A alguns meses atrás eu nem me importaria com que roupa eu sairia se algum menino me convidasse para ir a algum lugar. Mas não sou a mesma de meses atrás, e Pedro desperta em mim sensações jamais sentidas pelo meu corpo.
Tomo um banho relaxante e visto uma calça jeans rasgada, uma camiseta preta e meu vans de sempre. Sou bem básica e gosto assim, deixo meus cabelos soltos mesmo, estão com umas mechas um pouco enroladas porque Pedro não secou direito, mas tudo bem, eu gosto.
Pego meu celular e desço para a cozinha, no caminho penso em como é muito estranho minha mãe não ter me ligado desde que soube que tive febre, para mim é um alívio, porque venho escondendo Pedro dela a alguns dias, mas sei que algo está acontecendo.
Meu pai e Esther estão na cozinha e Enrico está sentado perto do balcão mexendo em seu celular.
"Bom dia, gente." Eu digo. E todos me olham, Enrico fala comigo pela primeira vez desde seu problema que eu supostamente ainda não sei.
"Bom dia." Ele diz sorrindo de canto. Não sei porque ele está me tratando dessa forma, ele e Pedro se falam normalmente porque Pedro dorme em seu quarto todos os dias e vejo ele conversando com Esther. Ele e meu pai estão em um clima meio estranho ainda, mas isso não é da minha conta.
"Bom dia, filha." Meu pai vem em minha direção e me dá um beijo na testa, recuo um pouco porque não estou acostumada com tanta demonstração de carinho de sua parte, mas retribuo, não quero tornar as coisas mais difíceis.
"Vou levar Sarah para tomar um café e mostrar algumas coisas a ela." Pedro diz para todo mundo.
"Tudo bem, tomem cuidado." É apenas o que meu pai diz, não consigo entender se ele sabe ou não, mas fico feliz por estar dando tudo certo por enquanto.
"Aah, filha...Hoje é aniversário de casamento meu e de Esther, nós sempre saímos para jantar, mas se não quiser ficar aqui sozinha e quiser vir conosco será bem vinda." Meu pai diz e eu nem por um segundo quero participar disso, quer dizer, tenho desenvolvido cada vez mais afeto por Esther, mas não quero estar no meio dos dois como se tivesse estragando esse momento, é um momento só deles e eu preciso respeitar.
"Tudo bem, pai, eu peço uma pizza e está tudo certo." Eu digo sorrindo e ele retribui, por enquanto as águas estão calmas e estamos navegando bem. Pedro está me esperando na porta e saímos juntos.
"Onde nós vamos?" Eu digo um tanto curiosa, na verdade estou morrendo de curiosidade, mas não quero deixar transparecer.
"Em um lugar que acho que vai gostar, quando passo por ele só consigo imaginar uma pessoa: você." Ele diz pegando em minha mão. Meu Deus. Estamos andando na rua de mãos dadas e meu coração quer pular para fora, eu já nem sinto mais minhas mãos, meu corpo está todo amortecido.
"É aqui perto, então podemos ir andando mesmo, eu só poderei tirar carta ano que vem, então não tem muito o que eu possa fazer." Ele diz e eu nem me toco que estamos em Dezembro, meu aniversário é daqui algumas semanas e sei que o de Pedro é também, só preciso descobrir o dia.
"Você terminou o terceiro ano agora, não é?" Digo olhando para sua face iluminada pelo sol, um milhão de vezes perfeito.
"Sim, terminei a escola esse ano, nossa formatura foi adiada porque a escola estava em reforma, será só em janeiro, mas para mim não faz diferença porque não vou participar." Ele diz olhando para frente.
"Como não? É o momento do colegial que todo mundo espera." Eu não entendo porque alguém não iria querer participar de sua formatura do colegial. Não é o momento em que os adolescentes mais esperam? Terminar o colégio.
"São um bando de gente comemorando e fingindo que o colegial foi uma benção e fizeram amizades que vão levar para vida. O meu colegial foi um pesadelo, com todos os problemas que ainda tenho com minha mãe e o seu marido." Ele não olha para mim e eu realmente sinto pena por ele ter tido uma experiência tão horrível em seu Ensino Médio.
"Aah, entendi...Já pesou em que faculdade vai fazer?" Eu pergunto e nunca pensei em qual profissional Pedro seria com essa personalidade.
"Bom, contabilidade, talvez...Seu pai, eu e Enrico estamos lidando com as inscrições de faculdade, provavelmente vou trabalhar com seu pai no escritório contábil dele, sou bom com números."
"E com palavras também, além de gostar de ler você me intimida apenas com algumas palavras." Eu o olho.
Ele sorri.
"Sei disso, Senhora Bennet." Eu amo a forma como ele relaciona a minha personalidade com um personagem literário tão incrível. Entendo que ele pensa diferente sobre a parte do incrível, mas é uma coisa só nossa.
Ele hesita um segundo. "E vou pagar a faculdade com o dinheiro que meu pai deixou para mim depois que morreu. Ele autorizou que só eu tomasse conta do dinheiro, porque se tivesse ficado nas mãos da minha mãe, eu não teria mais nada, seu marido jamais iria deixar que eu tivesse uma gota de felicidade, ele é um merda." Estou descobrindo muitas coisas conversando com Pedro e fico feliz que ele tenha uma relação de pai e filho com o meu pai, soa um tanto estranho na verdade, mas as circunstâncias são diferentes. Meu pai não foi bom pai para mim, mas eu tive minha mãe, Pedro não teve ninguém.
"Nossa, bem legal, eu ainda tenho meu último ano e bem...Vou ver em que rumo as coisas vão seguir."
"Tinha me esquecido que você é um ano mais nova, já tem certeza de que faculdade vai fazer? Porque o terceiro ano passa rapidinho, quando vê já está tendo que pensar no que vai fazer para o resto da vida...É uma merda." Ele ri de canto, realmente é uma merda.
"Você vai voltar para São Paulo mesmo então?" Ele pergunta me olhando seriamente.
"Bom, acho que sim, pelo menos esse é o plano, tenho um ano de colégio para terminar e não quero ter que pedir dinheiro para meu pai pagar minha faculdade, então quero passar em psicologia em uma pública." Eu digo porque esse sempre foi o plano, entre mim, Mari e Liz. Eu queria fazer faculdade em São Paulo mesmo, mas vou fazer onde eu passar e para mim já está de bom tamanho.
"Aah, entendo..." Ele diz em tom triste.
"Mas não sei como as coisas vão acontecer, eu só estou indo e vendo onde a correnteza me leva, a uns meses atrás eu tinha toda minha vida planejada, mas agora não sei mais se quero fazer tantos planos." Eu desabafo.
"Entendo, então você vai ficar tipo, longe?" Ele está preocupado, é esse o problema aqui.
"Você não quer ficar longe de mim?" Eu sorrio.
"Não sei...Quer dizer, não, mas é a sua vida e não posso interferir nisso também, mas se pedisse minha opinião eu diria para morar aqui com seu pai esse último ano de colégio, poderíamos ficar mais próximos." Ele diz me olhando. Morar com meu pai está fora de cogitação, além de ser fora de todos os meus planos minha mãe surtaria.
"Então você vai sentir saudade se eu for?" Meu coração salta para fora, meu corpo dói só de pensar ficar tão longe dele, eu sinto que é do seu lado que preciso ficar, meu corpo se conecta ao seu.
"Bom, sim...Nunca tive alguém que se importasse comigo como você se importa." Ele me olha nos olhos e quero pular em seu colo. A forma como o sol está iluminando seu rosto o deixa mais magnífico do que ele é, cabelos e olhos mais claros por causa do sol, e sua boca carnuda se desenha como uma completa perfeição. Ele é a perfeição.
"Bom, podemos pensar nisso e dar um jeito." Não sei o que eu e Pedro somos mas não quero rotular nada e acho que ele também não, então acho que estamos confortáveis assim.
Conversamos todo o trajeto e andamos o tempo todo de mãos dadas, até entrarmos em uma cafeteria, olho ao redor e é linda. Tem uma pintura em tons pastéis e um canto com sofás e mesas com uma decoração de livros, é o paraíso para mim que ama café e um bom livro, perfeito.
"Eu amei" Digo olhando em seu rosto quando entramos na fila.
"Eu só consigo pensar em você quando venho aqui, você poderia estudar aqui se viesse terminar o último ano aqui." Ele diz me olhando com cara de cachorro abandonado, ele já tinha tudo planejado para me convencer a morar aqui ano que vem, ele me quer mais próxima, isso faz meu coração se derreter mas ao mesmo tempo me assusta um pouco, tenho uma vida em São Paulo, não posso simplesmente deixá-la. Mas esse é um problema a ser resolvido outra hora, por enquanto preciso apenas de um café.
Procuro uma mesa para sentarmos enquanto ele fica na fila para pegar o café. Nossa mesa é do lado da janela e da para ver as pessoas passando na calçada, tem etiquetas em cada cadeira com frases literárias e as paredes são decoradas com trechos de livros ou frases poéticas, a parede ao meu lado está escrito: "Quando eu tiver uma casa própria, serei miserável se não tiver uma excelente biblioteca." E na hora reconheço essas palavras, Jane Austen. Eu a admiro tanto, ela é do tipo de mulher que a sociedade rejeita por ser á frente de seu tempo, eu com certeza seria rejeitada como ela se tivesse nascido no século XVIII. Fico admirando esse lugar incrível e olhando os casais passeando na rua, está um dia agradável, o sol não está tão forte, vejo todos esses casais e me pergunto se um dia eu e Pedro seremos assim, assumidos e felizes sem problemas familiares ou brigas. Dou um suspiro e Pedro vem em minha direção com nossos cafés, ele é lindo a qualquer hora do dia e não me canso de admirar, ele me cativa de uma forma inexplicável, nossos corpos sentem um ao outro, e é assim desde o primeiro dia em que o vi, não consegui tirar os olhos dele, o sentimento é recíproco julgando todos os seus momentos comigo até agora, e ele parece tão feliz e realizado, não vi Pedro tão feliz assim desde que cheguei e vi seus primeiros surtos, ele parecia perdido em algum lugar dentro de seus próprios sentimentos confusos, eu sou seu equilíbrio e estou aqui para ele, tenho o mínimo de responsabilidade afetiva para entender que não sei nada sobre o futuro, mas precisamos estar aqui um para o outro agora. Ele precisa disso. Afinal, é como dizem, tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas, não é? Cativamos um ao outro e somos responsáveis por isso, por cada sentimento, cada toque. Somos eu e ele.
Acho que se todas as pessoas tivessem o mínimo de responsabilidade afetiva, muitas desilusões amorosas seriam evitadas, ninguém se apaixona sozinho, tem sempre alguém que cativa esse sentimento e alguém que simplesmente deixa de pensar no próximo para pensar nos próprios desejos. Entender sobre o impacto que temos na vida de quem cativamos é o mínimo para se relacionar com alguém, e eu tenho plena consciência disso, obrigada por isso, Jane Austen, Orgulho e Preconceito é um bom manual sobre relações se soubemos analisar.
"Tudo bem?" Ele pergunta se aproximando com dois cafés, sentando ao meu lado e me tirando de meus devaneios.
"Tudo perfeito." Sorrio e pego o café de sua mão.
Ele apoia a mão em minha coxa e eu amo isso, suas pequenas demonstrações de carinho preenchem meu coração.
"Esse lugar é tudo, simplesmente o lugar perfeito." Olho em volta, paro para tomar um gole desse café divino e para admirar seus olhos. Café e esses olhos profundos, é tudo que eu preciso.
"Que bom que gostou, podemos vir sempre que você quiser, é só pedir." Ele sorri e também encara meus olhos, será que ele admira meus olhos como eu admiro os dele?
"O que foi?" Ele ergue a sobrancelha direita toda vez que quer sorrir de canto, é o paraíso.
"Nada, só admirando seus olhos, são tão bonitos e profundos." Eu sorrio e ele ri.
"Você está tentando ser poética, senhora Austen?" Ele diz em tom sarcástico olhando para a frase na parede.
"Você também reconheceu as palavras de Jane Austen? Não sabia que gostava tanto assim de livros." Finalmente tenho alguém para para falar sobre os livros que eu amo.
"É, eu curto um pouco, é o meu refúgio, saca? Quando eu leio é como se estivesse em outro mundo. E eu reconheceria as palavras de Jane Austen em qualquer lugar do mundo."
"Então eu tenho vários apelidos? Gostei de senhora Austen." Rio.
"É um bom apelido mesmo."
Ele pisca, Ai Deus, acho que vou desmaiar, tamanha beleza falando sobre livros e piscando para mim, nem em meus sonhos imaginei viver tal momento.
"Meu pai sonhava em ter uma editora no Rio, ele vivia me dando livros de presente e eu os devorava, ele e minha mãe brigavam muito, então nesses momentos eu me trancava em meu quarto e lia, era como se eu me transportasse para outro mundo." Ele não tira sua mão quente da minha coxa e a forma como ele vai subindo cada vez mais me deixa inquieta.
"Quantos anos você tinha quando...Você sabe" Eu pergunto sendo insensível.
"Quando ele morreu?"
Eu faço que sim com a cabeça.
"Eu tinha 12, foi quando minha vida começou a dar errado, acho que minha mãe se sentiu tão culpada por ter brigado tanto com ele, eles brigavam e ele saía com o carro para esvaziar a cabeça, mas um dia ele saiu e não voltou mais." Ele toma um gole de café.
"Minha mãe se afundou em culpa e tristeza e nunca mais foi a mãe alegre que eu tinha, aí ela conheceu o Carlos e as coisas só afundaram cada vez mais, ele possessivo, surta por qualquer coisa e bem, me odeia como você já percebeu."
"E você cresceu no meio de tudo isso." Eu digo em uma afirmação com o coração doendo por ver esse garoto sofrendo assim, imagino o garotinho de cabelos negros sozinho e perdido.
"É, as coisas foram piorando, até parei de ler porque era o que mais me lembrava meu pai, depois comecei a passar mais tempo na casa de seu pai do que na minha, Enrico estuda comigo desde que eu me lembro da escola, e ele também perdeu o pai, então nos entendemos de alguma forma, ele é meu irmão, e assim as coisas melhoraram um pouco pelo menos, não preciso ficar o tempo todo naquele inferno."
Me lembro de outro problema, Enrico, eu não tenho contas a ver com esse problema, mas ele afeta Pedro, e se o afeta, me afeta também.
"Entendo. Foi por isso que você voltou a ler? Para tentar enfrentar melhor a situação?"
"Acho que sim, e deu certo, como sempre. Os livros transportam qualquer um que queira fugir do que não quer enfrentar."
Saímos do café, caminhamos pelo calçadão e compramos um sorvete, ele abraça meu ombro agora e eu me sinto inundada por sentimentos, a antiga Sarah jamais se imaginaria vivendo essa cena, mas a atual gosta, eu gosto de suas demonstrações de carinho e de como se importa comigo, eu sou assim agora, essa é a minha vida, não sei como será daqui para frente, mas acho que gosto das coisas como estão.
Chegamos em casa e sinto um cheirinho de almoço, vai ser difícil me acostumar  a cozinhar de volta quando eu for para casa, Esther cozinha todos os dias aqui e sua comida é a melhor que já comi em minha vida.
Vamos para a cozinha em direção de Esther.
"Olá, meus amores." Ela diz calorosa e alegre, ela é alegre o tempo todo, vou sentir saudades disso também quando eu for embora, acho que até da decoração estranha sentirei saudades.
"Como foi o passeio? Gostou do café?" Ela pergunta apoiando os cotovelos no balcão da cozinha e piscando para mim.
"Foi bom, é lindo lá."
"É mesmo, eu sabia que você ia amar."
"Você sabia que ele me levaria lá?"
E o que é que ela não sabe?
"Pedro, Enrico está lá em cima, dê uma palavrinha com ele." Ela diz e olha fixamente em seus olhos e eu sei que é sobre o problema dele, só não querem falar em minha frente. Pedro assente e sobe as escadas, ficamos só eu e Esther em casa.
"Seu pai foi para uma reunião de emergência no escritório, ele não tem folga nunca, então seremos só nós quatro no almoço." Ela me olha e eu sorrio, ainda quero saber como ela sabia que Pedro me levaria lá.
"Pedro veio falar comigo ontem depois que você dormiu, na verdade eu passei em seu quarto só para dar um boa noite e você estava no colo dele como se estivesse no lugar mais confortável do mundo, e ele te olhava como se estivesse segurando o mundo nos braços." Ela diz e isso tem um impacto grande em meu coração, eu me senti exatamente da forma que ela descreveu, como se o colo de Pedro fosse o lugar perfeito para estar, como se nossos corações estivessem entrelaçados. Eu a observo para que ela termine a história.
"Foi uma cena linda, Sarah. Óbvio que ele não me viu, afinal você conhece o Pedro, mas eu senti a conexão entre vocês, e aí ele desceu para beber uma água e conversamos." Ela me olha com olhares preocupados e não estou gostando de ser a última a saber dessa conversa. "Ele sofreu muito na vida, praticamente não tem família, sua família somos nós e sua mãe que está passando por momentos difíceis, e por muito tempo eu achei que tínhamos perdido Pedro, ele estava fisicamente presente mas seu espírito não, é como se seus olhos fossem vagos, entende? Eu não o culpo, porque com seu pai morto e sua mãe se entregando àquele merda, ele não teve muito pelo que lutar." Ela diz e estamos muito próximas agora, ela está com suas mãos em meus braços como se precisasse da minha atenção. "E agora eu enxergo vida em seus olhos, ele tem pelo que lutar, Sarah. Você." Ela senta no banquinho em minha frente. "E em nossa conversa ontem, ele falou que estava com medo de perder outra pessoa de quem ele gosta, você é importante pra ele agora, faz parte da vida dele porque lutou por ele quando nenhuma outra lutou, ele está morrendo de medo de que você volte para São Paulo e as coisas voltem a ser como eram antes, entende?" E é claro que eu entendo porque sinto a mesma coisa, nesse tempo que estou aqui me acostumei com minha vida aqui, desconstrui todos os pensamentos ruins que formulei quando fui obrigada a vir, e agora agradeço imensamente por terem me obrigado, senão nada disso faria parte da minha vida e eu estou cansada da minha vida monótona e planejada pela minha mãe. Eu não sei mais se quero essa vida de volta, mas preciso, tenho planos, escola, estudos e minha mãe que jamais me deixaria vir para cá.
"Então eu disse a ele para te levar a algum lugar para conversarem e pedi para que ele deixe você mesma tomar essa decisão, é a sua vida e você precisa decidir sobre ela, claro que você tem todo o meu apoio em qualquer decisão que tomar, mas pensa no assunto, eu ia amar ter você como companheira." Ela diz piscando e acariciando meus braços. Eu jamais imaginaria ficar tão próxima de Esther, ela me surpreende dia após dia com seu carisma, eu também amaria conviver com ela todos os dias.
Almoçamos todos juntos e Enrico está mais sociável do que nos últimos dias, falou comigo normalmente, acho que ele voltou ao normal ou algo do tipo. Meu pai chega assim que acabamos de almoçar e traz um marcador de páginas para mim de presente. Ele realmente está tentando e eu não estou forçando a barra, estou tentando deixar as coisas fluírem.
"Muito obrigada, eu amei o presente." Eu digo animada, e amei mesmo, não tem nada no mundo que eu ame mais do que ganhar livros ou adereços para livros.
"Não é nada, filha, você merece." E eu sorrio.
Enrico e Pedro subiram para o quarto assim que meu pai chegou, acho que ele e meu irmão postiço ainda não estão muito bem, o que eu não entendo, mas enfim, tem muitas coisas que não fazem sentido ultimamente.
Subo para meu quarto e dou de encontro com Enrico com uma calça jeans cor mostarda, uma camiseta branca e tênis, sinto seu perfume forte de longe, ele vai sair pelo jeito. Ele me para no corredor de nossos quartos e diz meio sem jeito: "Pedro me contou sobre vocês dois, você não precisa da minha aprovação, mas fico feliz por vocês." Ele sorri e sai, uma das únicas demonstrações de carinho que ele teve por mim desde que cheguei. Fico feliz que ele esteja bem.
Abro a porta do meu quarto e me deparo com Pedro parado em frente à prateleira de livros, estou com o marcador que ganhei do meu pai em minhas mãos e pretendia guarda-lo na estante, mas nesse momento minha única pretensão é Pedro. Ele é bonito até de costas e eu reconheceria esses ombros a metros e metros de distância.
"Pode pegar um emprestado se quiser." Eu digo provavelmente o tirando de algum devaneio, porque ele se vira com olhos vagos e inexpressivos mas logo sorri e meu coração bate de novo.
"Bom, se você me deixar ficar no seu quarto todas as vezes que eu quiser um livro emprestado, acho que vou emprestar sempre, mesmo que seja para reler alguns." Ele diz erguendo a sobrancelha e passando a língua pelos lábios carnudos, basta isso para que eu me derreta toda.
Eu me aproximo e paro em sua frente para guardar meu livro na prateleira, estamos muito próximos e isso é perigoso, meus hormônios saltam do meu corpo quando estamos próximos. Ele pega o livro da minha mão fazendo questão de toca-la e guarda na prateleira, não sou capaz de dizer uma palavra, estou imóvel e inerte com o efeito que ele causa em mim, ele se aproxima vagarosamente e toca meu braço, cada pelo do meu corpo se arrepia e deseja mais e mais seu toque. Estou olhando fixamente para sua boca perfeitamente desenhada e me perco em seus lábios, é onde mais tenho me perdido ultimamente. Nos beijamos firmemente e com intensidade, eu posso sentir seu coração, mas os meus param quando a porta abre. É meu pai, não sei muito bem se ele já desconfiava ou não, até porque eu e Pedro moramos debaixo do seu teto, mas de qualquer forma, não é uma cena muito confortável.
Eu só espero, do fundo do meu coração, que isso não cause mais brigas, mais confusão e problemas.
"Sarah, tudo bem?" Pedro pergunta me tirando de meu transe.
"Pai eu..." Mas ele bate a porta e nos deixa sozinhos, pelo jeito ele não sabia mesmo e sua reação não foi a mais legal.
"Vai ficar tudo bem, tá? Vou cuidar disso." Pedro diz pegando minha mão e dando um beijo, ele coloca meu cabelo atrás da orelha e não me controlo mais. Vou em sua direção e o beijo, com intensidade, amor e sentimento, é um beijo desesperado e ele retribui colocando a mão entre meus cabelos, colocando a outra em minha bunda. Não estou nem aí com meus problemas agora, posso dar um jeito nisso depois, a única coisa que me importa agora é Pedro, nos beijamos com vontade e desespero, mal consigo respirar, nesse momento não me importa mais se alguém abrir aquela porta e nos ver, o que me importa está bem em minha frente e quase me engolindo.
Dou passos para trás sem parar de beija-lo e bato com as costas na prateleira de livros, em outro momento eu estaria resmungando de dor, mas não agora, não com ele me possuindo.
Ele me ergue e me senta na escrivaninha, eu sento com as pernas abertas e ele se posiciona no meio, sinto inquietações por todo o meu corpo e o desejo mais e mais, ele beija meu pescoço e sua mão desce em minha cintura e não para mais, ele me olha e me sinto envergonhada.
"O que foi?" Pergunto franzindo o cenho. Minha respiração está acelerada e a qualquer minuto vou ter um infarto se ele parar de me tocar agora.
"Nada, meu bem, só quero te olhar, quero olhar pra você e ver o que só eu faço com você." Ele ergue essas sobrancelhas lindas e eu desejo mais, preciso de seu corpo no meu.
Ele desce a mão exatamente onde a minha inquietação está presente, sinto seus dedos gélidos passando pelo elástico da calcinha e pendo a cabeça para trás, ele controla todos os meus hormônios.
"Você quer, não quer?" Ele passa a língua pelos lábios e eu engulo seco.
"Por favor" Estou implorando por seu toque, é como se eu precisasse, e eu realmente preciso.
"Você é quem manda." Ele desce suas mãos e solto um gemido, não sou capaz de nenhum controle.
"Shhh, Sarah. Você quer que seu pai me mate?" Ele ri com o semblante provocativo, ele é perfeito em todos os momentos.
E sinto seus dedos em mim, é uma sensação que não me canso de sentir, meu estômago queima e meu coração vai sair pela boca, minha respiração está errática e ele olha para mim com seus olhos profundos, é como se eu estivesse olhando para o oceano, é assim que me sinto quando olho para ele. Ele vai cada vez mais fundo e aumenta o ritmo, eu quero gritar e dizer ao mundo o que só ele consegue fazer comigo, mas não consigo, estou presa em seus olhos, em seu toque, em cada detalhe seu, ele me olha com intensidade e fervor. E eu chego ao sétimo céu, vejo as estrelas, meu corpo inteiro relaxa em segundos, era tudo o que eu precisava.
Ainda estamos nos olhando e ele me olha com carinho agora, como se precisasse me observar.
"Não se esqueça do que eu posso fazer você sentir, Sarah. Do que só eu posso fazer você sentir, vou lembra-la quantas vezes forem preciso." E eu sorrio, não preciso de lembranças, ele me leva para o espaço em segundos e sei bem disso.

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